O planejamento matrimonial se insere na ideia de que "o combinado não sai caro". Consequentemente, a definição sobre o regime de bens que regerá o relacionamento — seja casamento ou união estável — representa o principal exemplo de uma reflexão realizada no âmbito de tal planejamento. Assim, é facultado aos casais de namorados definir previamente qual será o regime de bens que regerá sua união estável caso venha a se concretizar, da mesma forma que é autorizado aos conviventes e aos noivos tal definição. Mas não só.
A alteração do regime patrimonial também é viabilizada, especialmente a partir de uma análise sobre os riscos de cada regime de bens, considerando a realidade do casal, seus objetivos e forma de aquisição do patrimônio. Desta maneira, ainda que não tenha sido realizada a escolha do regime de bens de maneira expressa quando do início da união, ainda há a possibilidade de alteração futura — uma vez que, excepcionados os casos em que o regime da separação de bens é obrigatório, como o é no caso de casamento celebrado por pessoa maior de setenta anos, o atual regime supletivo de vontade é o da comunhão parcial de bens. Havendo patrimônio adquirido pelo casal anteriormente ao planejamento, é possível se cogitar inclusive da realização de partilha patrimonial prévia à alteração do regime de bens, como forma de viabilizar a plena organização futura da situação fática.
Além das disposições patrimoniais passíveis de inclusão nos instrumentos de planejamento matrimonial, aspectos existenciais também são albergados por tal análise. Desde a possibilidade de conversão da união estável em casamento — facilitada pela recente Lei nº 14.382/2022 —, passando pela alteração do nome dos conviventes e dos cônjuges logo no início da relação conjugal ou durante sua ocorrência e chegando a disposições de caráter íntimo, vinculadas à rotina familiar e até mesmo aspectos relacionados ao eventual rompimento da relação — viabilizando a inclusão de disposições sobre a aplicação de penalidades pecuniárias em caso de término em virtude de infidelidade, por exemplo.
Sobre o tema, é importante destacar que, embora possa causar certo estranhamento, a possibilidade de adição de cláusula determinando a incidência de multa em caso de infidelidade, em contrato de convivência ou pacto antenupcial, tem sido reconhecida como possível pelo Poder Judiciário, evidenciando que há um espaço de autonomia privada a ser observado nessas pactuações.
O planejamento matrimonial viabiliza ainda a prévia estipulação de questões relacionadas aos cuidados com os filhos comuns. Ressalta-se, especialmente, a possibilidade de que os genitores desde logo indiquem pessoas de confiança para o exercício da tutela dos filhos menores de idade caso ocorra o falecimento dos genitores nesse período. Tal previsão, autorizada pelo Código Civil Brasileiro, pode ser inserida diretamente nos instrumentos elaborados para a concretização do planejamento matrimonial.
Especificamente em relação à instrumentalização do planejamento matrimonial, diferentes documentos podem ser utilizados para tanto. Inicialmente, em se tratando de uma relação amorosa caracterizada como namoro, é possível a elaboração de instrumento contratual designado pelo nome de "contrato de namoro", já contendo disposições para o momento em que aquele relacionamento vier a caracterizar uma união estável. Diante de uma união estável, a elaboração de contrato de convivência ou escritura pública de união estável se apresenta como importante, viabilizando a inclusão de disposições patrimoniais e existenciais acerca do relacionamento. No caso de casais que estejam prestes a formalizar seu casamento existe a possibilidade de elaboração de pacto antenupcial, que deve obrigatoriamente seguir a forma pública.
Além de tais instrumentos, pode-se cogitar da utilização de testamentos, em suas diferentes modalidades, como forma de desde logo regular aspectos sucessórios do casal — especialmente porque a escolha do regime de bens, além de impactar a forma de divisão do patrimônio em caso de divórcio ou dissolução de união estável, produz significativos efeitos quando do falecimento de um dos cônjuges ou companheiros. Tal aspecto, muitas vezes esquecido quando da escolha por um ou outro regime de bens, é essencial e indispensável para que o casal tenha condições de realizar um planejamento matrimonial de maneira consciente e segura.
Outros instrumentos também podem ser cogitados para auxiliar na formalização do planejamento matrimonial. É o caso da alteração de documentos societários se existirem empresas em que um ou ambos os cônjuges ou companheiros sejam sócios. Para tanto, previsões sobre os reflexos societários do eventual divórcio, dissolução de união estável ou falecimento de um dos sócios são igualmente importantes para que o planejamento realizado abranja todos os aspectos relevantes daquele patrimônio e que potencialmente possam causar conflitos futuros.
Especificamente sobre eventuais conflitos, embora não haja como garantir sua inocorrência, é possível estipular desde logo diretrizes para a sua resolução. Isso porque o Código de Processo Civil autoriza a realização de negócios jurídicos pré-processuais por sujeitos maiores e capazes, viabilizando, no caso de planejamentos matrimoniais, a inclusão de cláusulas definindo a necessidade de prévia tentativa extrajudicial de resolução de eventuais conflitos, além da viabilidade de modificação de regras procedimentais. Além disso, a depender da natureza das questões conflituosas, é possível a inclusão de cláusula compromissória nos instrumentos elaborados, a fim de que eventuais litígios envolvendo direitos patrimoniais disponíveis — como é o caso da partilha de bens – sejam submetidos à arbitragem.
O planejamento matrimonial, portanto, extrapola consideravelmente a mera escolha do regime de bens a ser aplicado ao relacionamento mantido pelos clientes. Abrange questões patrimoniais e, simultaneamente, garante um espaço de autonomia para que os nubentes determinem questões que sejam para eles relevantes — sejam de ordem financeira, existencial ou até mesmo quanto à forma de resolução de eventuais conflitos futuros. Tais previsões auxiliam na concretização da autonomia das partes e viabilizam que o relacionamento transcorra com maior segurança, previsibilidade e, o que é essencial, consciência do casal sobre as escolhas realizadas.
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Caroline Pomjé é sócia da área de Direito de Família e Sucessões do escritório Silveiro Advogados, é mestre em Direito Privado pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), doutoranda em Direito Processual Civil pela USP (Universidade de São Paulo), professora de Direito Processual Civil na Faccat (Faculdades Integradas de Taquara) e autora do livro O Direito de Família no Processo: um Estudo sobre a Aplicação do Princípio Dispositivo em Sentido Material e do Princípio da Congruência em Ações de Família (Editora Thoth).
Fonte: Conjur
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