O benefício é limitado a dez licenças por mês, ou seja, até 120 dias de folga anuais, além dos 60 dias de férias aos quais os magistrados têm direito. Para aqueles que preferem não usufruir das folgas, a licença é convertida em indenização, ficando fora dos descontos do Imposto de Renda e do teto constitucional do funcionalismo público, correspondente ao salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje fixado em R$ 44.008,52.
Não há uma estimativa sobre o custo do benefício para os cofres públicos, mas a conta é alta. Levantamento da ONG Transparência Brasil mostra que a licença compensatória consumiu pelo menos R$ 284 milhões do erário até maio deste ano. Os números, porém, são considerados subestimados devido às diferentes formas com que o pagamento aparece nos contracheques de juízes e desembargadores.
De acordo com levantamento do Congresso em Foco, o benefício já foi incorporado no Distrito Federal e em pelo menos em outros 18 estados. Veja quais são eles:
- Acre
- Amazonas
- Bahia
- Espírito Santo
- Goiás
- Maranhão
- Mato Grosso do Sul
- Minas Gerais
- Pará
- Paraíba
- Paraná
- Pernambuco
- Piauí
- Rio de Janeiro
- Rio Grande do Norte
- Roraima
- Sergipe
- Tocantins
Outros tribunais podem ter aderido, mas não conseguimos localizar a informação em sua página na internet.
Uma das cortes que incorporaram o benefício mais recentemente é o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), que editou uma resolução sobre o assunto em 19 de julho deste ano sob a justificativa de que a oferta da licença é um instrumento para “aumentar a produtividade” dos magistrados. São contemplados aqueles que exercem funções específicas, como presidentes de turma e de sessões, assim como juízes e desembargadores com acúmulo de acervo processual. As regras, no entanto, variam de acordo com cada tribunal.
Como começou o benefício
Em 2020, o CNJ estendeu a então “gratificação por exercício cumulativo” para membros da Justiça Estadual. O ponto de partida para licença foi dado pelas leis federais 13.093 e 13.095, ambas de 2015, que instituíram o benefício para a Justiça Federal. A gratificação correspondia a um terço do salário do magistrado designado para substituição para cada 30 dias de exercício. A natureza da gratificação era remuneratória, isto é, o acréscimo não poderia ultrapassar o teto constitucional.
Em 2023, porém, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) editou a regulamentação da gratificação no MP e mudou o seu formato. Essa mudança se deu com base na Resolução 133, de 21 de junho de 2011, do CNJ, que reconhece “a simetria constitucional entre Magistratura e Ministério Público e equiparação de vantagens”.
Em vez de conceder gratificação de um terço da remuneração, o Ministério Público da União (MPU) decidiu conceder dias de folga. Além disso, de acordo com a Resolução 256, de janeiro de 2023, essas folgas podem ser convertidas em pagamento, com caráter indenizatório, ficando, portanto, fora do teto constitucional. Procurado pela reportagem, o CNMP não respondeu sobre a mudança do caráter remuneratório para indenizatório.
Recorrendo, uma vez mais, à simetria entre magistratura e Ministério Público, o CNJ editou em outubro do ano passado a resolução que garante os mesmos direitos aos magistrados de primeiro e segundo graus no país. A decisão também foi seguida pelo Conselho de Justiça Federal (CJF), que estendeu o benefício aos juízes federais.
Segundo o CNJ, a resolução “configura mero cumprimento do texto constitucional e está em consonância” com o que o Conselho decidiu em 2011. Em relação ao impacto orçamentário, o órgão afirmou ao Congresso em Foco que “caberá a cada tribunal analisar o impacto conforme a realidade local”. O CNJ ainda acrescentou que “não haverá aumento de orçamento de nenhum tribunal, que, caso precise fazer qualquer equiparação, terá que usar o orçamento já existente”.
Tribunais estaduais incorporam a licença
Antes mesmo de o CNJ equiparar o benefício do Ministério Público ao dos magistrados, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) e o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul já haviam se antecipado. Em julho de 2023, três meses antes da resolução do Conselho, a Assembleia Legislativa do Paraná votou projeto de lei, encaminhado pelo TJPR, para equiparar os benefícios. No Mato Grosso do Sul, a licença veio em abril de 2023.
Após um mês da decisão do CNJ, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) incorporou o benefício aos magistrados. Também em novembro de 2023, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) regulamentou as licenças compensatórias. Já o TJRJ, o TJPE e o TJBA são alguns dos tribunais que editaram suas resoluções apenas neste ano.
