bit.ly/2lQPgc2 | Definitivamente não sou um bom escritor de artigos. Até gosto de escrever peças processuais, me debruçar sobre um processo e escrever nos autos, porém com artigos e demais textos não me saio bem. Admiro os bons escritores que conseguem escrever de forma bonita e envolvente a ponto de chamar e prender a atenção do leitor. Leio, releio, tresleio esses escritores para aprender como se faz, mas não adianta, não sou um bom escritor de artigos!
Não ser bom deveria ser algo mais fácil de ser admitido por nós, mas infelizmente vivemos a ditadura do sucesso, onde todos precisam ser campeões em tudo. Somos incentivados, desde muito cedo – e ao meu ver de forma completamente equivocada – a sermos os melhores. Como na música:
A era da ditadura do sucesso torna as pessoas exibidas, principalmente em suas redes sociais, onde precisam mostrar que são, como esperado e cobrado pela sociedade, um verdadeiro suprassumo. Nessa era, não basta somente gorjear para marcar território e provar a existência (BAUMAN, 2011). É preciso mais, é preciso mostrar que somos fodas!
Surge, então, uma imensidão de postagens de gente vencendo nos Tribunais, absolvendo inocentes e anulando e anulando e anulando decisões mal proferidas. Para quem lê e não é tão foda assim, gera quase que um desespero ao ponto de repensar a carreira, uma vez que se sente um solitário perdedor diante de tantos vencedores. Será que sou o único que perco? Para não enlouquecer nesses momentos de incerteza, me socorro da poesia de Álvaro Campos, heterônimo de Fernando PESSOA (2016), em seu espetacular Poema Em Linha Reta, que tomo a liberdade de sugerir a leitura.
Mas o que isso tem a ver com o título do artigo? Pois bem, percebo que a ditadura do sucesso nos torna pessoas extremamente vaidosas. E como disse o Diabo ao Advogado (1997, com direção de Taylor Hackford),
Não admitimos a derrota, e não me refiro ao resultado do processo, mas a derrota do argumento. Queremos ganhar sempre, e, por vezes, fazemos isso no grito, atacando a pessoa e não o argumento que queremos ver preterido pelo júri. Queremos ter razão mesmo quando não temos, e quando temos precisamos mostrá-la, doa a quem doer. Que erro, o nosso!
Advogados, Juízes, Promotores são, por excelência, pessoas vaidosas. Não é só culpa nossa! Aprendemos isso desde muito cedo e somos encorajados constantemente a alimentar essa vaidade. Está impregnado no nosso ser, no nosso DNA, na nossa cultura.
Tenho visto debates acalorados no Tribunal do Júri que extrapolam todos os limites. Por vezes os atores processuais deixam de lado a prova do processo – que é o que realmente importa – para ofender o oponente e alimentar o seu ego sedento por aplausos e admiração. O bate-boca desarrazoado ocupa o lugar que deveria ser do debate inteligente de teses e ideias. Feio! Muito feio!
Nossa missão é sentar ao lado do acusado, independentemente do lugar que nos seja destinado, e buscar fazer a melhor defesa possível. Como sempre refere o meu amigo e colega de banca Rodrigo Grecellé Vares:
Não é necessário dizer que a testemunha é mentirosa quando podemos atacar o testemunho e concluir que, independentemente da idoneidade da testemunha – que não está sendo julgada –, seu testemunho é que não pode ser considerado idôneo. Aliás, isso pode acontecer por vários motivos, entre eles, a falsa memória, por exemplo.
Não é necessário, nem técnico, atacar o oponente ou a sua instituição quando se deve atacar o argumento. Existem diversas formas de demonstrarmos a nossa visão sobre determinado ponto, com educação e elegância. Lembrem-se amigos: somos monges e não escorpiões!
Um aparte (talvez escreverei sobre eles no próximo texto) não precisa ser respondido na mesma frequência. Pode e deve ser amortecido, de modo a transformar, quando possível, o argumento do oponente em um aliado da nossa explanação. Para isso, evidentemente, precisamos ter o domínio completo do processo e da prova produzida. Precisamos, além disso, preparação para agir e nunca reagir.
