Feed mikle

A Dissolução da União Estável: entre a Ficção da TV e a Realidade da Lei

dissolucao uniao estavel ficcao tv realidade lei
Por @juliomartinsnet | Se você também adora uma novela e conhece alguma coisa de Direito, com muita frequência deve "passar raiva" assistindo ao seu folhetim preferido. Mas será que "Vale Tudo" mesmo? A vida imita a arte, e a arte reproduz na tela os fatos da vida, sendo muitos deles fatos com repercussão jurídica. Essa máxima se aplica perfeitamente às relações familiares, que são o combustível para as mais envolventes tramas. Como de costume, a "licença poética" da ficção frequentemente ignora o que a Lei prescreve para a solução dos casos na vida real (e muitas vezes, lamentavelmente, pode estar ensinando algo errado para muitas pessoas). É muito comum que na televisão, especialmente em telenovelas, questões jurídicas complexas sejam resolvidas de forma simplista, criando no imaginário popular a ideia de que os procedimentos são fáceis e desprovidos de formalidade. O Direito é composto por regras e normas, há toda uma liturgia em diversos procedimentos que, se não observadas, maculam o ato com nulidade. Um exemplo atual é a DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL retratada na atual novela das 20h, remake de um grande sucesso exibido entre 1988 e 1989, onde o fim de uma relação (de união estável, a todo momento tratada como casamento, numa confusão muito comum, diga-se de passagem) foi selado por um simples instrumento particular, sem a presença de um Advogado, como se bastasse a assinatura dos companheiros para resolver tudo. Na realidade, o procedimento é bem mais técnico e seguro, envolvido por uma liturgia regrada por exemplo pelo art. 733 do CPC e pela Resolução 35/2007 do CNJ. Seu artigo 1º, atualizado pela Resolução 571/2024, reza:

"Art. 1º Para a lavratura dos atos notariais relacionados a inventário, partilha, divórcio, declaração de separação de fato e EXTINÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL consensuais por via administrativa, é livre a escolha do tabelião de notas, não se aplicando as regras de competência do Código de Processo Civil".

Na vida real, a dissolução de uma união estável, para ter validade jurídica e produzir efeitos perante terceiros, deve seguir um rito específico, inclusive observando-se eventual normatização local/estadual. Não se admite dissolução de União Estável por Instrumento Particular. A via judicial continua sendo facultada ao casal que pretende a dissolução, ainda que o caso seja do mais puro consenso entre o casal com preenchimento dos requisitos para a realização na VIA EXTRAJUDICIAL (muito mais célere, é verdade), como disposto no referido art. 733 do CPC. Sendo hipótese de dissolução de União Estável marcada pela existência de litígio, a única via possível será a VIA JUDICIAL. Em ambos os cenários, a presença de um ADVOGADO assistindo as partes é obrigatória por lei. A ausência do profissional torna o ato nulo, sendo esta a primeira e mais gritante diferença entre a ficção e a realidade, como se viu.

É fundamental compreender que a UNIÃO ESTÁVEL se configura pela convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituir família, nos termos talhados pelo art. 1.723 do Código Civil. Ela independe de um CONTRATO ESCRITO para existir, mas a sua formalização é altamente recomendada para conferir maior segurança jurídica ao casal. Nos termos do artigo 1.725 do Código Civil, na ausência de um contrato escrito, o regime de bens que rege a união é o da COMUNHÃO PARCIAL, no que couber. A formalização do Contrato de União Estável, que pode ser feita por instrumento particular ou por Escritura Pública em qualquer Cartório de Notas (inclusive de modo virtual/remoto, totalmente on-line e à distância), permite que o casal escolha um regime de bens diferente (como a separação total ou a comunhão universal - ou ainda, um regime de bens totalmente personalizado), adequando as regras patrimoniais à sua realidade e vontade.

O papel do Advogado se mostra crucial, buscando a prevenção de problemas. Embora sua presença não seja obrigatória para a Constituição/Formalização do Contrato ou Escritura de União Estável (diferentemente da Dissolução), ela é extremamente recomendada. Um Advogado Especialista poderá redigir um instrumento particular ou orientar a lavratura da Escritura Pública, ajustando o documento às necessidades específicas de cada casal (lembrando que é muito comum que o casal que opta pela União Estável já tenha filhos de uniões ou casamentos anteriores ou mesmo patrimônio já formado). É possível, por exemplo, estipular cláusulas sobre a administração dos bens, o planejamento sucessório e até mesmo multas por descumprimento de deveres, sempre visando a máxima segurança jurídica e a tranquilidade do casal durante a relação.

Como se viu acima, a boa notícia é que a tecnologia modernizou esses procedimentos. Hoje em dia, tanto a formalização da união estável via Escritura Pública quanto a sua Dissolução extrajudicial podem ser realizadas de forma totalmente on-line e remota. Por meio de plataformas como o e-Notariado, as partes podem participar de uma videoconferência com o Tabelião e assinar o documento utilizando um Certificado Digital, com a mesma validade jurídica do ato presencial. Todo esse processo é regulamentado pelo Provimento nº 149/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e suas atualizações, garantindo segurança e agilidade.

Portanto, a importância de formalizar a relação – seja por um CONTRATO DE UNIÃO ESTÁVEL ou até mesmo por um CONTRATO DE NAMORO, para evitar a configuração da união – é inegável. Os efeitos, principalmente os patrimoniais, são há muito plenamente reconhecidos pelo Direito, como demonstra a vasta jurisprudência pátria sobre o tema que reconhece, por exemplo, a plena validade da adoção do regime da SEPARAÇÃO TOTAL e ABSOLUTA DE BENS na União Estável. Evita-se com isso a comunicação, confusão e partilha dos bens entre o casal no caso de dissolução:

"TJRS. 70080390974/RS. J. em: 21/03/2019. APELAÇÃO CÍVEL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ART. 1.725 DO CCB. REGIME DE BENS. Os litigantes celebraram acordo de união estável estipulando, de forma expressa, que o regime de bens adotado é o de SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS, ou seja, todos e quaisquer bens móveis ou imóveis, diretos, rendimentos e heranças adquiridos por qualquer dos Conviventes antes ou durante a vigência do presente contrato pertencerão a quem os adquiriu, não se comunicando com os bens da outra parte. O art. 1.725 do CCB prevê a possibilidade de os conviventes, por contrato escrito, estabelecerem disposições acerca das questões patrimoniais, não havendo vedação alguma a que seja estabelecido o regime de separação total com efeito retroativo, como no caso em exame. Por sinal, o art. 1.639 do CCB, aplicável à união estável, contempla ampla liberdade de estipulação aos parceiros, facultando-lhes estabelecer, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. No caso, tendo sido estipulado o regime da absoluta separação de bens, é evidente que tal abrange os bens já existentes, ou a separação não será absoluta! E veja-se que os termos do contrato são de clareza solar, não deixando margem a dúvida. DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME".

Ignorar as formalidades legais em prol de uma simplicidade fictícia, como a vista na televisão, pode gerar insegurança, prejuízos e longas disputas judiciais no futuro. A consulta a um Advogado Especialista é o caminho mais seguro para garantir que o amor e o patrimônio caminhem juntos, com regras claras e proteção para todos.

Por Julio Martins
Fonte: @juliomartinsnet

0/Comentários

Agradecemos pelo seu comentário!

Anterior Próxima