Polêmicas da 2ª Fase do XXX Exame de Ordem: Direito Constitucional, Trabalho e Civil

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bit.ly/2PtGaOy | No dia 1º de dezembro de 2019, realizou-se a prova de prática profissional (2ª fase) do XXX Exame de Ordem Unificado, elaborada pela banca FGV, em várias cidades do país. A prova objetiva (1ª fase) do mesmo exame já havia suscitado várias polêmicas, com questão manifestamente plagiada, ensejando múltiplas anulações.

A segunda fase veio então ampliar as críticas, com vários erros em provas de diferentes áreas: direito civil, direito constitucional, direito trabalhista. Após a publicação do gabarito preliminar pela banca, criou-se uma ansiedade geral em torno da possibilidade de anulações e retificações de gabaritos nas matérias acima referidas, sem que a banca tenha se manifestado de forma a reconhecer falhas e dirimir dúvidas.

O objetivo deste post é sintetizar as críticas às provas de segunda fase nas áreas de direito civil, direito do trabalho e direito constitucional, a fim de esclarecer e auxiliar os alunos na fundamentação de seus recursos, caso sejam necessários.

Resultados e recursos

Importante lembrar que a divulgação do resultado preliminar da prova prático-profissional está prevista para o dia 23 de dezembro de 2019 (item 5.2 do edital), e o prazo para interposição recursos é de três dias, começando às 12h do dia 26 de dezembro de 2019, e se finalizando às 12h do dia 29 de dezembro de 2019. Se a OAB/FGV não se manifestar espontaneamente sobre os vários problemas que estão sendo apontados, os alunos prejudicados podem manejar seus recursos nestas datas! Este 1º recurso seria contra o gabarito, sendo que posteriormente ainda é possível apresentar recurso contra o resultado da prova de cada um.

Como fazer seu recurso? (inserir link para https://blog.saraivaaprova.com.br/recurso-na-oab/). O candidato deverá acessar o site da banca examinadora, informar login e senha e procurar pelo “Link de Interposição de Recurso Contra Resultado Preliminar”. A argumentação deve ser respeitosa, específica e objetiva.

Vale lembrar que apenas o candidato tem legitimidade para recorrer.

Caso a banca reconheça o erro e decida anular alguma parte da prova prático-profissional, seja ela uma peça ou uma questão, a integralidade dos pontos correspondentes será atribuída a todos os candidatos, tenham acertado ou não a questão, de acordo com o item 5.9.2 do edital, o que é mais raro de acontecer.

Se mais de uma resposta for aceita para a peça/questão, haverá a avaliação da resposta de todos que responderam, com base nas duas possibilidades. Em caso de alteração do gabarito (item 5.2.3), contudo, a correção das provas se dará com base no gabarito republicado, e aqueles que tinham acertado a questão/peça à luz da resposta preliminar publicada inicialmente não terão direito à pontuação.

Vamos então às provas?

Direito constitucional

Na prova de Constitucional, imediatamente se constatou um erro crasso! No gabarito preliminar da peça profissional, aparecia uma absurda exigência de inserção de valor da causa em recurso. Ora, somente petição inicial tem valor da causa, não recurso! O equívoco era tão inaceitável que a banca prontamente publicou uma retificação.
Mas ainda era necessário mais. Nos termos da live realizada pelos professores Pedro Lenza e Luiz Dellore, este último discorre acerca dos problemas na peça profissional.

A Peça profissional trouxe como gabarito o Recurso Ordinário Constitucional (ROC, previsto tanto na CF quanto no CPC). Porém, considerando a utilização absolutamente inadequada de uma expressão no enunciado, a escolha da peça trouxe dúvidas a muitos candidatos.

O enunciado aponta que se trata de um MS originário no TJ, que foi indeferido de forma colegiada. Com isso, estariam presentes os requisitos para o ROC, a saber: (i) ação constitucional (MS), (ii) originária de tribunal, (iii) acórdão e (iv) decisão denegatória. Exatamente como previsto no CPC, art. 1.027, II, “a” e CF, art. 105, II, “a”.

Se fosse só isso, não haveria dúvida. Mas houve mais... O enunciado informou que a “situação permaneceu inalterada até o exaurimento da instância ordinária”. Essa menção ao exaurimento pode ser lida de mais de uma maneira. E aí o problema do enunciado que, por ser dúbio e mal formulado, induziu inúmero candidatos em erro. Lastimável que isso ocorra numa prova de OAB.

