Por falta de consenso, os ministros não definiram a tese. Ainda não há data prevista para continuidade do julgamento. A matéria tem repercussão geral reconhecida (tema 1.087), e a tese firmada deverá orientar as decisões dos tribunais em todo o país.
O processo estava sendo julgado no plenário virtual, mas foi transferido para o plenário físico após pedido de destaque do ministro Alexandre de Moraes.
Nesse novo cenário, o placar foi reiniciado, mantendo-se apenas o voto do ministro aposentado Celso de Mello.
Prevaleceu a corrente inaugurada pelo ministro Edson Fachin, sustentando que é possível a realização de novo Júri. S. Exa. foi acompanhada pelos ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Flávio Dino e pela ministra Cármen Lúcia.
O relator, ministro Gilmar Mendes, votou pela soberania plena dos jurados, incluindo a absolvição por clemência. Esse posicionamento foi seguido pelo ministro Celso de Mello (atualmente aposentado), Cristiano Zanin e André Mendonça.
Caso
No caso concreto, o conselho de sentença absolveu um homem acusado de tentativa de homicídio, apesar do reconhecimento da autoria, com base no fato de a vítima ter matado seu enteado.
O TJ/MG negou o recurso do MP, justificando que, pela soberania do Júri popular, a decisão só pode ser anulada em casos de erro flagrante. O tribunal também destacou que o Júri pode absolver por razões como clemência ou compaixão, considerados quesitos genéricos.
Durante o Júri, o CPP determina que os jurados respondam a três perguntas: se houve o crime, quem foi o autor e se o réu deve ser absolvido. A absolvição com quesito genérico ocorre quando o Júri responde afirmativamente à terceira pergunta, sem justificativa específica e contra as provas apresentadas, mesmo reconhecendo o crime e sua autoria.
No STF, o MP argumentou que a absolvição viola o ordenamento jurídico, incentivando a Justiça com as próprias mãos.
Voto do relator
Ministro Gilmar Mendes, ao proferir seu voto, destacou a importância de respeitar a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri, enfatizando que, conforme o art. 483 do CPP, o Júri tem a prerrogativa de absolver o réu sem a necessidade de apresentar justificativas detalhadas.
Segundo o ministro, o ordenamento jurídico estruturou o sistema dessa forma, sem que isso implique em violação ao contraditório ou à paridade de armas.
Gilmar Mendes sublinhou que "não é admissível recurso contra decisão dos jurados manifestamente contrária às provas dos autos" quando a absolvição se baseia no quesito genérico.
O decano explicou que "não há, por conseguinte, como se perquirir manifesta contrariedade à prova dos autos em decisão não necessariamente orientada por fatos e provas, razão pela qual a absolvição fundada no terceiro quesito não pode ser objeto de recurso de apelação".
Ainda, ressaltou que, embora o sistema permita absolvições por clemência, isso não significa que os jurados possam ignorar completamente as provas, mas que sua decisão deve prevalecer desde que haja uma mínima conexão com os fatos discutidos.
No caso em análise, o ministro concluiu que a absolvição pelo quesito genérico não poderia ser revista em apelação, confirmando a decisão do TJ/MG.
Por fim, propôs a seguinte tese:
"Viola a soberania dos veredictos a determinação, por Tribunal de 2º grau, de novo júri, em julgamento de recurso interposto contra absolvição assentada no quesito genérico, ante suposta contrariedade à prova dos autos (art. 593, III, d, CPP), de modo que, nessa hipótese, não é cabível apelação acusatória com base em tal fundamento. Ficam ressalvadas as hipóteses de absolvição em casos de feminicídio, quando, de algum modo, seja constatado que a conclusão dos jurados se deu a partir da tese da legítima defesa da honra (ADPF 779)".
Clemência não expressa
Ministro Flávio Dino, em voto, destacou a complexidade envolvida na elaboração de códigos, especialmente no caso do CPP. Relembrou que, nos anos 2.000, optou-se por reformas pontuais, mantendo a coesão do sistema jurídico em vez de criar um novo código.
Para Dino, os PLs subsequentes foram consistentes com essa abordagem, promovendo uma simplificação nos quesitos do Tribunal do Júri, especialmente na formulação de perguntas ao conselho de sentença.
A reforma da quesitação teve como objetivo simplificar o processo e garantir objetividade, com o conselho de sentença sendo questionado de forma direta, por meio de um quesito genérico, a fim de evitar nulidades processuais. No entanto, Dino observou que o debate atual no STF parece introduzir novos elementos que complicam novamente o sistema, gerando o risco de nulidades.
