“Não havia, até então, motivo legítimo para a abordagem e, muito menos, para a condução do réu até a delegacia. Portanto, de rigor, o reconhecimento da ilicitude da prova obtida, com a consequente absolvição do réu por ausência da materialidade do crime”, sentenciou Costa. Ao fundamentar a sua decisão no inciso II do artigo 386 do Código de Processo Penal (CPP), o julgador acolheu a tese apresentada pelos advogados Victor Nagib Aguiar e Renata Medeiros R. Nagib Aguiar nas alegações finais.
O réu dirigia o veículo acompanhado da namorada, elencada pelo Ministério Público como testemunha. No carro também estavam duas crianças, uma filha do motorista e a outra, da passageira. No dia 23 de janeiro de 2023, em cumprimento a “ordem de serviço”, policiais do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc) abordaram o veículo na estrada e nada de irregular constataram. Porém, eles conduziram o automóvel até a delegacia para melhor examiná-lo, descobrindo o fundo falso e a droga.
Segundo o juiz, a ilicitude da busca se deveu ao fato de a ordem de serviço juntada aos autos omitir dados da denúncia anônima passada ao Denarc, tais como nome do acusado, placa do carro, por onde o automóvel passaria e de que forma ela foi transmitida (por e-mail, telefone ou pessoalmente). Com exceção à preservação óbvia do denunciante, o documento sequer cita a data da informação privilegiada, “pois isso poderia ter implicado a necessidade ou não de se solicitar ordem judicial”, emendou Costa.
“Como os policiais sabiam que o veículo passaria em determinado local na Via Anchieta?”, questionou o juiz. Ele salientou que as informações vagas na ordem de serviço não individualizaram o objeto da busca, tornando ilegítima a abordagem. No entanto, ainda que assim não fosse, há de se considerar que nada de ilegal foi descoberto quando o carro foi examinado na rodovia. Desse modo, ainda conforme Costa, também não houve justificativa plausível para a condução do réu e do carro à delegacia.
Direito ao silêncio
O réu se reservou o direito de ficar calado ao ser autuado em flagrante. Em audiência de custódia, ele teve a prisão preventiva decretada. Na defesa preliminar, os advogados requereram a sua liberdade provisória, sendo o pedido acolhido no recebimento da denúncia. Em suas alegações finais, o promotor Flávio Eduardo Turessi pleiteou a condenação por tráfico, com o afastamento da minorante do tráfico privilegiado devido à quantidade de droga apreendida e a fixação do regime inicial fechado.
Os defensores sustentaram que a ação dos policiais não respeitou os ditames do artigo 244 do CPP, que impõem “fundada suspeita” para as buscas feitas sem mandado judicial. Ainda conforme os advogados, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabelece que o encontro de materiais proibidos não convalida a ilegalidade prévia. “O acusado não apresentava nenhum sinal de ter consigo objetos, armas, drogas ou quaisquer ilícitos, ainda assim foi realizada busca veicular”, frisou Victor Aguiar.
O juiz reproduziu na sentença um dos julgados do STJ mencionados pela defesa. Sob a relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz, ele se refere ao Recurso em Habeas Corpus 158.580 e veda a busca pessoal ou veicular sem ordem judicial baseada em “juízo de probabilidade”. Conforme essa decisão, além da urgência de se executar a diligência, são necessários indícios concretos de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito.
“Não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e. g. denúncias anônimas) ou intuições e impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, apoiadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial”, frisou o ministro Schietti.
- Processo 1502884-20.2023.8.26.0228
Eduardo Velozo Fuccia
Fonte: @consultor_juridico
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