Para advogados, prisão imediata contraria presunção de inocência e decisões do Supremo

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Via @consultor_juridico | A prisão imediata após a condenação pelo Tribunal do Júri, como foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, fere a presunção de inocência e contraria o entendimento da própria corte sobre a execução antecipada da pena. Essa é a opinião dos advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre a decisão do STF.

A decisão foi tomada nesta quinta-feira (12/9), com repercussão geral. A corte fixou uma tese segundo a qual a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução da condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada.

Com isso, a corte afastou a aplicação da previsão do Código de Processo Penal, incluída pela lei “anticrime”, que só permitia a prisão imediata para condenações superiores a 15 anos.

Lamentável

Renato Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), qualificou a decisão do STF como “lamentável”. Segundo ele, a corte flexibilizou a garantia da presunção de inocência em prol da soberania do júri.

“São duas garantias que convivem harmonicamente e autonomamente. O fato de uma decisão do júri ser soberana significa que é o tribunal popular quem decide a causa, mas isso de forma alguma deve diminuir a efetividade da regra da presunção de inocência, isto é, a pessoa ser tratada como inocente até que se opere o trânsito em julgado de decisão condenatória.”

Para ele, trata-se de um “golpe muito duro” na garantia fundamental da presunção de inocência. “O STF errou o alvo com enorme prejuízo à população. O ferimento à presunção de inocência foi muito além de pontuais críticas que já vinham sendo anunciadas, então isoladamente, por membros da Suprema Corte.”

Fernando Hideo, criminalista que é sócio do escritório Warde Advogados e professor de Direito Penal na Escola Paulista de Direito, concordou com Vieira. Segundo ele, a Constituição é clara ao estabelecer que toda e qualquer punição na esfera criminal está condicionada ao trânsito em julgado. 

“Não se pode admitir a aplicação automática e obrigatória da prisão enquanto pena logo após o julgamento de primeira instância, antes que se dê ao réu condenado a oportunidade de recorrer”, disse Hideo.

“Não são raras as decisões proferidas em recurso anulando julgamentos e determinando a realização de novos júris, seja em razão de ilegalidades ocorridas ao longo do processo ou de julgamento contrário à prova dos autos. Por isso, a antecipação da prisão no júri, além de claramente inconstitucional, poderá ser fonte de muitas injustiças irreparáveis”, prosseguiu o advogado. 

Execução antecipada

Para o constitucionalista Lenio Streck, a decisão é equivocada porque faz uma má interpretação da soberania do júri.

“A decisão interpreta mal a soberania, que é garantia do acusado, e a usa contra os acusados. A soberania do júri jamais poderia ser superior à presunção de inocência. Não há qualquer ponderação a fazer”, disse Streck.

Ainda de acordo com ele, o STF legislou ao estabelecer a prisão automática para qualquer pena. Além disso, o Supremo não poderia decidir contra o direito de defesa.

“É equivocada (a decisão) porque a decisão das ADCs 43, 44 e 54 é vinculante, valendo mais do que a lei que estabeleceu a pena de 15 anos como marco para a prisão. O STF deveria obedecer a sua própria decisão.”

“Nunca esteve proibido prender quem foi condenado no júri, desde que haja requisitos para prisão cautelar. Portanto, a decisão só serve para fragilizar a presunção da inocência, em um país em que as prisões estão em estado de coisas inconstitucional”, concluiu o constitucionalista.

André Damiani, criminalista especializado em Direito Penal Econômico e sócio fundador do Damiani Sociedade de Advogados, diz que, para além de uma aparente violação à presunção de inocência, o Supremo decidiu contra o seu próprio entendimento que barra a execução antecipada da pena. 

“Sob a justificativa de que deve prevalecer a soberania dos jurados, o Supremo relativizou, ainda mais, o primado da presunção de inocência e usurpou o papel do constituinte, uma vez que deu validade a uma suposta modalidade de prisão não consagrada por nossa Constituição.”

Segundo Damiani, a exceção validada pelo Supremo é “inconstitucional, desnecessária e perigosa”, além de relativizar o trânsito em julgado para a decretação da prisão.

“Não há razão para se relativizar a necessidade do trânsito em julgado para a decretação de uma prisão, muito menos sob o manto de equivocada interpretação conferida à garantia da soberania dos vereditos, a qual é complementar ao devido processo legal e à presunção de inocência, integrando, todas estas, o núcleo fundamental de proteção do indivíduo frente ao poder punitivo do Estado. Ao que tudo indica, a corte ‘jogou para a torcida’ e enfraqueceu o já debilitado processo penal brasileiro.”

‘Passo largo para trás’

No entendimento do criminalista Thiago Turbay, sócio do escritório Boaventura Turbay Advogados, a decisão é um “passo largo para trás”.

“A prisão cautelar satisfaz interesses legítimos da política criminal ao exigir critérios próprios e fundamentos que deem conta da necessidade da segregação do convívio comunitário, sendo exigíveis inferências concretas e suficientes para lhe dar legitimidade jurídica”, afirma ele. “Sem isso, qualquer coisa basta. É um pacto em direção à desnecessidade de fundamentar decisões judiciais, limitando as garantias dos cidadãos frente ao Estado-juiz. É autoritário.”

Segundo Daniel Bialski, mestre em Direito Processual Penal e sócio do Bialski Advogados Associados, a prisão-pena só pode ser aplicada quando não houver mais recursos, sob pena de violação da presunção de inocência.

“Entendo, assim como a minoria derrotada no julgamento, que haveria ofensa a esse dispositivo porque não são raros os casos de anulação de julgamentos efetivados pelo conselho de sentença.”

Entenda o caso

Prevaleceu no julgamento o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso. Ele foi acompanhado pelos ministros André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Dias Toffoli.

O ministro Gilmar Mendes abriu a divergência. Para ele, a execução só pode ocorrer ao fim do processo. O decano do Supremo entendeu, no entanto, que pode haver a decretação de prisões preventivas. Ele foi acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, hoje aposentados.

Por sua vez, o ministro Edson Fachin abriu uma terceira possibilidade: para ele, a execução imediata só vale para condenações superiores a 15 anos, nos termos da lei “anticrime”. Ele foi acompanhado pelo ministro Luiz Fux, que, no entanto, fez a ressalva de que em casos de feminicídio a prisão deve ser imediata. Fachin aderiu ao adendo de Fux.

O caso levado ao STF foi o de um acórdão do Superior Tribunal de Justiça que afastou a prisão de um homem condenado pelo Tribunal do Júri por feminicídio duplamente qualificado e posse ilegal de arma de fogo.

Na ocasião, o STJ entendeu que o réu não pode ser preso somente com base na premissa da soberania dos vereditos do júri (prevista na Constituição), sem qualquer outro elemento para justificar a medida no caso concreto, nem confirmação por colegiado de segundo grau ou esgotamento das possibilidades de recursos.

A decisão se baseou na jurisprudência do Supremo, segundo a qual a pena só pode ser executada após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Em recurso, o Ministério Público de Santa Catarina alegou que a soberania dos vereditos do júri não pode ser revista pelo tribunal de apelação.

Fonte: @consultor_juridico

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