É possível o empregado ser dispensado por WhatsApp?

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A extinção do contrato de trabalho pode ocorrer por meio das figuras da resilição, da resolução ou da rescisão. Na resilição, o término do pacto laboral acontece sem justo motivo, de forma imotivada, ao passo que na resolução o contrato é extinto em decorrência de um justo motivo. Já a rescisão ocorrerá quando estivermos diante de uma nulidade contratual.

Dito isso, algumas inquietações surgem a respeito da dispensa do empregado pelo aplicativo de mensagens WhatsApp, em particular se este formato digital pode ser considerado válido e legítimo na forma da lei.

Inicialmente, cabe destacar que tal aplicativo se tornou há muito tempo um poderoso meio de comunicação entre as pessoas, ainda que no âmbito corporativo, e, nesse sentido, passou a ser utilizado em larga escala como uma própria ferramenta de trabalho. Basta olhar para os lados que nos deparamos com alguém "conectado", sobretudo em tempos de pandemia, quando essa comunicação passou a ser muito mais explorada.

Com efeito, não se discute aqui se todo o conteúdo extraído das conversas deve ser admitido como meio de prova pelo Poder Judiciário; ao revés, o escopo do presente texto é averiguar se a dispensa advinda do uso de tal ferramenta pode ou não ter a sua validade reconhecida e apta a comprovar a extinção contratual.

Indubitavelmente, o empregador, ao exercer o seu poder de direção previsto no artigo 2º da CLT, possui a faculdade de proceder com a dispensa do trabalhador, desde que cumpra com todas as suas obrigações no momento da extinção contratual. Afinal, a boa-fé objetiva que conduz esta relação deve estar presente antes, durante e no fim do contrato.

Lado outro, a Constituição Federal traz em seu artigo 1º, inciso III, o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, de forma que, inobstante o empregador possa exercer o seu poder potestativo de dispensar seu empregado, tal poder, decerto, não é absoluto. Ainda, a norma constitucional ao tratar dos direitos e garantias fundamentais expressamente preceitua em seu artigo 5º, X, que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

De mais a mais, com base no princípio da continuidade da relação de emprego, nos contratos por prazo indeterminado compete ao empregador comprovar a ruptura do contrato de trabalho, entendimento este sedimentado na Súmula nº 122 do TST.

Portanto, verifica-se que caso o empregador opte por dispensar o seu empregado tem ele a obrigação de demonstrar que verdadeiramente fez a comunicação do término do contrato laboral.

Impende frisar, por oportuno, que o contrato de trabalho pode ser ajustado verbalmente ou por escrito entre as partes. E, nesse propósito, vale lembrar que se não se exige um formalismo demasiado na pactuação inicial do pacto laborativo, corolário lógico não haveria o porquê se exigir tamanha formalidade quando do seu encerramento, já que, em regra, não prescinde de uma forma especial, salvo algumas exceções em que a solenidade é exigida.

Via de consequência, pode-se dizer que, caso seja respeitada a intimidade e a dignidade da pessoa humana do trabalhador, não haveria óbice, em tese, para que a dispensa aconteça por meio do WhatsApp.

Entrementes, em que pese a dispensa por WhatsApp não seja vedada expressamente, ainda mais levando-se em consideração as restrições de deslocamento nos dias atuais impostas pela pandemia da Covid-19, a dispensa procedida de forma pessoal e individualizada, sem dúvidas, mesmo que hoje feita através de aplicativos por videoconferência, certifica ao trabalhador o seu devido respeito e consideração.

De toda sorte, merece destaque também o cuidado que o empregador precisa adotar ao comunicar a dispensa do seu empregado em grupos de WhatsApp, por exemplo, para que não ocorra nenhuma exposição do trabalhador a situações constrangedoras e vexatórias.

Deve ser observado, por evidente, se o trabalhador foi cientificado de comunicado de dispensa pelo WhatsApp, não bastando apenas que o empregador envie a mensagem ao seu número de contato. É necessário que a comunicação flua de forma clara, a fim de evitar qualquer dúvida e que seja esclarecido como que tal dispensa irá proceder, ou seja, quais serão os procedimentos adotados, podendo ser mencionado, a título de exemplo, a informação do empregador ao empregado quanto ao cumprimento do aviso prévio, que poderá ser indenizado ou trabalhado.

