Um resumo do caso
- Em julho de 2020, duas pessoas foram abordadas por dois indivíduos, que, com emprego de uma arma branca, subtraíram um celular;
- Uma das vítimas resistiu ao roubo e começou a lutar com um dos autores, conseguindo evitar que o delito se consumasse;
- Por meio de um “show up fotográfico” realizado em delegacia, um homem foi reconhecido. A partir deste reconhecimento, sobreveio uma sentença condenatória
Um resumo da condenação📃
- O juízo de primeira instância, com base no reconhecimento realizado apenas em solo policial e nas palavras do policial, condenou o paciente;
- Ao manter a condenação, o tribunal de justiça pontuou que o policial civil “não teria motivo para gratuitamente imputar a prática de tão grave crime a pessoa que eventualmente soubesse ser inocente”;
- Também ressaltou que uma das vítimas reconheceu fotograficamente o acusado na delegacia “com absoluta certeza, destacando a tatuagem que o réu ostenta em volta do pescoço, sinal bem específico de identificação”
A ilegalidade do reconhecimento🚫
- Ao analisar a questão, a Sexta Turma identificou ilegalidades flagrantes no caso. Inicialmente, o ministro Rogério Schietti, relator do caso, observou que a condenação foi alicerçada com base em “aproveitamento de reconhecimento inválido”; sobrevaloração do alto grau de certeza da palavra da vítima e sobrevaloração da palavra do policial.
- Sobre o reconhecimento, Schietti ressaltou que o procedimento foi feito por “show up fotográfico”, que consiste na exibição de uma foto do acusado sozinho;
- Acerca da tatuagem, o relator advertiu que “em que pese a tatuagem seja um elemento que pode auxiliar na individualização do autor, não se pode perder de vista que também nestes casos há que se evitar o risco de falsos positivos”;
- “Se se exibe à vítima uma pessoa (ou imagem de apenas uma pessoa) e esta única pessoa encaixa-se na descrição do culpado, a tendência é de que seja positivamente apontada, ainda que seja inocente”, ponderou o relator;
- O ministro também advertiu que a existência de traço distintivo (como piercing, cicatriz ou tatuagem) e a exibição de um único suspeito que o apresente representa caminho aberto ao risco de apontamento equivocado: “uma pessoa inocente mas que tenha tatuagem no mesmo lugar poderá acabar sendo equivocadamente reconhecida por essa infeliz coincidência.
- “O investigador do caso deveria: ou bem ter tapado a tatuagem do suspeito e exibi-lo com uma pluralidade de pessoas com ele parecidas (todas com o mesmo lugar tapado), ou bem haver exibido o suspeito/imagem do suspeito na companhia de outras pessoas/fotografias de pessoas que também tivessem a tatuagem (no mesmo lugar e com traços semelhantes aos descritos pela vítima)”, observou;
- “O sério compromisso de evitar condenações errôneas que exige que a Justiça criminal direcione precauções a todas possíveis falsidades, inclusive àquelas que não são mentirosas”, arrematou o relator.
Sobre o testemunho policial🚔
- Ao abordar a relevância do testemunho policial na condenação, Schietti pontuou que “embora não haja óbice a que o testemunho policial seja elevado a elemento probatório, claro está que sobre ele, assim como qualquer outra declaração, pesa a necessidade de ser corroborado por elementos independentes que apontem no mesmo sentido”;
- “Não é porque um policial alega que p ocorreu que a justiça criminal deva, automática e acriticamente acreditar que p é verdadeiro”, advertiu o ministro;
- Ele observou que, no caso, a autoridade policial realizou uma série de interferências de caráter indutivo, que deveriam ir “bem mais além do emprego de questionável senso comum” para que pudessem ser consideradas verdadeiras;
- “O raciocínio presuntivo realizado pelo policial, se bem poderia ser o ponto de partida para se aprofundar as investigações, evidentemente que não pode ser seu ponto de chegada. Não é conclusivo e está ainda longe de sê-lo”, observou o ministro;
- “Em um modelo processual em que sobrelevam princípios e garantias voltados à proteção do indivíduo contra eventuais abusos estatais que interfiram em sua liberdade, dúvidas relevantes hão de merecer solução favorável ao réu (favor rei)”, finalizou.
Assim, o habeas corpus foi concedido para absolver o paciente em relação à prática do delito de roubo.
Número: HC 742.112/SP.
Esse é um dos acórdãos favoráveis à defesa IMPORTANTÍSSIMOS que enviamos para todos os membros no relatório de ontem. Para se tornar membro, clique aqui.
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Fonte: sintesecriminal.com
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