O ministro ressaltou que, antes da reforma, a estrutura dos quesitos no tribunal do júri era extensa e detalhada, o que foi substituído por um modelo mais simples, sem alterar o sistema de apelação. Para S. Exa., o legislador definiu os quesitos, e não há espaço para a formulação de outros além dos já previstos.
Expressando preocupação com a ideia de introduzir clemência no sistema jurídico brasileiro, Dino alertou para o risco de essa abertura ser usada de forma indevida, prejudicando principalmente setores mais vulneráveis da sociedade.
Afirmou que o CPP e o CP não preveem clemência e que sua adoção poderia violar os princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que limitaria a apelação à defesa, sem recurso por parte da acusação.
Por fim, Dino acompanhou o voto do ministro Alexandre de Moraes, defendendo que o CPP deve ser cumprido e o sistema mantido como está.
Caso a tese de clemência seja debatida novamente, argumentou que essa possibilidade deve ser excluída não apenas em casos de feminicídios, mas em todos os crimes hediondos.
Registro em ata
Também nesta tarde, ministro Cristiano Zanin, ao proferir voto, destacou que o MP, no caso concreto, não questionou a absolvição da ré, mas apenas a do réu. Para Zanin, a postura do MP de contestar a clemência em relação a um réu e não ao outro demonstrou incongruência.
S. Exa. relembrou que a CF traz diretrizes fundamentais para o Tribunal do Júri, sendo este delineado pelo CPP. Zanin destacou que, apesar de não haver menção explícita à clemência no CPP, o art. 483, §2º, ao formular o quesito "o jurado absolve o acusado?" após a confirmação de autoria e materialidade, permite, de forma implícita, a possibilidade de clemência por parte dos jurados.
Argumentou que, embora o recurso seja permitido em casos de absolvição, ele não deveria ocorrer quando essa decisão for fruto de clemência, já que tal escolha não se baseia nas provas dos autos, mas sim em um sentimento de compaixão dos jurados, o que deveria ser respeitado.
Defendeu que toda a estrutura atual do sistema de apelação deve ser mantida, exceto nos casos de absolvição por clemência expressamente requerida pela defesa, devendo haver registro dessa solicitação em ata.
O ministro, assim, salientou que não seria apropriado permitir um segundo júri quando a absolvição for baseada na clemência, mesmo que a decisão seja contrária às provas dos autos.
Ao final, negou provimento ao recurso e acompanhou o voto do ministro Gilmar Mendes, propondo a seguinte tese:
"É constitucional a determinação de novo julgamento pelo Tribunal do Júri a pedido da acusação, por contrariedade á prova dos autos, salvo se absolvição tiver se baseado em quesito genérico e a defesa tiver sustentado pedido de clemência, registrado nos autos, e que seja compatível com a CF, com as leis e precedentes vinculantes do Supremo."
Ministro André Mendonça, ao proferir voto, também acompanhou ministro de Gilmar Mendes e propôs a seguinte tese:
"I - Não ofende a soberania dos veredictos a apelação que, em tese, tem como objeto a decisão do tribunal do Júri baseada no quesito absolutório genérico.
II. Ficam ressalvadas as hipóteses de absolvição por clemência, quando esta arguição foi objeto da defesa do acusado, conste da ata de julgamento e não se revele arbitrária.
III. Nos casos de feminicídio, é considerada arbitrária a absolvição quando, de algum modo, seja constatado que a conclusão dos jurados se deu a partir da tese da legítima defesa da honra."
Divergência
Ministro Edson Fachin abriu divergência, argumentando que a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri não é absoluta e deve ser submetida a um controle judicial mínimo, especialmente em casos de crimes hediondos.
Fachin destacou que, embora o Júri tenha a prerrogativa de absolver o réu com base em clemência, essa decisão não pode contrariar princípios constitucionais, considerando que crimes hediondos são insuscetíveis de graça, anistia ou perdão.
Afirmou que "o controle mínimo de racionalidade é necessário para evitar que a participação democrática do júri se transforme em arbítrio".
No caso concreto, Fachin defendeu que a absolvição deveria ser revista e que o réu deveria ser submetido a um novo julgamento pelo Tribunal do Júri.
Por fim, propôs a tese:
"É compatível com a garantia da soberania dos vereditos do Tribunal do Júri a decisão do Tribunal de Justiça que anula a absolvição fundada em quesito genérico, desde que inexistam provas que corroborem a tese da defesa ou desde que seja concedida clemência a casos que, por ordem constitucional, são insuscetíveis de graça ou anistia."
S. Exa. foi acompanhada pelos ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Flávio Dino e pela ministra Cármen Lúcia.
- Processo: ARE 1.225.185
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