Acho lindo uma defesa elegante. Foi assistindo advogados com discursos elegantes que decidi seguir essa carreira. Evidentemente que existem momentos em que é necessário um pouco mais de energia, porém, fazê-lo com elegância e educação agrada a todos, principalmente aqueles que são os destinatários da nossa fala.
Um dos mais famosos monólogos da história do teatro, a longa e emocionante fala de Marco Antônio com o cadáver de César nos braços diante de uma multidão enfurecida, nos ensina que a palavra tem um poder inigualável e pode, se utilizada da forma correta, transformar o rumo de uma história (SHAKESPEARE, 2007).
Despir-se do manto da vaidade ao vestir a Beca – ou o traje escolhido, para os menos clássicos – é salutar e pode fazer a diferença. Um dos maiores medos de um vaidoso é dizer que não sabe. Que pena! O “não sei”, quando espontâneo e verdadeiro, aproxima e gera admiração pela simples coragem de abrir o coração. Me socorrendo uma vez mais do ensinamento de Pessoa, na ditadura do sucesso, admitir uma falha é admitir que somos gente! E ser gente gera empatia.
Há diversas formas de vencer um debate, mas, ao meu ver, sem dúvida alguma, a explanação elegante e educada é sempre a mais indicada. Afinal, educação, serenidade, respeito e canja de galinha não fazem mal a ninguém.
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REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. 44 cartas do mundo líquido moderno. Tradução de Vera Pereira. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
PESSOA. Fernando. Obra poética de Fernando Pessoa: volume 2. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.
SHAKESPEARE, William. Júlio César. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2007.
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Ezequiel Vetoretti
Advogado criminalista
Fonte: Canal Ciências Criminais
Não ser bom deveria ser algo mais fácil de ser admitido por nós, mas infelizmente vivemos a ditadura do sucesso, onde todos precisam ser campeões em tudo. Somos incentivados, desde muito cedo – e ao meu ver de forma completamente equivocada – a sermos os melhores. Como na música:
melhores no amor, melhores na dor, melhores em tudo! (Dias Melhores, Jota Quest)
A era da ditadura do sucesso torna as pessoas exibidas, principalmente em suas redes sociais, onde precisam mostrar que são, como esperado e cobrado pela sociedade, um verdadeiro suprassumo. Nessa era, não basta somente gorjear para marcar território e provar a existência (BAUMAN, 2011). É preciso mais, é preciso mostrar que somos fodas!
Surge, então, uma imensidão de postagens de gente vencendo nos Tribunais, absolvendo inocentes e anulando e anulando e anulando decisões mal proferidas. Para quem lê e não é tão foda assim, gera quase que um desespero ao ponto de repensar a carreira, uma vez que se sente um solitário perdedor diante de tantos vencedores. Será que sou o único que perco? Para não enlouquecer nesses momentos de incerteza, me socorro da poesia de Álvaro Campos, heterônimo de Fernando PESSOA (2016), em seu espetacular Poema Em Linha Reta, que tomo a liberdade de sugerir a leitura.
Mas o que isso tem a ver com o título do artigo? Pois bem, percebo que a ditadura do sucesso nos torna pessoas extremamente vaidosas. E como disse o Diabo ao Advogado (1997, com direção de Taylor Hackford),
a vaidade é, definitivamente, seu pecado predileto!
Não admitimos a derrota, e não me refiro ao resultado do processo, mas a derrota do argumento. Queremos ganhar sempre, e, por vezes, fazemos isso no grito, atacando a pessoa e não o argumento que queremos ver preterido pelo júri. Queremos ter razão mesmo quando não temos, e quando temos precisamos mostrá-la, doa a quem doer. Que erro, o nosso!
Advogados, Juízes, Promotores são, por excelência, pessoas vaidosas. Não é só culpa nossa! Aprendemos isso desde muito cedo e somos encorajados constantemente a alimentar essa vaidade. Está impregnado no nosso ser, no nosso DNA, na nossa cultura.
