O magistrado, durante os depoimentos em ação cível por indenização após episódios de violência sexual, rebateu as afirmações das vítimas, alegando que mulheres são "bicho da língua grande" e que "chutam as partes" baixas.
Dos dois processos administrativos atuais, um foi instaurado por iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) e outro foi iniciado pela defesa das vítimas, detalha o advogado Aécio Mota. A representação das vítimas pede, ainda, que Francisco José Mazza seja afastado da ação cível que conduzia no dia 26 de julho (ver abaixo).
“Ele pode sofrer uma advertência, uma censura e até mesmo uma aposentadoria compulsória. A aposentadoria compulsória é a pena mais grave que existe. Aí, ele automaticamente vai estar aposentado e continua recebendo os vencimentos”, explica o advogado.
Conforme previsto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), a aposentadoria compulsória mantém a remuneração do magistrado ajustada ao tempo de serviço. Pode ser aplicada quando o juiz vitalício:
- mostrar-se manifestamente negligente no cumprimento de seus deveres;
- proceder de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções;
- demonstrar escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou apresentar comportamento funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário.
Há ainda, outras quatro punições mais brandas: advertência, censura (o condenado é retirado da lista de promoção por merecimento por um ano), remoção compulsória (transferência obrigatória para outra comarca) e disponibilidade (afastamento por dois anos, podendo solicitar retorno a ser avaliado).
Juiz foi afastado por 90 dias
Na última quinta-feira (10), o Órgão Especial do TJCE votou pelo afastamento cautelar do juiz por 90 dias. Com a medida, o magistrado fica temporariamente proibido de frequentar as unidades do Poder Judiciário, ter acesso aos sistemas e manter contato pessoal com outros servidores e juízes.
Conforme publicação da medida no Diário da Justiça, Francisco José Mazza também não receberá dinheiro por auxílio-alimentação e ajudas de custo por acúmulo de acervo, verbas para membros com alto volume de distribuição de processos. O magistrado também não pode utilizar veículo oficial.
O afastamento provisório foi definido antes que o juiz pudesse ser ouvido para apresentar defesa.
Durante o voto, a corregedora-geral da Justiça, desembargadora Maria Edna Martins, apresentou que o afastamento preventivo poderia acontecer antes da defesa, excepcionalmente, na hipótese de “flagrante e grave descumprimento do dever funcional”.
Ainda de acordo com a desembargadora, o juiz será intimado para apresentar a defesa e provas em seu favor.
Outros processos
Segundo o advogado das vítimas, Aécio Mota, cabe ao Ministério Público apresentar denúncia para que o juiz possa vir a ser responsabilizado criminalmente. Até o momento, ele informa que não houve nenhuma manifestação nesse sentido.
Procurado pelo g1, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) informou, por meio da assessoria de comunicação, que não irá comentar o assunto. “Caso seja provocado, a manifestação do órgão ministerial será feita no âmbito do processo”, informa o MPCE.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu Pedido de Providências para investigação do caso. À reportagem, o órgão informou que o procedimento está em fase de instrução. Nesta fase, as partes são ouvidas para apuração inicial.
Mesmo afastado, juiz segue com caso
Ao terminar o período de afastamento temporário, o juiz Francisco José Mazza Siqueira ainda está na condução da ação cível movida contra o médico Cícero Valdizébio Pereira Agra. Uma próxima audiência está marcada para fevereiro de 2024 para ouvir as vítimas que não deram depoimento no dia 26 de julho.
Segundo o advogado Aécio Mota, o pedido feito para que o magistrado seja retirado do caso já foi feito e aguarda decisão. No pedido, o argumento é que o juiz não tem imparcialidade necessária para julgar o processo.
“Esse pedido de suspeição é inicialmente analisado pelo juiz. Então ele mesmo vai dizer se ele se entende como suspeito ou não. Se ele se entender voluntariamente como suspeito, ele vai remeter o processo para um outro juiz. Agora, caso ele entenda que ele tem imparcialidade e queira continuar no processo, ele é obrigado a remeter esse pedido ao Tribunal de Justiça”, explica Aécio.
Neste caso, caberá ao TJCE confirmar ou refutar a decisão do juiz para continuar no caso. Este próximo passo deve acontecer quando o magistrado retornar às atividades, após os 90 dias de afastamento cautelar.
Entenda
A audiência em que o juiz Francisco José Mazza Siqueira fez as declarações ocorreu em 26 de julho, quando 10 mulheres denunciavam o médico Cícero Valdizébio Pereira Agra por abusos que haviam ocorrido em 2021, durante atendimentos.
Ao ouvir o relato de uma das vítimas do médico que dizia ter sido tocada nas partes íntimas sem consentimento, o juiz pôs o depoimento em xeque, dizendo que era assediado por mulheres quando era professor.
"Tinha aluna que chegava se esfregando em mim – aqui não tem nenhuma criança, todo mundo é adulto –, e dizia: 'professor, não sei o quê, não sei o quê...', eu dizia: 'minha filha, é o seguinte, quando eu deixar de ser seu professor, você faça isso comigo'."
"Quem acha que mulher é boazinha, estão tudo enganado, viu. Eita bicho... bicho de mão pesada, bicho da língua grande e que chuta as partes baixas é mulher", acrescentou o juiz Francisco José Mazza, em outro trecho do depoimento.
Por g1 CE
Fonte: @portalg1
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