Relembre o caso
O episódio ocorreu em 22 de março de 2024, no Tribunal do Júri da Comarca de Alto Paraíso de Goiás. Durante a sessão, a advogada Marília foi alvo de um insulto misógino por parte do promotor de Justiça Douglas Chegury, que disse: “Não quero beijo da senhora. Se eu quisesse beijar alguém aqui, eu gostaria de beijar essas moças bonitas, não a senhora, que é feia.”
A fala do promotor causou grande comoção no plenário, resultando na anulação da sessão após uma jurada se retirar em protesto. O incidente também gerou imediata repercussão negativa entre os presentes e nas redes sociais, onde a advogada desabafou sobre a experiência, recebendo apoio de diversos colegas e entidades de classe.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifestou forte repúdio ao comportamento do promotor e solicitou seu afastamento. A entidade enfatizou que a conduta foi inaceitável e constitui uma violação das prerrogativas profissionais e dos direitos fundamentais. A OAB também destacou que a postura do promotor não se restringiu a esse episódio isolado, apontando para um padrão de conduta agressiva e autoritária.
Em entrevista publicada após o incidente, o promotor Douglas Chegury afirmou que a advogada Marília Brambilla teria provocado a situação com o intuito de tumultuar o processo e buscar a nulidade do julgamento. Segundo Chegury, após ele pedir para continuar sua sustentação oral, a advogada respondeu de forma afirmativa, mas, em tom irônico, teria mandado um “beijo” durante a sessão, o que provocou seu comportamento.
Novos desdobramentos
Um laudo pericial elaborado pelos peritos forenses Bernardo de Azevedo e Souza (@bernardodeazevedo) e Maurício Raymundo de Cunto (@mauricio.forensics), especializados em análise de áudios, vídeos e imagens digitais, desmente a versão apresentada pelo promotor.
De acordo com os peritos, que conduziram uma análise perceptivo-auditiva e fonético-acústica da gravação da sessão de júri utilizando programas de análise acústica conceituados, a palavra pronunciada pela advogada Marília Brambilla foi "de nada, deixo" e não "de nada, beijo", como sugeriu Chegury.
Conforme trecho extraído do laudo pericial:
Na palavra “beijo”, a consoante “j” é vozeada (o mesmo que SONORA) e é usada para representar o som de /ʒ/, como nas palavras “janela” ou “jogar”. Este som é produzido com as pregas vocais vibrando, o que o torna vozeado. Isso significa que, ao pronunciar o som de /ʒ/, pode-se sentir as pregas vocais vibrando quando colocamos os dedos na garganta. Por outro lado, a consoante “x” não é vozeada (o mesmo que SURDA).
Na palavra “deixo”, a consoante “x” está sendo usada para representar o som /ʃ/, que é uma consoante fricativa pós-alveolar surda, como nas palavras “xícara” ou “xadrez”. Neste caso, a consoante “x” é surda e não vozeada. Logo, do ponto de vista perceptivo-auditivo e fonético-acústico, a palavra pronunciada em [0:30:54] por Dra. Marília é “DEIXO”.
A análise dos peritos incluiu uma avaliação linguística e de comportamento do conteúdo em áudio. Segundo o laudo pericial, ao ser questionada pelo promotor sobre a permissão para falar, a advogada Marília respondeu de maneira afirmativa e consistente, reforçando a interpretação da palavra “deixo”, e não “beijo”.
O laudo foi juntado nos autos do processo administrativo do CNMP, que apura a conduta do promotor, e o julgamento do caso deve ocorrer no mês de junho de 2024.
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