bit.ly/3bSfOyC | No processo penal, raros são os institutos que despertam, na mesma proporção, níveis de paixão e ódio tão elevados quanto aqueles observáveis em relação ao Tribunal do Júri.
Tamanha é a importância do instituto em análise que o legislador constituinte cuidou de inseri-lo junto aos Direitos e Garantias Individuais e Coletivos, previstos no art. 5º da CF/88.
O fato é que o “tribunal das lágrimas”, expressão cunhada por um dos maiores tribunos do país, o Dr. Ércio Quarema Firpe, tem por principal característica, embora não se ignore as suas inúmeras falhas, ser um relevante instrumento democrático, vez que permite seja o julgamento feito pelos pares do acusado, ou seja, pelos representantes da mesma sociedade da qual ele faz parte.
O Código de Processo Penal, em seu art. 436, caput, determina ser obrigatório o serviço de júri. O mencionado dispositivo legal também aponta como sendo 18 anos a idade mínima para que o cidadão possa figurar como jurado, superando antiga controvérsia sobre o tema [1].
Objetivando reforçar a já citada feição democrática, prevê o §1º, do art. 436, do CPP, que nenhum cidadão poderá ser excluído dos trabalhos do júri ou deixar de ser alistado por questões de cor, etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou econômica, além da origem ou grau de instrução.
É justamente a partir da expressão sublinhada que surge o questionamento: afinal, o analfabeto pode ou não ser jurado?
Aqui não se ignora o fato de que, lamentavelmente, a prática vem indicando uma certa padronização no perfil dos jurados, quase sempre representados por bancários, servidores públicos e estudantes, o que acaba provocando um distanciamento da essência que se pretende democrática no Júri.
Mas isso não impede que possamos analisar, ao menos no plano teórico, a questão ora apresentada, a qual, por sinal, tem sido pouco explorada pelos nossos autores.
Embora o já destacado §1º, do art. 436, do CPP, tenha natureza bastante inclusiva, buscando afastar qualquer tipo de discriminação apta a interferir na escolha dos jurados, tenho que o dispositivo em análise deve ser analisado com cautela, sobretudo no que concerne à expressão “grau de instrução”.
Isso porque, embora a fase do julgamento em plenário seja marcada pela oralidade, há momentos nos quais a alfabetização do jurado será requisito a ser observado.
Basta analisarmos o teor do parágrafo único do art. 472, do CPP, o qual aponta que, após a exortação (juramento), o jurado “receberá cópias da pronúncia, ou, se for o caso, das decisões posteriores que julgarem admissível a acusação e do relatório do processo”.
Ora, nesse caso, de que adianta o recebimento de tais documentos, se o jurado, sendo analfabeto, será incapaz de compreendê-los?
Se para os jurados que, embora possuam certo grau de instrução, mas são leigos em matéria jurídica, já é difícil realizar uma boa compreensão do processo penal e dos elementos fáticos e técnicos que o integram, quem dirá para aquele que sequer fora alfabetizado.
Além do mais, conforme extraível do art. 487 do CPP, antes de fazer a votação de cada quesito, serão entregues cédulas aos jurados contendo as palavras sim e não.
Assim, se o jurado for incapaz de distinguir o significado de cada uma delas, inúmeras são as chances de uma influência negativa sobre o veredito, o que pode significar uma grande injustiça, tanto a título de condenação quanto de absolvição.
Pode ensejar, também, a própria nulidade do julgamento, dado o alto risco de inobservância da incomunicabilidade ou desrespeito ao sigilo das votações, sobremaneira se o jurado necessitar de auxílio de outra pessoa.
Sobre o tema, perfeitas são as lições do professor Renato Brasileiro de Lima quando diz que a proibição legal de exclusão ou não alistamento de jurado em razão do grau de instrução não pode ser entendida como uma permissão de que o jurado não seja alfabetizado. Segundo aponta o renomado autor, a expressão grau de instrução refere-se à irrelevância de que o jurado tenha o ensino fundamental, médio ou superior completo (2020, p. 1489).
