"Sequer o réu foi interrogado na fase policial, mesmo estando preso. E como já dito, o inquérito permaneceu adormecido por longos anos, sem qualquer movimentação tendente a elucidar a autoria do crime. Não há, portanto, a necessária sintonia entre aquele reconhecimento e os parcos elementos de provas apresentados", destacou a juíza Vanessa Aparecida Pereira Barbosa, da 4ª Vara Criminal de Ribeirão Preto (SP).
A ação penal refere-se ao roubo de um furgão e da sua carga de cosméticos cometido por dois homens, em 19 de novembro de 2013. Um dos ladrões ficou afastado do veículo, dando cobertura. O outro portava arma de fogo e rendeu o motorista. Naquela data, a vítima examinou álbuns fotográficos na delegacia e não reconheceu ninguém. Dez dias depois, policiais lhe mostraram a foto do acusado e houve o reconhecimento.
"Nota-se um severo comprometimento do reconhecimento fotográfico, pois a imagem do acusado foi mostrada à vítima pela Polícia Civil nesta segunda oportunidade de forma direcionada, já que os investigadores já tinham se convencido da autoria", avaliou a julgadora. A prisão do réu foi em razão de outro crime e os policiais o vincularam ao roubo da carga, fotografando-o e exibindo a sua imagem à vítima do primeiro delito.
Preliminarmente, em suas alegações finais, a defesa do réu requereu a declaração de nulidade do reconhecimento por foto feito na fase policial, porque não houve obediência ao que dispõe o artigo 226 do Código de Processo Penal. No mérito, postulou a absolvição por insuficiência de prova contra o acusado, apontado como o ladrão que estava armado. Em seu interrogatório judicial, o denunciado negou o crime.
Sem liame
Para a juíza, o reconhecimento foi "anômalo" e divorciado das formalidades legais, não podendo servir de suporte a uma condenação. "Caso a investigação tivesse contado com diligências mais eficientes, reunindo outros elementos capazes de ligar o réu com os objetos roubados das vítimas e localizados posteriormente pela polícia, então o citado reconhecimento poderia se sagrar fortalecido. Mas tal não ocorreu."Apesar de o roubo ter acontecido em novembro de 2013, o delegado responsável pelo inquérito apenas o relatou em março de 2021. Mesmo durante este longo período, o acusado não chegou a ser interrogado. A vítima também não foi convidada para a realização de reconhecimento pessoal. Antes de oferecer a denúncia, o MP poderia ter requisitado à polícia diligências que reputasse necessárias ao esclarecimento da autoria, mas não o fez.
"Sob tutela do Estado e à inteira disposição da autoridade policial para a escorreita investigação, não foi ele (réu) sequer levado presencialmente ao distrito policial para reconhecimento pessoal por parte da vítima. Tampouco foi o acusado interrogado pessoalmente nestes autos pela autoridade policial, mas apenas e inexplicavelmente qualificado indiretamente", criticou Vanessa Barbosa.
Diante da fragilidade do reconhecimento fotográfico e da ausência de outras eventuais provas que deixaram de ser produzidas, a juíza classificou a investigação de "precaríssima". Devido a dúvidas quanto à autoria, que por ocasião da sentença devem ser solucionadas em benefício do acusado, a magistrada aplicou o princípio do in dubio pro reo para absolvê-lo. O MP recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo.
Como contraponto à morosidade do trabalho da Polícia Civil, a ação penal se mostrou célere. A denúncia foi oferecida em 19 de agosto de 2021, sendo a sentença prolatada no último dia 4 de março. Testemunha comum das partes, o delegado que comandou as investigações disse em juízo ter concluído ser o réu um dos autores do roubo após um trabalho investigativo, mas sem indicar sequer uma prova concreta de autoria.
Processo 0022653-45.2014.8.26.0506
Por Eduardo Velozo Fuccia
Fonte: Conjur
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