A Constituição e o princípio da igualdade
Indubitavelmente, as leis, ao serem sancionadas, devem obedecer ao que preconiza a Constituição Federal e os princípios que nela se encontram, com destaque para o princípio da isonomia, estabelecido no artigo 5° da Constituição Federal.
Os direitos fundamentais são garantidos igualmente aos homens e às mulheres, de modo que qualquer medida protetiva de cunho infraconstitucional que resguarde somente parte da população, selecionada por sexo, constitui afronta à isonomia entre os sexos.
Dentre o rol de direitos fundamentais da Constituição Federal foi consagrada a igualdade entre homem e mulher, estabelecendo uma isonomia plena entre os sexos masculino e feminino. Assim, a legislação infraconstitucional não poderia promover discriminação entre os sexos, em se tratando de direitos fundamentais, pois já lhes são igualmente assegurados.
Impactos no devido processo legal
As medidas de assistência e proteção previstas na Lei 11.340/06 possuem aplicação restrita à mulher. Muitos juízes entendem que a proteção é destinada somente a elas, de acordo com os artigos 1º e 22, caput, da Lei 11.340/06, indeferindo pedidos de medida protetiva para homens com base na referida lei. Entendo que essa lei é inconstitucional, pois fere o princípio da isonomia assegurado no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal, o qual preconiza que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.
Ainda, as medidas protetivas de urgência concedidas através da Lei Maria da Penha violam o princípio do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, previstos nos incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição Federal.
Ao buscar a proteção da mulher (suposta) vítima de violência doméstica, há uma atribuição de maior rigor ao (suposto) autor da infração, impondo-lhe não apenas a necessidade de se defender, mas também de arcar com o ônus de provar sua inocência, denotando equivocada aplicação da Lei 11.340/06.
Assim, temos que a presunção de inocência, que encontra guarida no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, o qual estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, é flagrantemente desrespeitada pela Lei Maria da Penha.
Nessa linha, cita-se:
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, promulgado no Brasil pelo Decreto 592, de 6 de julho de 1992, dispõe, em seu art. 14, item 2, que toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.
Ainda:
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, promulgada no Brasil pelo Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, em seu art. 8º, item 2, estatui que toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.
A Lei Maria da Penha desrespeita tanto a Constituição Federal quanto outras normas legais acima citadas, que resguardam a presunção de inocência.
O outro lado: uso indevido da referida Lei
Mulheres utilizando a referida lei levam ao Judiciário várias denúncias falsas. Existe um alto percentual de denúncias falsas de violência doméstica, fato veiculado em matérias e palestras de juízes.
A denúncia caluniosa por suposta violência doméstica é um mal que está se enraizando em nossa sociedade e, pior, é visto com naturalidade.
A mera acusação, com base apenas na palavra da mulher, desprovida de qualquer prova contundente, é suficiente para destruir a vida de um homem.
Algumas práticas com a utilização da LMP
- Afastamento de pais e filhos (alienação parental): obtenção de medida protetiva com base em denúncia falsa para impedir visitas, especialmente em casos de separação recente ou ausência de vínculo afetivo entre os pais.
- Retirada do homem do imóvel: uso de medida protetiva fundamentada em acusação falsa para afastá-lo do lar.
- Destruição de imagem por rancor ou vingança: denúncias infundadas com intuito de prejudicar a reputação do ex-companheiro.
- Perseguição após o término: falsas alegações de agressão como retaliação por não aceitar o fim do relacionamento.
- Uso estratégico em litígios familiares: medidas protetivas fabricadas para influenciar ações de divórcio, disputas de guarda e alimentos. Em muitos casos, conflitos comuns nas Varas de Família são levados à Vara de Violência Doméstica como estratégia processual.
- Discussão de guarda dos filhos: embora a guarda compartilhada seja a regra desde a Lei 13.058/2014, muitas genitoras não a aceitam e recorrem a medidas protetivas para garantir guarda unilateral. Conforme entendimento do STJ, tais medidas podem ser aplicadas sem prazo determinado, mantendo os filhos com a mãe e dificultando a convivência paterna.
Em muitos casos, mães denunciam pais com o objetivo de impedir visitas ou obter vantagens em litígios. Como o STJ definiu que as medidas protetivas não têm prazo fixo, enquanto vigentes, os filhos permanecem sob a guarda da genitora, dificultando a convivência paterna.
Considere que o alto índice de denúncias falsas atinge diretamente inúmeros homens, afastando-os dos filhos e do lar, muitas vezes sem sequer buscar judicialmente o divórcio (direito potestativo).
Além da questão de inconstitucionalidade já abordada, a sociedade ainda atribui à mulher uma condição presumida de vulnerabilidade e inofensividade, enquanto coloca o homem como único agressor. Essa visão sexista sustentou a aprovação da lei.
A proteção legal deve ser universal, alcançando todos, independentemente do gênero. A verdadeira igualdade entre homens e mulheres exige que não haja supremacia de um sobre o outro. Quando a sociedade deixar de levantar bandeiras exclusivas para um gênero e passar a proteger igualmente todos os membros da família, será possível combater todas as formas de violência nas relações familiares – inclusive as sofridas por homens.
A Lei Maria da Penha, da forma como está, criou discriminação, pois coíbe a violência contra a mulher, mas não contra o homem.
Nesse contexto, sugiro a leitura do artigo que escrevi sobre a violência contra homens:
A misandria e o silêncio da sociedade na violência contra os homens: onde está a justiça e a igualdade? (Leia AQUI)
CNJ: Números que preocupam
Segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2022 foram abertos 640.867 processos de violência doméstica contra homens no Brasil, resultando em 399.228 sentenças. Embora o documento não informe quantas dessas sentenças levaram a condenações criminais, um dado chama atenção: quase 38% dos casos foram arquivados por serem infundados.
Isso representa mais de 241 mil homens atingidos por acusações falsas a ponto de o próprio tribunal não prosseguir com o caso. Estatisticamente, considerando uma população masculina de aproximadamente 104,6 milhões de pessoas, ao menos 1 em cada 434 homens sofre esse tipo de acusação injusta – número que pode ser ainda maior se incluirmos aqueles que, após anos de processo (em média cinco), acabam absolvidos.
Gilvan Macêdo dos Santos - Juiz de Direito
Finalizo com a reflexão do Juiz de Direito Gilvan Macêdo dos Santos, que atuou nos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher. O magistrado dedicou-se a estudar e expor aspectos legais da discriminação contra o gênero masculino, apontando desigualdades e propondo soluções para os conflitos decorrentes. Brilhantemente, afirmou:
“O direito não pode propiciar um tratamento diferente para um e para outro sexo, mas sim prevenir e reprimir a violência doméstica em desfavor de todos os componentes da família e não, tão somente, apenas para um deles, consistente na mulher. A punição deve ser igual ao agressor, seja masculino ou feminino. Por uma questão de justiça, tanto a proteção quanto a repressão devem ser direcionadas a todos os componentes da família.”
Eterno Mestre Gilvan Macêdo dos Santos – Juiz de Direito falecido em setembro de 2021 – em “A discriminação do gênero-homem no Brasil em face à lei Maria da Penha”.
Nota da autora
A Lei Maria da Penha foi declarada constitucional em 9 de fevereiro de 2012, por meio da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 19. Ainda assim, alguns juristas que atuam na área sustentam sua inconstitucionalidade, diante dos problemas práticos observados no uso da lei perante o Judiciário.
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