Logo, sendo alfabetizado, não pode ser preterido por ter estudado, por exemplo, somente até o ensino fundamental.
A interpretação que aqui se pretende fazer nada tem de discriminatória. Decorre da própria lógica do sistema do Tribunal do Júri que, conforme anteriormente exposto, é uma garantia do acusado, e também da sociedade, contra o arbítrio do Estado e de seus agentes.
De forma análoga, embora não seja o objeto de análise do presente artigo, há quem sustente que, além dos analfabetos, as proibições constantes no §1º, do art. 436, do CPP, também não englobam as pessoas surdas, mudas, cegas, bem como aquelas desprovidas das faculdades mentais (NUCCI, 2016, p. 754-755). Ou seja, tais indivíduos não podem figurar como jurados.
Mais uma vez, não se trata de discriminação.
Trata-se apenas de uma interpretação à luz da sistemática do procedimento em estudo, o qual, embora marcado pela oralidade, caracteriza-se pela presença de elementos audiovisuais, os quais exigem capturas subjetivas e psíquicas do jurado.
Jurado esse que não pode depender de qualquer auxílio externo, sob pena de comprometer as garantias da incomunicabilidade e do sigilo.
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NOTA
[1] Antes da reforma introduzida pela Lei nº 11.689/2008, a antiga redação do art. 434 do CPP dispunha que somente os maiores de 21 anos poderiam ser alistados como jurados. Discutia-se se o mencionado artigo havia sido revogado em razão das alterações ocasionadas pela promulgação da Lei nº 10.406/2002 (Código Civil), que, em eu artigo 5º, prevê que a maioridade se inicia aos 18 anos. Com as alterações promovidas pela já citada Lei nº11.689/2008, a discussão perdeu relevância, já que o art. 436, caput, do CPP, expressamente menciona a idade de mínima 18 anos para alistamento.
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REFERÊNCIAS
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 8. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.
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Por Victor Emídio Cardoso
Fonte: Canal Ciências Criminais
Tamanha é a importância do instituto em análise que o legislador constituinte cuidou de inseri-lo junto aos Direitos e Garantias Individuais e Coletivos, previstos no art. 5º da CF/88.
O fato é que o “tribunal das lágrimas”, expressão cunhada por um dos maiores tribunos do país, o Dr. Ércio Quarema Firpe, tem por principal característica, embora não se ignore as suas inúmeras falhas, ser um relevante instrumento democrático, vez que permite seja o julgamento feito pelos pares do acusado, ou seja, pelos representantes da mesma sociedade da qual ele faz parte.
O Código de Processo Penal, em seu art. 436, caput, determina ser obrigatório o serviço de júri. O mencionado dispositivo legal também aponta como sendo 18 anos a idade mínima para que o cidadão possa figurar como jurado, superando antiga controvérsia sobre o tema [1].
Objetivando reforçar a já citada feição democrática, prevê o §1º, do art. 436, do CPP, que nenhum cidadão poderá ser excluído dos trabalhos do júri ou deixar de ser alistado por questões de cor, etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou econômica, além da origem ou grau de instrução.
É justamente a partir da expressão sublinhada que surge o questionamento: afinal, o analfabeto pode ou não ser jurado?
Aqui não se ignora o fato de que, lamentavelmente, a prática vem indicando uma certa padronização no perfil dos jurados, quase sempre representados por bancários, servidores públicos e estudantes, o que acaba provocando um distanciamento da essência que se pretende democrática no Júri.
Mas isso não impede que possamos analisar, ao menos no plano teórico, a questão ora apresentada, a qual, por sinal, tem sido pouco explorada pelos nossos autores.
Embora o já destacado §1º, do art. 436, do CPP, tenha natureza bastante inclusiva, buscando afastar qualquer tipo de discriminação apta a interferir na escolha dos jurados, tenho que o dispositivo em análise deve ser analisado com cautela, sobretudo no que concerne à expressão “grau de instrução”.
