Drama do "fugitivo Lázaro Barbosa": algumas Inquietações Retóricas

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Por @leonolascoadvcrim |“É diferenciando-se do criminoso que não se deixa dúvidas quanto à condição de pessoas honestas que cada um atribui a si próprio”. – Sérgio Salomão Schecaira

Prezado Michael Foucault, de onde o senhor estiver lendo essa inquietação, ou se alguém “for ler para o senhor”, com todo o respeito: “Vigiar e Punir” é uma DISTOPIA, mas para não assustar muito, colocaram no gênero “ensaio”. DISTOPIA “DAS BRABAS”

APENAS 03 PERGUNTINHAS!

  • Já pensou você apanhar muito de alguns transeuntes sem ter culpa de nada?! (te confundiram e achavam que tinham o direito de te linchar, estilo guarujá).
  • Já pensou em te ameaçarem de morte, ao ponto de você precisar utilizar as redes sociais como meio de divulgação para se explicar que você é você mesmo, e que não é o serial killer procurado pela polícia?! 
  • Já pensou em te confundirem com uma sequestradora de crianças e te lincharem até você morrer?

Após responder essas 03 perguntas, vamos para nossa pergunta bônus!

 “Os brasileiros vieram da selva” (V) ou (F)?

A sensação que tenho, infelizmente, é de que nossos instintos mais primitivos e irracionais estão cada vez mais expostos (existir, sempre existiu, mas a internet tem exposto esse lado do ser humano, que muitos, ainda insistem em negar ou relativizar).  

  • RESSALVA IMPORTANTE: “Lázaro” e não Lázaro, mas por quê?!

*** O simples fato do autor, por precaução aos instintos mais primitivos que a internet e o anonimato podem despertar no próximo, precisar esclarecer uma licença poética utilizada no título da presente inquietação, por si só, já deveria lhe causar espanto... Mas eu prefiro prevenir a ter que remediar! 

Com respaldo científico, afirmo, sem maiores esclarecimentos, que todos nós, seres humanos (homo sapiens), somos seres emocionais, mas o que isso significa?! O que isso tem a ver com “Lázaro” ou Lázaro?!

Em linhas gerais, significa que antes de pensarmos em alguma escolha racional, antes de pensarmos na tomada (racional) de decisão, nosso primeiro impulso sempre será EMOCIONAL! E a sua emoção deve estar sussurrando no seu ouvido: “ele é mais um advogado de bandido que vai defender o Lázaro!”. 

“Lázaro” (sósia do serial killer) NÃO é a mesma coisa que Lázaro (serial killer)! Guarde essa importante informação!

“A OSTENTAÇÃO DOS SUPLÍCIOS” (*): 

*mesmo título do capítulo II do livro “Vigiar e Punir” – Michael Foucault. (atemporal). 

Provavelmente compartilhamos da mesma opinião: determinados crimes nos causam maior repulsa a outros. Não temos como “comparar o grau de reprovação social” em um furto de galinhas com um latrocínio, bem como, não podemos mensurar o ódio que talvez o delito de lesão corporal contra um idoso nos cause perante um furto de roupas dentro de uma loja. Claro que não! E isso já é um bom sinal para refletirmos de maneira responsável sobre o “Lázaro”! (atenção às aspas! Refiro-me aos sósias!). 

Todas as vezes que casos criminais de grande repercussão acontecem no Brasil, a história é a mesma, aquela “ladainha” (como diz meu amigo João Maia #duasdefesas), o círculo vicioso se repete, com o mesmo dado viciado de sempre, e o “devido processo legal das redes sociais” sempre encontra certezas aonde reinavam dúvidas, mas isso é outro assunto... 

Propositalmente, e COM A DEVIDA LICENÇA POÉTICA, não tenho como não mencionar a (in)feliz frase do presidente da Argentina (Alberto Fernandez), que afirmou que “os brasileiros vieram da selva”. Ratifico e rendo homenagens à licença poética! (Lembram-se do BLANKA do jogo “Street Fighter”?! Cá estou eu, entregando minha idade...).

O presidente argentino, hora dessas está rindo sozinho e pensando “errado eu não estava”!

Pois bem, vejamos algumas “ostentações” que as palmatórias do mundo continuam praticando e que insistem em passar despercebidas (por todos nós), visto que o ódio / repulsa (até certo ponto legítimos) em relação ao criminoso, cada vez mais nos cega e banaliza da forma mais perversa possível, a morte da Fabiane Maria de Jesus, em 2014, no Guarujá.

Antes de expor o drama de Fabiane, cabe lembrar que o primeiro episódio de linchamento no Brasil, aconteceu em 1585, com a morte brutal de um índio cristianizado, e por conta de algo que fez, provavelmente ofendeu os fariseus, digo, os fiéis (os famosos homens de bem), que ceifaram covardemente a vida desse “injusto”. (1585 – 2021: continuamos com o instinto selvagem aflorado).

  • Guarujá, 03 de maio de 2014: eram 100 (cem) justiceiros, 1000 (um mil) espectadores e 1 (uma) “sequestradora de crianças”:

Fabiane fora confundida com uma sequestradora de crianças, pois por ter bom coração, minutos antes do suplício (que o Foucault cita no livro) sofrido, a vítima oferecera uma fruta para uma criança.

