Há ferramentas disponíveis que conseguem elaborar relatórios contendo as tarefas desempenhadas ao longo da jornada de trabalho, como a quantidade de e-mails enviados, o tempo em que permaneceu em determinada página ou documento, ou mesmo o tempo total que esteve à frente do computador, entre outras estatísticas. Os meios para obter informações sobre a atividade do funcionário podem consistir em capturas esporádicas da tela, monitoramento da quantidade de cliques e acionamento de teclas e visualização dos sites e aplicativos acessados. É o "BBB corporativo".
Há uma grande discussão sobre a possibilidade desse tipo de monitoramento e seus limites. Por um lado, há o reconhecimento do interesse do empregador de que o home office não seja utilizado como uma forma de escapar ao trabalho e que, se o dispositivo a ser monitorado for disponibilizado pela própria empresa, deve ser utilizado apenas para as finalidades funcionais; por outro lado, há a privacidade desse empregado e a compreensão de que a produtividade do trabalho não é garantida pela total proibição de intervalos de distração.
Além de eventuais discussões jurídicas concernentes ao direito do trabalho, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) também ingressa no debate, e seus princípios podem trazer não a preponderância de um interesse em detrimento do outro (interesse da empresa x privacidade do empregado), mas uma solução de equilíbrio.
Isso porque a LGPD dispõe que as atividades de tratamento de dados (como o monitoramento das atividades do funcionário) devem ter uma finalidade específica, lícita e legítima, e os meios para alcançá-los devem ser necessários e adequados para tal objetivo.
Dessa forma, mesmo que seja reconhecido como lícito o controle das atividades dos funcionários pela perspectiva da empresa, que teria um legítimo interesse para tanto, ainda é preciso refletir se a forma de atingimento dessa finalidade é a mais adequada, considerando que também é necessário resguardar a privacidade do funcionário, bem como sua dignidade.
Assim, por exemplo, se o objetivo é evitar a possibilidade de que a pessoa se distraia com redes sociais ou determinados sites que podem comprometer a segurança da rede, seria muito mais adequado que a ferramenta implementada impedisse o acesso e a conexão a certos sites pré-selecionados do que capturar a tela a cada intervalo de tempo ou emitir relatório com os endereços acessados e o conteúdo ali visualizado. É uma solução menos invasiva à privacidade desse usuário, e o objetivo atingido é o mesmo.
Esse tipo de reflexão é essencial para as empresas, que devem tomar nota de que há diversos meios para se atingir a mesma finalidade que envolva dados pessoais, assim como é uma obrigação e uma responsabilidade legal dos empregadores buscar meios que sejam mais adequados e menos invasivos à privacidade do usuário, ainda que a finalidade seja legítima.
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Natália Marques é advogada da área de recuperação de empresas do escritório Dosso Toledo Advogados, é mestranda em direito comercial na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP – Largo São Francisco), é especialista em direito comercial e empresarial e especialista em Lei Geral de Proteção de Dados e foi pesquisadora da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
Fonte: Conjur
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