Isso porque, embora a fase do julgamento em plenário seja marcada pela oralidade, há momentos nos quais a alfabetização do jurado será requisito a ser observado.
Basta analisarmos o teor do parágrafo único do art. 472, do CPP, o qual aponta que, após a exortação (juramento), o jurado “receberá cópias da pronúncia, ou, se for o caso, das decisões posteriores que julgarem admissível a acusação e do relatório do processo”.
Ora, nesse caso, de que adianta o recebimento de tais documentos, se o jurado, sendo analfabeto, será incapaz de compreendê-los?
Se para os jurados que, embora possuam certo grau de instrução, mas são leigos em matéria jurídica, já é difícil realizar uma boa compreensão do processo penal e dos elementos fáticos e técnicos que o integram, quem dirá para aquele que sequer fora alfabetizado.
Além do mais, conforme extraível do art. 487 do CPP, antes de fazer a votação de cada quesito, serão entregues cédulas aos jurados contendo as palavras sim e não.
Assim, se o jurado for incapaz de distinguir o significado de cada uma delas, inúmeras são as chances de uma influência negativa sobre o veredito, o que pode significar uma grande injustiça, tanto a título de condenação quanto de absolvição.
Pode ensejar, também, a própria nulidade do julgamento, dado o alto risco de inobservância da incomunicabilidade ou desrespeito ao sigilo das votações, sobremaneira se o jurado necessitar de auxílio de outra pessoa.
Sobre o tema, perfeitas são as lições do professor Renato Brasileiro de Lima quando diz que a proibição legal de exclusão ou não alistamento de jurado em razão do grau de instrução não pode ser entendida como uma permissão de que o jurado não seja alfabetizado. Segundo aponta o renomado autor, a expressão grau de instrução refere-se à irrelevância de que o jurado tenha o ensino fundamental, médio ou superior completo (2020, p. 1489).
Logo, sendo alfabetizado, não pode ser preterido por ter estudado, por exemplo, somente até o ensino fundamental.
A interpretação que aqui se pretende fazer nada tem de discriminatória. Decorre da própria lógica do sistema do Tribunal do Júri que, conforme anteriormente exposto, é uma garantia do acusado, e também da sociedade, contra o arbítrio do Estado e de seus agentes.
De forma análoga, embora não seja o objeto de análise do presente artigo, há quem sustente que, além dos analfabetos, as proibições constantes no §1º, do art. 436, do CPP, também não englobam as pessoas surdas, mudas, cegas, bem como aquelas desprovidas das faculdades mentais (NUCCI, 2016, p. 754-755). Ou seja, tais indivíduos não podem figurar como jurados.
Mais uma vez, não se trata de discriminação.
Trata-se apenas de uma interpretação à luz da sistemática do procedimento em estudo, o qual, embora marcado pela oralidade, caracteriza-se pela presença de elementos audiovisuais, os quais exigem capturas subjetivas e psíquicas do jurado.
Jurado esse que não pode depender de qualquer auxílio externo, sob pena de comprometer as garantias da incomunicabilidade e do sigilo.
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NOTA
[1] Antes da reforma introduzida pela Lei nº 11.689/2008, a antiga redação do art. 434 do CPP dispunha que somente os maiores de 21 anos poderiam ser alistados como jurados. Discutia-se se o mencionado artigo havia sido revogado em razão das alterações ocasionadas pela promulgação da Lei nº 10.406/2002 (Código Civil), que, em eu artigo 5º, prevê que a maioridade se inicia aos 18 anos. Com as alterações promovidas pela já citada Lei nº11.689/2008, a discussão perdeu relevância, já que o art. 436, caput, do CPP, expressamente menciona a idade de mínima 18 anos para alistamento.
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REFERÊNCIAS
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 8. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.
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