Ocorre que por mera ilação, a mãe da criança, sem nenhum indício sequer, concluiu e inflamou cerca de 100 (cem) pessoas, isso mesmo, cem pessoas, alegando que tratava- se de uma criminosa. 

Essas cem pessoas de bem foram linchar Fabiane e dar a ela o que “lhe era devido” (velório, com caixão fechado, rosto e corpo totalmente desfigurado, literalmente, restos mortais de uma inocente), pois é desta forma que (ainda) acreditam restaurar alguém, com a violência.

Um dado importante que serve como excelente argumento de reforço da (in)feliz fala do presidente argentino, é que segundo o sociólogo José de Souza Martins, no livro “Linchamentos – A justiça popular no Brasil”, Editora Contexto, 2015, o Brasil apresenta a triste estatística de um linchamento por dia no território nacional. 

Já observou como Todas as vezes que algum caso criminal “midiático” a preocupação maior da nossa população está em saber o quanto o criminoso sofreu?!  Lázaro já está morto e continua “falando”. (indico a leitura do livro “A Palavra dos Mortos” – Eugenio Raul Zaffaroni. Lázaro continua falando...).

Qual reportagem venderia mais?! Saber a vida pregressa do Lázaro?! Saber como está o “Lázaro” que foi confundido e apanhou muito por isso?! Saber como estão as vítimas sobreviventes do Lázaro?! Enfim, acho que nem preciso responder...

  • “Justificativa” para os linchamentos:

O brasileiro sempre (me) surpreende com a absurda capacidade de idiotizar o profissional competente para determinada tarefa, e na minha humilde opinião, porque falta empatia e humildade também. Vejamos: escalamos técnico de futebol, falamos qual a solução determinado político deveria tomar, qual posicionamento nosso chefe deveria ter, como o policial deveria agir, questionamos o outro, sem ao menos nos colocarmos no lugar do outro.

Provavelmente você fala que tem empatia, mas gostaria de lembrar que empatia, em linhas gerais, é se colocar no lugar do outro, e isso dói / gera desconforto. Nossa empatia vai até determinado grau, que normalmente, é baixo. Por isso, cada vez mais, julgamos, de forma irresponsável! Quem é você para achar que deve fazer o papel dos profissionais da segurança pública?! Quem é você para criticar a demora ou o trabalho da polícia em localizar o Lázaro e justificar as agressões que os “Lázaros” sofreram?!

Imaginar que alguém apanhou muito por ter sido confundido com um criminoso não te espanta?! 

“Homem é brutalmente agredido por ter sido confundido com Lázaro Barbosa”

  • Mentiras que nos contam...:

Quando somos crianças, ingênuas e puras: Papai Noel; Coelhinho da Páscoa, o vendedor de balas da porta da sua escola é vendedor de drogas; ouvir o disco LP (entregando minha idade de novo!) da Xuxa ao contrário nos faz ouvir a voz do diabo; etc.

Ao passo que dentre as mentiras que nos contam quando adulto, tem aquela que é mais repetida daquelas que falam que “o título do brasileiro de 87 é do Flamengo”; terra é plana; Fanta uva em excesso causa câncer, qual seja: precisamos criminalizar todo e qualquer tipo de conduta para endurecermos a lei penal e consequentemente, diminuir a criminalidade. (Até quando vamos continuar acreditando em todas essas falácias, que sequer há verossimilhança em algumas delas?).

  • Minha preocupação não é com o Lázaro, mas com o “Lázaro”:

O verdadeiro serial killer já não está mais entre nós, e reitero que, em momento algum na presente inquietação, ele tenha sido alvo de debate ou compaixão. Repilo qualquer interpretação equivocada. Não que o próprio não merece análise criminológica, mas não é o foco!

Precisamos pensar no tipo de sociedade que estamos formando, pois de médico, advogado, louco e Lázaro, todos nós temos um pouco. 

Condutas que corroboram o delinquente que existe em você: beber e dirigir; solicitar atestado médico para não fazer alguma prova; atestado médico falso para arrumar alguma comorbidade e se vacinar; receptação; enviar “nudes” alheio; importunar sexualmente alguém; subtrair bala na banca de jornal, discuti e xinga os outros no grupo de whatsapp, etc... 

Qual é a nossa responsabilidade sobre tudo o que acontece em nosso país?! (e eu não estou dizendo que o Lázaro foi vítima da nossa negligência. O “Lázaro” sim, responsabilidade direta de cada um de nós que prega um direito penal como solução para todos os problemas ou nos calamos perante tais aberrações). 

“É diferenciando- se do criminoso que não se deixa dúvidas quanto à condição de pessoa honesta que cada um atribui a si próprio”.

Fontes e Recomendações de leitura: 

Efeito Lúcifer
Psicologia das massas
Totem e tabu
Mal estar na civilização
Sociedade do Espetáculo
Linchamentos, a justiça popular no brasil  - editora contexto
O erro de descartes

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Por Leonardo R. Nolasco

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