O economista Bruno Carazza, autor do livro O país dos privilégios: os novos e velhos donos do poder, estima que cerca de R$ 20 bilhões em penduricalhos — benefícios adicionais que aumentam os salários dos servidores públicos — ficam fora do teto salarial do funcionalismo público.
Regras para licença
Apesar de cada tribunal estadual editar suas próprias resoluções, tendo em vista o poder de auto-organização do Poder Judiciário, existem algumas semelhanças para as licenças compensatórias. Via de regra, a quantidade de dias de folgas depende da natureza da função exercida, mas é limitada a 10 dias por mês, independentemente se o acúmulo for superior.
É vedado também o crédito para uso nos meses seguintes e não permite o uso da licença quando o magistrado receber remuneração para a função de natureza especial. Em casos que o magistrado não puder usufruir do benefício, ou não solicitar a folga, a licença poderá ser revestida em indenização, respeitada a disponibilidade financeira e orçamentária de cada tribunal e do Poder Judiciário.
As licenças compensatórias se estendem para casos de acúmulo de acervo processual e de função administrativa. A acumulação processual se dá quando um magistrado atua simultaneamente em processos do órgão jurisdicional em que está lotado e também em outros.
Críticas às licenças
A organização Transparência Brasil, que realiza atividades de monitoramento e integridade do poder público, criticou as resoluções do CNJ e CNMP em relatório publicado em dezembro. Para a entidade, “Judiciário e Ministério Público usam o princípio da simetria como pretexto para desvirtuar o caráter remuneratório de um benefício criado em 2015”. “Com isso, promovem dribles no teto constitucional, comprometendo a racionalidade nos gastos públicos e gerando disparidades gritantes com relação a outras categorias do funcionalismo”, acrescenta no documento.
Outro problema identificado pela Transparência Brasil é a ausência de padronização nos sistemas dos tribunais para indicar que se trata de gratificação. Assim, a organização aponta que os impactos provenientes da mudança de “gratificação por exercício cumulativo” para licença compensatória com caráter de indenização, poderão não ser vistos por essa dificuldade no rastreamento.
Mesmo com essas dificuldades, no relatório é apresentada a diferença no impacto orçamentário do Tribunal de Justiça do Paraná, que incorporou a licença antes mesmo do CNJ editar a resolução. Quando ainda era uma gratificação de caráter remuneratório, abaixo do teto dos ministros, a despesa do TJPR com o benefício era de R$ 3,5 milhões mensais para cerca de 912 magistrados.
No primeiro mês em que a licença compensatória foi lançada no contracheque, em setembro de 2023, o valor subiu para R$ 21,3 milhões. Por não estar sujeito ao teto constitucional, o mesmo benefício teve aumento de seis vezes em relação ao valor registrado nos meses anteriores.
Diante da mudança, a Transparência Brasil fez recomendações ao poder público em seu relatório. A entidade sugere que, nos próximos anos, os órgãos do Sistema de Justiça demonstrem a estimativa do custo do benefício nos orçamentos. A organização também sugere ao Congresso a criação de barreiras para impedir que “o princípio da simetria entre Ministério Público e Judiciário seja utilizado para criação de benefícios sem lei autorizativa específica e sem demonstração de impacto orçamentário”.
O Congresso em Foco procurou a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) para comentar o benefício. A entidade ainda não encaminhou sua resposta até o momento. Em nota publicada quando o benefício foi estendido aos juízes federais, a Ajufe ressaltou que a medida seguia preceitos constitucionais. “O Conselho da Justiça Federal (CJF), enquanto órgão de controle administrativo e financeiro da Justiça Federal, atuou para cumprir um preceito constitucional reconhecido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a equiparação entre o Ministério Público e a Magistratura. Por isso, conferiu aos magistrados federais, a partir de 23 de outubro de 2023, algo que já era garantido aos membros do Ministério Público desde janeiro de 2023”, escreveu a organização.
A reportagem também entrou em contato com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que congrega as 27 associações regionais de juízes estaduais além de associações da Justiça Trabalhista e Militar, para comentar sobre as críticas ao modelo das licenças compensatórias. Até o momento, não houve resposta. O espaço segue aberto e este texto será atualizado caso haja retorno.
Pedro Sales
Fonte: @congressoemfoco
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