À época, citamos diversos recursos extraordinários interpostos pelo Ministério Público e acolhidos pelo ministro para cassar acórdãos e decisões monocráticas de ministros do STJ que versavam sobre o tema.
Contamos, ainda, que o ministro não se contentava em dar provimento a cada um dos RE’s que lhe eram distribuídos e que versavam sobre a temática. O ministro ia além e questionava cada um dos entendimentos e avanços jurisprudenciais protagonizados pelo STJ, indicando que estava pronto para transformar seus descontentamentos em jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal.
Pois bem. Agora a coisa avançou ainda mais, pois além de começar a questionar outros entendimentos das Turmas que compõem a Terceira Seção do STJ (busca pessoal e busca veicular, notadamente), o ministro, agora, também começou a arguir que o STJ e todos os tribunais que aplicam seus precedentes estão atuando como se constituinte originário fossem.
Em outras palavras: para Moraes, ao tentar balizar minimamente os conceitos abstratos de justa causa e fundada suspeita, o Judiciário estaria acrescentando ao texto constitucional requisitos não previstos pelos legisladores que elaboraram o texto da Carta Magna de 1988.
Mas não só. Como você poderá notar a seguir, o ministro também argumenta que o Judiciário, ao exigir, por exemplo, que policiais comprovem por escrito que os moradores franquearam o acesso à residência, também está usurpando o poder do Executivo
Na publicação acima referenciada, utilizamos 8 decisões do ministro para exemplificar a cruzada que havia sido iniciada. Hoje, utilizaremos outras 3 (RE 1456090/SP; ARE 1455668/RS; RE 1460729/GO) recentemente prolatadas por Moraes para condensar os novos argumentos do ministro.
OS ARGUMENTOS DE MORAES ACERCA DAS TESES DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO E BUSCA PESSOAL
- 1) Inicialmente, o ministro pondera que o Supremo estabeleceu no RE 603.616/RO que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem a ocorrência de flagrante delito.
Para ele, não obstante, o STJ foi além, criando requisitos inexistentes (SIC) ao estabelecer, por exemplo, que o ingresso no domicílio do suspeito só pode ocorrer após o consentimento livre e voluntário do morador com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato , bem como mediante o registro em áudio e vídeo.
Aqui, vale um disclaimer: embora o ministro Alexandre de Moraes tenha resumido assim a conclusão adotada pelo STJ, a Corte só faz essa exigência quando os policiais responsáveis pela diligência não conseguem demonstrar a existência prévia de fundadas razões e terminam afirmando que só entraram no domicílio após a autorização do morador.
- 2) Moraes também assevera que STJ desrespeitou os requisitos constitucionais previstos no inciso XI do artigo 5º da Constituição ao restringir as exceções à inviolabilidade domiciliar e, nas palavras de S. Exa., inovar em matéria constitucional, criando uma nova exigência (qual seja a comprovação da anuência do morador de forma escrita ou mediante gravação).
- 3) Exigindo a comprovação por escrito ou por meio audiovisual, o STJ também teria invadido a competência do Executivo ao tentar implementar, na visão do ministro, uma política pública.
“Ao impor uma específica e determinada obrigação à Administração Pública, não prevista no inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal, o Superior Tribunal de Justiça não observou os preceitos básicos definidos no artigo 2º do texto maior, que consagram a independência e harmonia entre os Poderes e garantem que, no âmbito do mérito administrativo, cabe ao administrador público o exercício de sua conveniência e oportunidade”, diz moraes em trecho que pode ser lido na página 13 da decisão que deu provimento ao Recurso Extraordinário 1.456.090/SP.
- 4) O ministro também pontua que o STJ se excedeu e exerceu “a pura legislação”, “pois criou requisito constitucional não existente para o afastamento excepcional da inviolabilidade domiciliar, ao exigir que os agentes de segurança pública procedam sempre a diligências preliminares ou documentem a anuência do morador por escrito ou por meio de gravação”.
- 5) Moraes ainda arremata: ” o Superior Tribunal de Justiça tornou conflituosa a relação entre o juiz e o legislador e desrespeitou, no exercício da interpretação”.
“Incabível, portanto, na presente hipótese e em sede de habeas corpus individual, ao Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo a imposição de providências administrativas como medida obrigatória para os casos de busca domiciliar, sob o argumento de serem necessárias para evitar eventuais abusos, além de suspeitas e dúvidas sobre a legalidade da diligência, em que pese inexistir tais requisitos no inciso XI, do artigo 5º da Constituição Federal, nem tampouco no Tema 280 de Repercussão Geral julgado por essa SUPREMA CORTE”, assevera.
EM RELAÇÃO À BUSCA PESSOAL, OS ARGUMENTOS SÃO PRATICAMENTE OS MESMOS.
No bojo do ARE 1455668, o ministro se debruçou sobre um caso em que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, aplicando precedentes do STJ, reconheceu a ilicitude de provas colhidas mediante busca pessoal realizada sem fundada suspeita.
Dele, podemos extrair lições importantes sobre o pensamento do ministro Alexandre e o que ele deverá propor em breve.
- 6) Inicialmente, o ministro pondera que exigir que a polícia proceda uma investigação prévia e mínima antes de abordar qualquer pessoa configura, novamente, invasão do Judiciário no poder Executivo.
Na página 5 do referido julgado, Moraes pontua que “o cenário estabelecido não se revelava apto a legitimar a prestação jurisdicional deferida pelo Tribunal de origem no sentido de fazer executar determinada atividade pública, já que, repise-se, “não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário e nas desta Suprema Corte, em especial a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo” (RE 1.165.054/RN, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe de 9/11/2018), pois, do contrário, a ingerência do Poder Judiciário no Poder Executivo estaria, evidentemente, desorganizando a implementação de medidas que possuem natureza de políticas públicas”.
Aqui, o ministro também pondera que o Poder Judiciário não pode determinar ao Poder Executivo a imposição de providências administrativas “como medida obrigatória para os casos de busca pessoal, sob o argumento de serem necessárias para evitar eventuais abusos, além de suspeitas e dúvidas sobre a legalidade da diligência”.
Fica patente, portanto, que em breve o ministro deve submeter um dos casos de sua relatoria à apreciação do Plenário do Supremo.
Considerando que o ministro tem conseguido angariar maioria (e até unanimidade) em boa parte dos casos criminais que relata, é possível dizer que os entendimentos jurisprudenciais do STJ correm risco…
Hebert Freitas
Fonte: @sintesecriminal
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