Tenho visto debates acalorados no Tribunal do Júri que extrapolam todos os limites. Por vezes os atores processuais deixam de lado a prova do processo – que é o que realmente importa – para ofender o oponente e alimentar o seu ego sedento por aplausos e admiração. O bate-boca desarrazoado ocupa o lugar que deveria ser do debate inteligente de teses e ideias. Feio! Muito feio!
Elegância no Tribunal do Júri
Mas digo, meus amigos e colegas: há sim espaço para a elegância no Tribunal do Júri! A vaidade e a vontade de vencer o argumento não podem nos tirar do caminho da essência da Advocacia. Somos monges e não escorpiões! Nossa essência é a tolerância e nosso trabalho deve estar sempre pautado no amor. Alguém já disse que julgar, condenar e punir devem ser, essencialmente, atos de amor e não de ódio. Fazer a defesa também!Nossa missão é sentar ao lado do acusado, independentemente do lugar que nos seja destinado, e buscar fazer a melhor defesa possível. Como sempre refere o meu amigo e colega de banca Rodrigo Grecellé Vares:
que seja em um pelego num canto da sala, mas sempre ao lado do réu, porém, ao levantar-se para exercer o seu mister, todos haverão de saber que está com a palavra o Advogado de defesa, que falará em nome do acusado, com educação e elegância.
Não é necessário dizer que a testemunha é mentirosa quando podemos atacar o testemunho e concluir que, independentemente da idoneidade da testemunha – que não está sendo julgada –, seu testemunho é que não pode ser considerado idôneo. Aliás, isso pode acontecer por vários motivos, entre eles, a falsa memória, por exemplo.
Não é necessário, nem técnico, atacar o oponente ou a sua instituição quando se deve atacar o argumento. Existem diversas formas de demonstrarmos a nossa visão sobre determinado ponto, com educação e elegância. Lembrem-se amigos: somos monges e não escorpiões!
Um aparte (talvez escreverei sobre eles no próximo texto) não precisa ser respondido na mesma frequência. Pode e deve ser amortecido, de modo a transformar, quando possível, o argumento do oponente em um aliado da nossa explanação. Para isso, evidentemente, precisamos ter o domínio completo do processo e da prova produzida. Precisamos, além disso, preparação para agir e nunca reagir.
Acho lindo uma defesa elegante. Foi assistindo advogados com discursos elegantes que decidi seguir essa carreira. Evidentemente que existem momentos em que é necessário um pouco mais de energia, porém, fazê-lo com elegância e educação agrada a todos, principalmente aqueles que são os destinatários da nossa fala.
Um dos mais famosos monólogos da história do teatro, a longa e emocionante fala de Marco Antônio com o cadáver de César nos braços diante de uma multidão enfurecida, nos ensina que a palavra tem um poder inigualável e pode, se utilizada da forma correta, transformar o rumo de uma história (SHAKESPEARE, 2007).
Despir-se do manto da vaidade ao vestir a Beca – ou o traje escolhido, para os menos clássicos – é salutar e pode fazer a diferença. Um dos maiores medos de um vaidoso é dizer que não sabe. Que pena! O “não sei”, quando espontâneo e verdadeiro, aproxima e gera admiração pela simples coragem de abrir o coração. Me socorrendo uma vez mais do ensinamento de Pessoa, na ditadura do sucesso, admitir uma falha é admitir que somos gente! E ser gente gera empatia.
Há diversas formas de vencer um debate, mas, ao meu ver, sem dúvida alguma, a explanação elegante e educada é sempre a mais indicada. Afinal, educação, serenidade, respeito e canja de galinha não fazem mal a ninguém.
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REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. 44 cartas do mundo líquido moderno. Tradução de Vera Pereira. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
PESSOA. Fernando. Obra poética de Fernando Pessoa: volume 2. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.
SHAKESPEARE, William. Júlio César. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2007.
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Ezequiel Vetoretti
Advogado criminalista
Fonte: Canal Ciências Criminais
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