Uma interpretação para a expressão seria que foram opostos embargos de declaração e que o recurso ainda está no TJ. Nesse caso, dúvida não há quanto ao cabimento do ROC, nos termos acima expostos. Mas, se o examinador queria dizer isso, teria sido muito mais adequado falar-se em “embargos de declaração negados” ou “após o prazo de 5 dias” ou algo nesse sentido. Aí, não haveria qualquer debate, inconformismo de alunos e este texto.

Outra interpretação para o “exaurimento da instância ordinária” seria o julgamento do recurso ordinário pelo STJ. Isso porque o ROC existe como uma forma de permitir o duplo grau de jurisdição em ações constitucionais de competência originária de tribunais. Nesse sentido, o ROC está muito mais próximo de uma apelação do que de um REsp/RE. Tanto é assim que não há prequestionamento ou vedação de discussão de matéria fática e, tal qual a apelação, não há admissibilidade na origem (vide CPC, arts. 1.028, caput e § 3º). Nesse contexto, partindo dessa premissa – e o candidato utilizaria o RE, inclusive porque o enunciado aponta violação a dispositivo constitucional.

Portanto, há um enunciado mal formulado que permite mais de uma interpretação. Contudo, somente uma peça foi apontada como correta, até este momento (e, reitere-se, a banca já corrigiu um erro grotesco do valor da causa, logo após a prova).

Existiriam duas soluções para essa situação, em nosso entender:

  • Pura e simples anulação da peça, considerando o enunciado dúbio; ou
  • Aceitação tanto do ROC (nos termos do gabarito original) quanto do RE – por certo, observadas as características próprias desse recurso, como prequestionamento e repercussão geral.

Cabe destacar que existe precedente de a OAB ter aceitado duas peças como corretas, em situação de embargos à execução e embargos de terceiro, sendo que inicialmente apenas uma peça foi entendida como correta.

Esperemos que o bom senso e respeito que faltou quando da elaboração da prova seja ora observado.

Direito do trabalho

Na prova de Trabalho, o professor Gilberto Carlos Maistro Junior destacou na live o problema de uma questão 4, em que a banca confundiu a preliminar e o mérito quanto à matéria de defesa.

Nessa questão, parte-se de narrativa segundo a qual um dirigente sindical (Percival), no curso de seu mandato, teria cometido falta grave. Afirma-se que tal se deu em razão da participação do empregado em greve - sem qualquer excesso ou anormalidade, mas que causou prejuízos financeiros para o empregador.

O empregado, do registro da candidatura a dirigente sindical até, se eleito, um ano após o final do mandato, goza de garantia de emprego, na forma da CF, art. 8º, VIII e da CLT, art. 543 §3º, salvo se cometer falta grave, que deve ser apurada nos termos desta mesma Consolidação (CLT). Quanto à referida apuração, a CLT traz que deve se dar em procedimento judicial, disciplinado nos arts. 853 a 855, que denomina inquérito para apuração de falta grave.

A CLT, no art. 853, fixa, para a propositura desta ação, o prazo de 30 dias, contados da suspensão do empregado prevista no seu art. 494. Considerada a natureza da ação (constitutiva) e o fato da lei fixar prazo para a sua propositura, trata-se de hipótese de decadência, como se encontra no verbete 403 da Súmula do STF.

No caso em tela, o enunciado da questão informa que o empregado sofreu a referida suspensão, mas, que o inquérito foi ajuizado apenas 60 dias depois. Assim, Percival pode alegar, na sua defesa (contestação), a decadência, com fundamento no art. 853 da CLT e na Súmula do STF (403), pois, entre a suspensão do empregado e a propositura da ação (instauração do inquérito judicial), encontra-se período superior a 30 dias.

O item 4-A questionava: “Caso você fosse contratado por Percival para defendê-lo, que instituto jurídico preliminar você apresentaria? (Valor: 0,65)”

A decadência é matéria que, acolhida, conduz à resolução do mérito (sentença atípica de mérito, com fulcro no CPC, art. 487, II). Portanto, não se trata de defesa processual, o que a afasta do grupo de preliminares ao mérito.

Assim, não há instituto jurídico preliminar (defesas processuais, conforme a doutrina em Processo do Trabalho) a ser “apresentado” na contestação de Percival, ao menos a partir das informações transmitidas pelo examinador, no enunciado da questão 4, salvo se considerado que a decadência poderia ser enquadrada em classificação doutrinária que admite, dentre as questões prévias, as chamadas “preliminares de mérito”.

