Determinou-se que o juízo da execução requisite ao estabelecimento prisional informação específica sobre o período em que a paciente permaneceu segregada e dedicada aos cuidados com a criança, efetivando, na sequência, o desconto da pena nos termos do art. 126, §1º, II, da LEP.
A tese de julgamento foi a de que:
"A interpretação extensiva do termo trabalho, no art. 126 da LEP, inclui os cuidados maternos como atividade para fins de remição de pena.
A amamentação e os cuidados maternos são reconhecidos como forma de trabalho para remição de pena, considerando sua importância para o desenvolvimento da criança.
As desigualdades de gênero devem ser consideradas nas decisões judiciais, eliminando estereótipos que influenciam negativamente as decisões."
Relembre
A ré foi presa em novembro de 2021, teve seu bebê no cárcere e permaneceu seis meses com a criança na ala materno-infantil da Penitenciária de Mogi Guaçu/SP, sem acesso a atividades remuneradas ou educacionais.
A Defensoria Pública de São Paulo formulou pedido de remição da pena com base no art. 126 da LEP - lei de execuções penais, mas o pedido foi negado pelo juízo da execução e, posteriormente, mantido pelo TJ/SP.
A negativa baseou-se em três fundamentos principais: (i) alegada ausência de prisão legal; (ii) entendimento de que os cuidados maternos seriam dever da mãe e não trabalho; e (iii) ausência de remuneração da atividade, o que descaracterizaria a atividade como laborativa.
Diante de tal decisão, a defesa recorreu ao STJ.
Lei não exige trabalho remunerado
Na sustentação oral, o defensor público defendeu a tese institucional da Defensoria Pública de São Paulo, aprovada em 2024, de que o trabalho de cuidado materno exercido por mulheres presas com seus filhos na ala de amamentação deve ser reconhecido como atividade passível de remição de pena, ressaltando que a LEP não exige que o trabalho seja remunerado ou produtivo para que seja computado.
Economia do cuidado
O defensor também destacou que o cuidado materno integra a "economia do cuidado" - conceito reconhecido internacionalmente e responsável por cerca de 9% do PIB global, embora não remunerado.
Apontou ainda que o trabalho de cuidado é historicamente marginalizado, sobretudo quando exercido por mulheres negras, e que negar sua valorização no sistema prisional reforça desigualdades de gênero e raça.
Dignidade da mulher presa
Por fim, a Defensoria sustentou que reconhecer a remição pelo cuidado materno representa não apenas justiça individual, mas também uma ação reparadora de desigualdades históricas, promovendo a dignidade da mulher presa, a proteção integral da criança e os princípios constitucionais da execução penal.
Harmonia com a CF
A subprocuradora-geral Raquel Dodge se manifestou pela concessão do habeas corpus. Ela afirmou que o caso inaugura uma nova abordagem no âmbito penal e que a LEP não define ou restringe o conceito de trabalho e a interpretação extensiva do art. 42 está em harmonia com a CF e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
A subprocuradora ainda advertiu que negar a remição a mulheres encarceradas que optam por cuidar de seus filhos é desestimular a maternidade e perpetuar desigualdades de gênero, ao passo que reconhecer essa atividade como trabalho promove a reintegração, o fortalecimento dos vínculos familiares e o pleno desenvolvimento da criança.
Desilguadade de gênero
O caso foi suspenso em 9 de abril após pedido de vista do ministro Joel Ilan Paciornik, feito logo após o voto do relator, ministro Sebastião Reis Júnior, favorável à concessão da ordem.
Em seu voto, o relator afirmou que a equiparação dos cuidados maternos ao trabalho é justa e juridicamente possível, à luz de interpretação sistemática da legislação brasileira, da CF e de tratados internacionais ratificados pelo Brasil.
Ministro Sebastião ressaltou que o próprio constituinte originário, ao prever a licença-maternidade equiparou o afastamento do trabalho à manutenção do vínculo e do salário, entendimento que também se reflete na esfera previdenciária, com o cômputo do período como tempo de contribuição.
Citou o art. 24 da Convenção sobre os Direitos da Criança e o art. 11, §2º, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, que asseguram proteção ao aleitamento materno e reconhecem a licença maternidade como medida necessária para coibir a discriminação da mulher no mercado de trabalho.
O relator também lembrou que a jurisprudência do STJ já flexibilizou o conceito de trabalho para fins de remição, admitindo atividades não previstas expressamente na LEP, como leitura, artesanato e ensino à distância.
"Hipermaternidade"
Ministro Sebastião fez referência à resolução CNJ 369 e ao Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, que orientam a superação de estereótipos e a consideração de desigualdades estruturais nos julgamentos.
Nesse sentido, destacou que mulheres exercem a chamada "hipermaternidade" - dedicação integral e contínua ao cuidado da criança -, o que inviabiliza a participação em atividades laborais ou educacionais formais. Por isso, defendeu interpretação extensiva do termo "trabalho" no art. 126 da LEP, de modo a incluir a amamentação e os cuidados diários como formas legítimas de abreviar a pena.
Assim, votou por conceder a ordem para reconhecer a remição pelo período integral de amamentação e cuidado, determinando que o juízo da execução apure o tempo exato e efetive o desconto correspondente da pena.
O relator foi acompanhado pelos ministros Rogério Schietti Cruz, Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas, e o desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo.
Divergência pela estrita legalidade
O ministro Joel Ilan Paciornik abriu divergência e votou contra a concessão da ordem, sustentando que a ampliação do conceito de trabalho para incluir cuidados maternos carece de previsão legal e deve ser feita pelo legislador.
Segundo ele, o reconhecimento do valor social de uma atividade não a torna automaticamente trabalho para fins jurídicos penais.
Por fim, destacou que o princípio da legalidade impõe limites à interpretação extensiva e apontou dificuldades para parametrizar e comprovar o tempo efetivo de cuidado, o que poderia gerar insegurança jurídica.
O ministro Messod Azulay Neto e o desembargador convocado Carlos Cini Marchionatti acompanharam a divergência.
- Processo: HC 920.980
Confira o voto do relator.
Postar um comentário
Agradecemos pelo seu comentário!