Preciso responder mensagens de trabalho durante as férias ou finais de semana?

bit.ly/32HWFeR | Pergunta do leitor: Na empresa onde trabalho faço parte de grupos de WhatsApp com meus chefes. Nos finais de semana, em períodos após o expediente, ou, ainda, em férias, casos sejam trocadas mensagens que digam respeito ao meu serviço, eu sou obrigado a responder? Ainda, o fato de eu estar conectado em tais grupos me gera algum direito, a exemplo das horas extras? Enfim, quais são as efetivas consequências jurídicas de quem participa desses grupos fora do horário comercial?

Resposta: Com a palavra, a Professora Thassya Prado.

“Se não era para responder, por que mandou o WhatsApp? Mandou a mensagem para qual finalidade? Se não era para responder, deixasse para o dia seguinte. Para que mandar mensagem fora do horário de trabalho? Isso invade a privacidade, a vida privada da pessoa, que tem outras coisas para fazer e vai ficar se preocupando com situações de trabalho fora do seu horário”. O trecho é do acórdão do processo TST-RR-10377-55.2017.5.03.0186, de relatoria do Ministro Alexandre Agra Belmonte.

Nesse sentido, não há nenhuma obrigatoriedade para que o(a) empregado(a) responda mensagens e questionamentos referentes ao seu serviço, afinal, há o direito à desconexão do trabalho que, na ausência de sua fruição, ocasiona o dano existencial. Inclusive, importante destacar a lei francesa de 2017, apelidada de “direito de se desconectar”, que determina que empresas com mais de cinquenta funcionários são obrigadas a elaborar uma carta de boa conduta estabelecendo quais são os horários fora da jornada de trabalho em que será proibido enviar ou responder e-mails e mensagens profissionais.

A falta de regulamentação e bom senso no uso das tecnologias, principalmente em aplicativos de mensagens instantâneas, resulta em uma subordinação contínua e uma disponibilidade diuturna, criando uma “escravidão psicológica”. Na França houve a regulamentação do uso de dispositivos e aplicativos para preservar a saúde humana frente aos novos cenários, evitando o trabalho sem qualquer freio, ou seja, mitigando direitos sociais constitucionalmente assegurados.

No Tribunal Superior do Trabalho já é possível verificar diversas decisões condenando empresas em danos morais por dano existencial e que são resultado da violação do direito à desconexão. Inclusive, já foi tema de destaque nas notícias do Tribunal:

Até que ponto as novas ferramentas de comunicação podem ser usadas para contatar um empregado? O trabalhador pode ser acionado pela empresa habitualmente fora do horário de trabalho? Cobranças via mensagem, ligações ou e-mails não podem atrapalhar o período de folga do servidor. Essa conexão mental sem descanso pode gerar transtornos mentais e prejudicar relações sociais do indivíduo. O direito de desconexão garante que o empregado não fique sobrecarregado e possa executar outras tarefas fora do seu horário de expediente.[1]

O Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, ao julgar um processo sobre danos morais em razão de cobranças por mensagem de celular, afirmou que há evidente “repercussão negativa na esfera moral da trabalhadora, causando-lhe intranquilidade, pressão psicológica, angústia, preocupação, atingindo inclusive sua saúde, decorrente da conduta abusiva da ré ao realizar a cobrança de metas por mensagens de celular fora do horário de trabalho, impedindo, inclusive, o alcance a que se destina o intervalo interjornadas enquanto medida de higiene, saúde e segurança do trabalho pois o descanso ficava comprometido, uma vez que a obreira não se desligava do trabalho”. (AIRR – 10800-98.2013.5.17.0013, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, 12/08/2015, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/08/2015).

Por outro lado, importante destacar que não há que se conceder automaticamente direitos ao funcionário tão-somente por fazer parte de grupo de WhatsApp. No entanto, é de suma importância que o empregador regulamente a utilização e tenha cautela ao conteúdo enviado nos grupos, para não gerar horas extras, dano existencial, ou, até mesmo, assédio moral.

Não pode o empregado ser obrigado a responder mensagens fora do seu horário de expediente. Nas relações do trabalho é necessário ter bom senso. É válido o envio deliberado de mensagens fora do horário de trabalho? Se as mensagens forem recorrentes fora do horário e demandarem tempo do empregado, ele deverá ser remunerado com o pagamento de horas extras. De relevo ressaltar o cuidado no envio de mensagens, conforme afirma o Ministro Maurício Godinho Delgado, a saber:

[…] Há legislação de outros países que pune severamente a comunicação fora do horário de trabalho; no caso, da França. Então, parece-me que por conta dos princípios constitucionais, princípio da privacidade, a pessoa precisa desconectar-se. Sabemos que é difícil desconectar-se de maneira geral. O WhatsApp está ligado sempre. […]. Não é difícil para a empresa estabelecer uma regra de remessa durante o horário padrão do expediente, mesmo que aquele indivíduo trabalhe num horário um pouco diferente, de dia, uma regra civilizada. Então, estou convicto de que, de fato, fere a privacidade porque, obviamente, nenhum empregado é doido em ignorar uma mensagem do seu empregador, só se ele for absolutamente desconectado do mundo real. Então, como aqui está dito que é uma prática […]. Se fosse algo eventual, mas está dito que é uma prática. Acho que é suficiente essa afirmação. (acórdão processo TST-RR-10377-55.2017.5.03.0186, página 06).

Portanto, concluo afirmando que não há nenhuma obrigatoriedade de o funcionário responder às mensagens de celular nos finais de semana, em períodos após o expediente, ou, ainda, em férias. Não há nenhum direito, tão-somente por estar conectado a grupos de WhatsApp. No entanto, a utilização de grupos de mensagens no ambiente corporativo precisa ser regulamentada pelo empregador, sem violação aos direitos e garantias fundamentais.
_____________________________________

Em mais um capítulo de nº 26 do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!” dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a Coordenação Acadêmica do Professor de Direito do Trabalho e Especialista em Relações Trabalhistas e Sindicais, Dr. Ricardo Calcini.

Thassya Prado
Fonte: JOTA

0/Comentários

Agradecemos pelo seu comentário!

Anterior Próxima