Além disso, no item 4B, o examinador arguiu especificamente acerca de qual tese de mérito poderia ser apresentada em defesa do empregado no inquérito, o que indica que a decadência deveria constar da resposta a este item, e não ao 4A. Se a leitura da questão 4-B remete à tese de mérito e nesse universo está a decadência, não seria possível compreender que o examinador, ao aludir a instituto jurídico preliminar, estivesse se referindo ao mérito.

Com isso, entende-se que a anulação é o caminho mais adequado: ou da questão 4 como um todo, ou, no mínimo, da 4-A com a revisão da resposta aceita para a 4-B, para incluir a menção à decadência ao lado da já mencionada inexistência de falta grave na adesão à greve, cf. entendimento sumulado pelo STF, verbete 316.

Destaque-se que a análise do histórico do Exame de Ordem e das condutas das bancas não indica tendência à anulação de questões. Neste caso, pelo aqui registrado, justifica-se a interposição de recurso pelo candidato prejudicado.

Direito civil

A prova de civil teve problemas em todas as suas partes! Isso foi o que os professores Carla Carvalho e Luiz Dellore expuseram na live e, agora, colocam por escrito.

1. Peça profissional: 

No padrão de resposta a banca inseriu: “Deve ser mencionada a juntada dos seguintes documentos: contrato de compra e venda, documento do veículo [...]”. Contudo, não tendo a banca esclarecido no enunciado a (i) forma (verbal ou escrita) pela qual o contrato de compra e venda do automóvel fora realizado, nem feito (ii) referência a documento do veículo, a exigência do gabarito mostra-se exagerada, esbarrando na proibição trazida no item 3.5.9 do edital, de que o candidato produza “qualquer identificação ou informações além daquelas fornecidas e permitidas nos enunciados contidos no caderno de prova”.

Assim, não seria adequado subtrair pontos dos candidatos, e caso isso ocorra, sugere-se recorrer.

2. Questão 1B:

A questão 1 trata da preterição do direito de preferência, que assiste ao condômino, na aquisição da parte do outro condômino, caso esta seja oferecida a estranhos, com base no art. 504, CC. A pergunta B demanda que o examinando indique o procedimento a ser usado pelo condômino preterido para fazer valer seu direito de preferência.

O gabarito preliminar, contudo, aponta resposta absolutamente incorreta, ao indicar que a ação cabível é uma anulatória, com fundamento em dispositivo sobre nulidade absoluta ou em sentido estrito (art. 166, VII, CC).

A preterição do direito de preferência na aquisição por condômino não constitui hipótese de nulidade, pois (i) não há previsão taxativa pelo legislador como tal (art. 166, VII, CC), bem como (ii) as nulidades não convalescem (art. 169, CC), sendo a fixação do prazo decadencial de 180 dias (art. 504, CC), para o exercício do direito pelo condômino preterido, incompatível com a natureza do vício de nulidade.

Veja-se que o próprio examinador se contradiz afirmando que deve ser manejada ação de anulação – destinada a reconhecimento de hipóteses de anulabilidades ou nulidades relativas – e fundamentando o pedido com base em dispositivo sobre nulidade.

O tema é ainda controverso, pois o legislador não estabeleceu que a preterição do direito de preferência do condômino configura hipótese de invalidade do negócio. A hipótese se aproxima mais do instituto da ineficácia, conforme a melhor doutrina.

Caso a banca não retifique o gabarito para aceitar outras indicações acerca da ação cabível (ação de preempção, de preferência, de adjudicação) e retirar referências a hipóteses de anulação ou nulidade, sugere-se recorrer.

3. Questão 2B:

A questão trata da responsabilidade de fornecedores por fato do produto, em matéria de direito do consumidor, trazendo o item B pergunta que envolve a análise da revelia de um dos fornecedores-réus, e seus efeitos.

Aponta o art. 344, CPC: “Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor”.

Contudo, nem sempre haverá a presunção de veracidade, pois o art. 345, CPC, traz algumas hipóteses em que não se dará o efeito da revelia, dentre as quais, no início: “havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação”. Vale destacar que isso ocorre se o argumento do réu que contestar for pertinente para a defesa do réu que não contestar.

Segundo apontou o gabarito oficial, com base no art. 117, CPC, não seria possível que a defesa de um dos réus beneficiasse o outro (revel), ao argumento de não haver entre os mesmos litisconsórcio unitário.

