Previsão no Código Civil
Nesse sentido, a despeito de o animal, perante o Código Civil, ainda não ser considerado um sujeito de direito, mas sim propriedade de uma pessoa, já há projeto de lei (PL 27/18), aprovado na Câmara dos Deputados, objetivando alterar essa natureza jurídica, a fim de que os animais sejam reconhecidos como seres sencientes — termo que une sensibilidade e consciência.
Além disso, levando em consideração a importância da discussão, inclusive, em razão de o Brasil ocupar o terceiro lugar no ranking mundial [1] como o país com maior população total de animais de estimação, o STJ firmou o entendimento (REsp 1713167/SP [2]) de que os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente, também devem ter o seu bem-estar considerado.
Nesse contexto, evidencia-se que discussões relacionadas à guarda, regime de visitas e custos dos animais de estimação, tornam-se cada vez mais frequentes no âmbito do Poder Judiciário.
Auxílio financeiro aos animais de estimação adquiridos na constância do casamento/união estável
Em vista do quanto exposto, coloca-se em destaque um caso recente em que uma mulher pleiteou, em reconvenção na ação de divórcio, o auxílio financeiro para os animais de estimação.
Tal auxílio financeiro foi indeferido em 1ª instância, sob o fundamento de que "a legislação brasileira não prevê o pagamento de pensão alimentícia para animais de estimação, conforme já dito, razão pela qual o pedido, nesse ponto, resta improcedente".
O entendimento foi de que questões relacionadas à manutenção dos animais, incluindo deveres com a alimentação e cuidados veterinários dos cinco cães e do gato, poderiam ser discutidas extrajudicialmente.
Como fica a guarda?
Por outro lado, foi decidida quanto à questão da "guarda", entendendo o Julgador que os animais de estimação do ex-casal permaneçam sob os cuidados e responsabilidade exclusiva da mulher, uma vez que a Autora pleiteou a "guarda unilateral" dos cinco cães e do gato alegando ser a pessoa "mais adequada" para cuidar deles.
A decisão retromencionada foi objeto de apelação, interposta pela mulher, a qual foi provida, por unanimidade, pela 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), condenando o ex-marido da apelante a pagar por mês 15% do salário-mínimo (R$ 165) a cinco cães e um gato.
Isso porque, de acordo com o desembargador Edson Luiz de Queiroz, relator da apelação, "restou incontroverso que o autor declarava os bichos como integrantes da família" e que eles foram adquiridos na constância do casamento. Isto é, considerando que os litigantes assumiram a obrigação de cuidar dos animais de estimação, é cabível a responsabilidade financeira solidária.
Em suma, conforme o relator, a imposição de tal obrigação econômica, independentemente da falta de lei específica que a regule para situações pós-divórcio, justifica-se pelos gastos do detentor da guarda com o sustento dos animais.
Discussão recente no STJ
Ainda no âmbito da discussão do presente artigo, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisará pela primeira vez um recurso que trata de pensão alimentícia para animais de estimação após o divórcio de um casal.
Trata-se de Recurso Especial n° 1.944.228, no qual um homem questiona o benefício concedido à ex-mulher pelo TJ-SP.
Basicamente, o casal mantinha uma união estável, mas, no momento da separação, o ex-marido optou por não ficar com os quatro pets adquiridos durante a União. Nesse sentido, a mulher ajuizou uma ação de obrigação de fazer, com cobrança de valores despendidos para a manutenção dos animais adquiridos durante a união estável. Houve sentença de parcial procedência, e o homem foi condenado ao ressarcimento de quase R$ 20 mil, além de arcar com despesas mensais de R$ 500, até a morte ou alienação dos cachorros.
Em 2ª instância, foi mantida a sentença, e afastada pretensão do homem de prescrição. O acórdão considerou que o ressarcimento de quantia despendida exclusivamente pela mulher para manutenção de obrigação conjuntamente contraída atrai aplicabilidade do prazo geral decenal estabelecido no artigo 205 do CC.
Diante desta decisão, o ex-marido interpôs recurso especial sustentando que não precisa pagar a pensão, vez que não é mais dono dos animais, além de alegar que não tem condições financeiras de arcar com o valor estabelecido pelo TJ-SP. Outrossim, defende que a lide versa sobre pensão alimentícia de animais de estimação, tendo em vista que trata de prestações periódicas tal e qual ocorre nos alimentos, e que por isso deve ser aplicada a prescrição de dois anos.
O REsp foi inicialmente inadmitido, mas, em decisão monocrática, o ministro Cueva deu provimento a agravo e determinou a reautuação como recurso especial, para que seja julgado pela Corte.
Ressalta-se, desde já, que o relator do caso, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, votou pela admissibilidade da ação por considerar a relevância do tema para a sociedade, nos seguintes termos:
"Hoje já se pode falar em guarda e até pensão alimentícia para os bichos, exatamente sob a rubrica de 'pensão'."
O ministro Marco Aurélio Bellize pediu vista durante o julgamento, adiando a votação sobre o caso.
Diante dos entendimentos supracitados, podemos concluir que, apesar de não haver expressa previsão legal, os alimentos fixados para subsistência e manutenção do patrimônio, que está na posse de um dos cônjuges, são medidas necessárias para preservação da justa partilha e preservação do direito dos animais, visto que, animal de estimação é um ser que demanda atenção, cuidado, custos e carinho.
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[1] Abinpet.org.br | Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação.
[2] STJ, REsp 1713167 SP 2017/0239804-9, relator: ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19/06/2018, T4 — QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/10/201.
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Murilo Zerrenner é advogado do Battaglia & Pedrosa Advogados e membro na comissão de compliance da OAB Santo Amaro.
Fonte: Conjur
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