Se é verdade que, numa primeira análise, a tecnologia pode servir para auxiliar na forma do desenvolvimento das relações trabalhistas, inclusive nos momento de contratação e da extinção do contrato de trabalho, também é de igual relevância reforçar que a dignidade do trabalhador merece proteção, de modo que é preciso que estas novas ferramentas atualmente adotadas sejam utilizadas com razoabilidade e transparência, adequando-se à situação e à realidade enfrentadas.

A título de informação, essa questão já foi levada ao Poder Judiciário, e, segundo um recente precedente, há entendimento favorável pela validade deste meio de comunicação, como ocorreu no caso da decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo da 2ª Região[1] que, na particularidade do caso, entendeu se tratar de uma ferramenta de comunicação como qualquer outra e que, por isso, reputa-se inteiramente válida como meio de prova, inclusive, sendo admitida pelo Poder Judiciário para diversas finalidades.

De outro norte, o Judiciário Trabalhista já foi também provocado a se manifestar no que tange a maneira como é realizada esta comunicação de dispensa ao trabalhador através da ferramenta do WhatsApp[2], prevalecendo, na ocasião, o entendimento de que a comunicação deve ser feita sem que haja a desconsideração da condição humana do trabalhador e, mais, sem que exista afronta às normas jurídicas fundamentais.

Observa-se que, no último caso acima citado, diferente da decisão prolatada pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo da 2ª Região, não se discutiu na decisão colegiada a validade da prova, qual seja, se seria possível a dispensa mediante o uso do WhatsApp, mas sim o modo pelo modo em que o contrato de trabalho de trabalho foi extinto, sendo considerando-se, na espécie, que o empregador ultrapassou os limites do seu poder de direção, e, portanto, a conduta foi enquadrada como abusiva.

Ora, é cediço que o ato de desligar um empregado nunca é uma tarefa fácil, sendo extremamente delicado para os sujeitos desta relação empregatícia, por abranger inclusive questões de controle emocional. Por isso, recomenda-se que o empregador tenha a cautela de não violar os direitos personalidade do trabalhador, tendo a prudência e a sensibilidade exigidas por força da ocasião, já que o funcionário poderá se encontrar num estado de fragilidade. Ainda, é preciso atenção e cuidados para que não sejam criadas situações constrangedoras ou vexatórias.

Neste cenário, o empregador deve conduzir o processo de desligamento da melhor maneira possível, adotando postura clara e objetiva, respeitando sempre os ditames da legislação trabalhista, sem esquecer da observância da dignidade da pessoa humana do trabalhador. É fato notório existir diferença de comunicação quando nos deparamos com uma mensagem de texto se comparada, por exemplo, a comunicação presencial, quiça telepresencial nos dias atuais. Por isso, é fundamental lembrarmos que a pessoa que está recebendo a mensagem é um ser humano que, como todos nós, possui sentimentos, emoções e direitos.

O dever de urbanidade e respeito são indispensáveis, razão pela qual norteiam o contrato de trabalho até mesmo após a sua extinção, sendo imprescindível ressaltar que esses deveres necessitam ser observados por ambas as partes.

Por fim, e não menos importante, acentua-se que até o momento o Tribunal Superior do Trabalho não emitiu nenhum juízo de valor a respeito do procedimento para validação da dispensa do trabalhador por meio da ferramenta do WhatsApp, de modo que devemos em breve estar atentos à eventual diretriz a ser aplicada pela mais alta Corte de Justiça Trabalhista.
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[1] Processo 1001180-76.2020.5.02.0608, 18ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Desembargadora Relatora, Rilma Aparecida Hemetério. Publicado Acórdão em 26.04.2021.

[2] Processo 0010405-64.2017.5.15.0032, 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Desembargador Relator, Jorge Luiz Souto Maior, Publicado Acórdão em 14.10.2020.
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Ricardo Calcini é mestre em Direito pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, palestrante e instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, e membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP).

Leandro Bocchi de Moraes é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduando lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô, membro da Comissão Especial de Direito do Trabalho da OAB-SP e pesquisador do Núcleo "Trabalho Além do Direito do Trabalho" da Universidade de São Paulo – NTADT/USP.

Fonte: Conjur

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