Insiste-se, contudo, que a resposta correta deve ser buscada no art. 345, CPC, por 2 motivos: (i) as defesas podem ser comuns (não se sabe sobre isso) e (ii) o próprio art. 117, CPC, indica que os atos não podem prejudicar, mas “poderão BENEFICIAR” os outros.
Sendo assim, se a banca não considerar como acertadas as respostas feitas com base no art. 345, CPC, sugere-se recorrer.

4. Questão 3:

A questão 3 foi a grande pérola da prova de civil, pois o enunciado indica que Leonora, mãe de Eliana, 21 anos, ajuizou ação de investigação de paternidade contra o suposto pai de sua filha Jaime.

Ora, as ações de estado, entre as quais se insere a ação de investigação de paternidade, tem como característica serem PERSONALÍSSIMAS, não cabendo o ajuizamento por uma pessoa em nome de outra. O art. 27, ECA, traz a regra específica com relação às ações que visam a obtenção de reconhecimento de estado de filiação (“Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo [...]”).

Não se pode falar que a mãe atua como representante de incapaz, uma vez que Eliana é plenamente capaz, por presunção legal, já que o enunciado não indica hipótese de incapacidade, nem muito menos que tenha sido deferida sua curatela.

Assim, Leonora é parte ilegítima para a propositura da ação, o que vicia todas as análises demandadas nos itens da questão. Nem se afirme que a análise dos itens não tem relação com o vício do enunciado, pois certamente os alunos foram induzidos a erro, procurando apontar na resposta aos itens vícios relacionados à ilegitimidade da parte autora.

Assim, tendo em vista a existência de erro grosseiro no enunciado, capaz de deturpar a análise da questão pelos candidatos, a conduta mais adequada da banca seria a anulação da mesma, com a atribuição a todos da pontuação respectiva (o que, como já dito acima, não é comum de ocorrer, infelizmente). Se a banca não proceder dessa forma, os alunos prejudicados podem fazer seus recursos.

5. Questão 4B:

A questão demanda a análise de que a interrupção do prazo prescricional em virtude do despacho que ordenar a citação (art. 202, I, CC) retroage à data de propositura da ação. Contudo, apesar do gabarito apontar como fundamento legal apenas o art. 802, CPC, que trata especificamente da execução, deve ser admita como fundamentação a indicação do art. 240, §1º, CPC, que traz a mesma regra, em dispositivo que está previsto na parte geral e, assim, aplica-se a todos os processos e procedimentos.

Nesta questão, acredita-se que não será necessário qualquer recurso, uma vez que a tradição da banca em provas anteriores é de aceitar alternativamente a indicação de quaisquer dispositivos que tragam conteúdo semelhante na legislação, mesmo quando não apontados no gabarito preliminar.

Espera-se posicionamento da OAB/FGV

Os vários erros em três provas distintas de segunda fase da OAB poderiam ser evitados com uma simples revisão das provas, algo exigível de uma banca responsável, que pretenda continuar à cargo de uma dos exames mais importantes e com mais candidatos do país. Diante de tantas falhas, a única forma de a instituição se redimir é reconhecê-las, se não com a justa anulação das partes viciadas, pelo menos com a retificação dos gabaritos e ampliação das respostas admissíveis.

Por Profª Carla Carvalho - Saraiva Aprova

1/Comentários

Agradecemos pelo seu comentário!

  1. Não é tão simples assim os erros da peça -profissional de Dirrito Civil na “ correção da FGV”
    A verdade é que gerou sérios problemas na questão da argumentação de mérito no caso “
    Periculum in mora”
    E “ fumus boni iures” foram os requisitos considerados como Corretos , porém é clara a Súmula
    359 do STJ ( exige o dever de indenizar por falta de notificação “
    E ainda pior o Dano é presumido nestes casos , oque está diretamente incoerente com o “ fumus boni iures” que é apenas a probabilidade do direito .
    Assim sendo , como sabemos há explicações a serem dadas , o MPF acaba de entrar com Ação Popular contra as Provas de Direito Constitucional e de Trabalho , no entanto , não sabe-se porque não incluiu a Prova de Direito Civil a qual além da peça , tem a questão 3 letra A com erros crassos e em discordância a Legislação .
    Espero sinceramente que os professores de Direito Civil expliquem detalhadamente as razões para não se acionar a OAB com relação essa peça de Direito Civil tbem .

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