“A análise do caso concreto revela uma situação de extrema gravidade que transcende, e muito, os limites do mero inadimplemento contratual ou do dissabor cotidiano. Estamos diante de uma consumidora que, confiando na segurança prometida pela plataforma de transporte, vivenciou verdadeiro terror psicológico”, avaliou a juíza Eliene Simone Silva Oliveira, da 5ª Turma Recursal do Tribunal de Justiça da Bahia.
Relatora do recurso inominado interposto pela passageira, a julgadora teve competência para decidir monocraticamente por se tratar de matéria com entendimento já sedimentado pelo colegiado e/ou com uniformização de jurisprudência, conforme prevê o Regimento Interno das Turmas Recursais do TJ-BA. Eliene elevou a indenização para R$ 20 mil, a fim de adequá-la à sua função punitivo-pedagógica.
“A indenização deve ser significativa o bastante para compelir a empresa a aprimorar seus mecanismos de segurança, seleção e monitoramento de parceiros”, anotou a relatora. Na fixação do valor, ela considerou a natureza da agressão (que envolveu risco de morte e violência sexual), a fratura sofrida, o tempo de recuperação da vítima, o abalo psicológico severo, a capacidade econômica da ré e a gravidade da falha de segurança.
A juíza Eloísa Matta da Silveira Lopes, da 9ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais do Consumidor de Salvador, havia estabelecido a indenização por dano moral em R$ 5 mil, motivando a usuária a recorrer para majorá-la. A sentença também condenou a plataforma a ressarcir a passageira em R$ 400,97, montante dos seus gastos com medicamentos, que foi mantido pelo acórdão.
Por conta própria
A usuária relatou na inicial que o episódio aconteceu na noite de 29 de novembro de 2024. Ela solicitou uma corrida de moto pelo aplicativo da acionada e o motociclista alterou o trajeto mais seguro por um itinerário deserto, ao lado de um matagal. Ao pedir para o condutor retornar ao percurso inicial, a passageira não foi atendida. Com receio de sofrer violência sexual, ela pulou do veículo em movimento. O piloto seguiu viagem.
A Uber sustentou na contestação a sua ilegitimidade passiva na ação por não ser empresa de transporte, mas de tecnologia, “que se presta a fazer a facilitação na conexão entre usuários”. A plataforma refutou a aplicação do Código de Defesa Consumidor por não vislumbrar relação de consumo entre ela e a autora. Por fim, afirmou inexistir dano moral, pois a mulher saltou da motocicleta “por conta própria e deliberada”.
Para a relatora, a demanda deve ser apreciada sob a ótica do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ porque “o temor sentido pela recorrente não foi uma suposição infundada, mas uma reação legítima de defesa diante de um cenário que, na realidade social brasileira, representa risco iminente de violência sexual e feminicídio”. Segundo ela, sendo a vítima mulher, o desvio de rota ganha contornos de grave ameaça.
Reconhecida a relação de consumo entre as partes, houve a inversão do ônus da prova em favor da usuária, nos termos do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Eliene Oliveira apontou em sua decisão “falha gravíssima” na prestação do serviço, que atenta contra o dever de segurança e atrai a incidência dos artigos 6º, inciso I, e 14, parágrafo 1º, ambos também do CDC.
“A plataforma ré, ao auferir lucros com a intermediação do transporte, assume o risco da atividade e a responsabilidade objetiva pela incolumidade de seus passageiros”, destacou a relatora. Segundo ela, a inércia em prestar assistência adequada após o evento agravou a conduta da empresa, principalmente porque o dano suportado pela autora foi “multifacetado”, por englobar lesão física e sequelas psíquicas do trauma vivenciado.
- Processo 0023790-24.2025.8.05.0001
Eduardo Velozo Fuccia
Fonte: @consultor_juridico

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