Existe uma proximidade entre os dois delitos quando estamos diante do furto mediante fraude (figura qualificada prevista no art. 155, § 4º, II) e o estelionato (art. 171 do CP), que tem na fraude, sua elementar.
Para diferenciar os delitos, todavia, os tribunais e a doutrina imprimiram as seguintes distinções: no furto qualificado mediante fraude, o agente subtrai a coisa com discordância expressa ou presumida da vítima, sendo a fraude utilizada como meio para retirar a coisa da esfera de vigilância da vítima. Subtrai-se a coisa sem a participação ativa alguma da vítima. No estelionato, por sua vez, o autor obtém o bem através de transferência empreendida pelo próprio ofendido por ter sido induzido em erro. A própria vítima entrega a coisa – ver nessa linha: AgRg no REsp 1279802/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 08/05/2012, DJe 15/05/2012 e AREsp 1418119/DF, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 07/05/2019, DJe 13/05/2019.
Esse é o ponto central e diferenciador dos crimes: no furto mediante fraude a coisa é retirada da vítima sem a sua anuência. No estelionato, ao seu turno, a própria vítima induzida pela fraude entrega o bem. É a atuação de vítima que distingue os delitos.
Segundo Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p 958) eis a polêmica estabelecida no caso concreto, provocando variadas posições na jurisprudência. O cerne da questão diz respeito ao modo de atuação da vítima, diante do engodo programado pelo agente. Se este consegue convencer o ofendido, fazendo-o incidir em erro, a entregar, voluntariamente, o que lhe pertence, trata-se de estelionato; porém, se o autor, em razão do quadro enganoso, ludibria a vigilância da vítima, retirando-lhe o bem, trata-se de furto com fraude. No estelionato, a vítima entrega o bem ao agente, acreditando fazer o melhor para si; no furto com fraude, o ofendido não dispõe de seu bem, podendo até entregá-lo, momentaneamente, ao autor do delito, mas pensando em tê-lo de volta.
A fraude do furto tem por finalidade reduzir a vigilância da vítima para que ela não compreenda que está sendo desapossada. No estelionato, a fraude visa fazer a vítima incidir em erro para que ela, vítima, entregue o bem de forma espontânea ao agente – vide sobre o tema: AgRg no CC 74.225/SP, Rel. Ministra Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJMG), Terceira Seção, julgado em 25/06/2008, DJe 04/08/2008.
Segundo Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Junior e Fabio Almeida Delmanto (Código Penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 564), o furto praticado mediante fraude não se confunde com o crime de estelionato. No primeiro tipo (CP, art. 155, § 4º, II, segunda figura), a fraude é empregada para iludir a atenção ou vigilância do ofendido, que nem percebe que a coisa lhe está sendo subtraída. No estelionato, ao contrário, a fraude antecede o apossamento da coisa e é a causa de sua entrega ao agente pela vítima; esta entrega a coisa iludida, pois a fraude motivou seu consentimento.
No caso de fraude envolvendo de energia elétrica, temos o seguinte cenário: se ocorre o desvio de energia (com ligação direta para a residência sem passar pelo medidor; ligação poste-casa) o crime é de furto mediante fraude (é o denominado “gato”). Todavia, se o agente faz com que a energia chegue, mas com quantitativo menor, viciando o aparelho medidor, estamos diante de estelionato.
Em termos mais comuns: na primeira situação a fraude é utilizada para retirar/subtrair a energia da concessionária (leigamente se diria que o medidor ficaria sem funcionar). Na segunda hipótese, a concessionária ludibriada entrega a energia, mas em menor quantidade (aqui, o medidor gira, todavia, em menor rotação que a correta).
Essa linha de raciocínio, envolvendo desvio de água, foi trazida pelo STJ no AgRg no AREsp 1373228/SP, DJe 05/04/2019, quando se disse que “configura o crime de furto qualificado pela fraude (art. 155, § 4º, II, do Código Penal) a conduta consistente no furto de água praticado mediante ligação clandestina que permitia que a água fornecida pela CAESB fluísse livremente, sem passar pelo medidor de consumo.”
No caso da energia elétrica, o crime de furto poderá ocorrer, por exemplo, quando se instala ou se retira fiação diretamente do poste de energia para a moradia ou comércio, sem passar por qualquer medidor; desvia-se a corrente elétrica, portanto, em momento anterior ao repasse no medidor, como se vê comumente em ligações clandestinas. Deve-se advertir que se a energia for desviada em momento posterior ao medidor oficial, empregando-se algum dispositivo para viciá-lo, o crime será de estelionato (art. 171 do CP) – ESTEFAM, André. Direito Penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 393.
No “gato” ocorre o desvio da energia elétrica antes, sem que ela passe do registro/medidor, com subtração da energia (ligação direta do poste para a residência), a incidir, portanto, a figura do furto mediante fraude. No furto mediante fraude há subtração e inversão da posse do bem.
No delito de estelionato, por sua vez, ocorre a adulteração no medidor de energia elétrica, de modo a registrar menos consumo do que o real, fraudando a empresa fornecedora (HC 67.829/SP, DJ 10/09/2007). O agente usa de artifício (finge uma situação de normalidade) para provocar um resultado de consumo a menor, para que o medidor não marque corretamente.
Essa distinção foi realizada, por exemplo, no AREsp 1418119/DF, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 07/05/2019, quando o STJ considerou que, no caso concreto, houve alteração (adulteração) no medidor de energia elétrica com redução do consumo de energia, induzindo a erro a companhia elétrica, o que configurou estelionato.
No caso, houve redução da quantidade de energia registrada no relógio e, por consequência, a de consumo, gerando a obtenção de vantagem ilícita. O caso dos autos não se tratou da figura do “gato” de energia elétrica, em que há subtração e inversão da posse do bem. Tratou-se de prestação de serviço lícito, regular, com contraprestação pecuniária, em que a medição da energia elétrica é alterada, como forma de burla ao sistema de controle de consumo, – fraude -, por induzimento ao erro da companhia de eletricidade, que mais se adequa à figura descrita no art. 171, do Código Penal (estelionato).
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Escrito por Rodrigo Leite
Mestre em Direito Constitucional, Autor,
Assessor no TJRN e Conteudista do SupremoTV.
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Fonte: blog.supremotv.com.br
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