Ineficácia da transação entre as partes em relação aos honorários de sucumbência

ineficacia transacao partes relacao honorarios sucumbencia
bit.ly/2Qp7xsQ | Tem me impressionado, nestes últimos tempos, o elevado número de problemas que decorrem, na praxe forense, do direito à verba honorária advocatícia.

De início, anoto que não há se confundir os (i) honorários contratuais, que são aqueles acertados entre advogado e cliente, com base na autonomia privada, com os (ii) honorários de sucumbência, aqueles que decorrem da condenação da parte vencida (sucumbente) a pagar honorários diretamente ao advogado da parte vencedora.

Vale dizer, a relação entre advogado e cliente gera, no mais das vezes, honorários contratuais, convencionados na esfera da autonomia privada das partes da relação de confiança, enquanto, no âmbito do processo judicial, emerge outra remuneração, atinente aos honorários de sucumbência. Ambas as espécies de honorários, convencionais (ou fixados por arbitramento) e de sucumbência são cumulativos e pertencem ao advogado, como forma de remunerá-lo pelo seu serviço indispensável à administração da Justiça. É o que expressamente dispõe o artigo 85, parágrafo 14: “Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”.

Aduza-se que, nesse particular, o novel diploma processual ratificou, praticamente com todas as letras, as regras dos artigos 23 e 24, parágrafo 4º, do Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/94).

É dizer: uma vez fixados os honorários advocatícios por ato decisório, a titularidade do respectivo crédito constitui direito subjetivo do advogado ou dos advogados beneficiados, que detêm legitimidade ativa para executá-los autonomamente!

Pois bem, com a eclosão da lide, que é um fenômeno metaprocessual, em muitas ocasiões, a parte que se sente prejudicada necessita buscar a satisfação de seu direito pela via jurisdicional.

Todavia, pode ocorrer que, antes ou mesmo após o término normal do respectivo processo, as partes cheguem a um acordo, pondo fim ao objeto litigioso. É certo que a transação, total ou parcial, celebrada entre os litigantes somente pode englobar a matéria concernente ao direito litigioso que constitui objeto do processo.

A autocomposição extrajudicial, pois, sobretudo aquela noticiada nos autos do processo após o trânsito em julgado da sentença, não terá qualquer validade e eficácia se estabelecer concessões atinentes a bens e direitos de terceiros, incluindo-se aí, os próprios advogados da causa. De duas uma: ou estes participam do negócio pactuado entre as partes, admitindo-se inclusive que abram mão da totalidade ou de parcela de seus honorários de sucumbência; ou, então, não participam daquele, e, assim, consequentemente, o negócio lhes é estranho, não podendo projetar quaisquer efeitos sobre o capítulo da sentença que fixou a verba honorária de sucumbência!

Tal conclusão, que pode ser aplicada por analogia à situação vertente, decorre do enunciado do artigo 844 do Código Civil, ao determinar que: “A transação não aproveita, nem prejudica senão aos que nela intervierem...”.

A esse propósito, importante precedente da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao ensejo do julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial n. 837.072/MG, deixou assentado que:

“Ocorrido acordo, ou transação, sem a participação do patrono da causa, a regra do § 2º do art. 26 do Código de Processo Civil [atual art. 90, § 2º, CPC/2015] é afastada, a fim de prevalecer os arts. 23 e 24, § 4º, da Lei n. 8.906/94. Os honorários advocatícios são parcela autônoma, não-pertencente às partes”.

Essa tem sido, com efeito, a orientação que prevalece no Superior Tribunal de Justiça.

Mais recentemente, a 3ª Turma foi instada a examinar questão análoga, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n. 1.819.956/SP. Por maioria de votos (3X2), o recurso foi provido para que a sociedade de advogados prossiga na execução de honorários de sucumbência nos próprios autos da ação de execução, mesmo tendo se verificado a revogação do mandato dos advogados na véspera da celebração de acordo formalizado entre as partes, sendo, portanto, desnecessário o ajuizamento de demanda autônoma.

O acórdão recorrido, do Tribunal de Justiça de São Paulo, havia decidido que, tendo sido revogada a procuração outorgada aos advogados e não havendo menção aos honorários no acordo, caberia a eles ajuizar ação autônoma para cobrá-los. Nas razões recursais, a sociedade de advogados asseverou que a decisão colegiada do tribunal de origem desconsiderou a ineficácia da transação em relação aos honorários sucumbenciais previamente fixados e, consequentemente, a natureza autônoma destes, ao desautorizar a execução, pela sociedade de advogados, nos próprios autos.

Observo que a divergência foi instaurada pelo ministro Marco Aurélio Bellizze, que então passou a ser o relator para o acórdão, ao reconhecer a desnecessidade do ajuizamento de ação autônoma para obter condenação na verba honorária de sucumbência. Vale transcrever o seguinte trecho do julgado:

“O propósito recursal reside em saber se, revogado o mandato dos patronos da parte no curso da ação, é necessário o ajuizamento de ação autônoma para arbitramento de honorários sucumbenciais ou se é possível a execução da verba honorária nos próprios autos da demanda extinta em decorrência da sentença homologatória de transação firmada entre as partes, a qual não dispôs sobre os honorários.
.
É indiscutível o fato de que a jurisprudência desta Corte Superior entende que os honorários fixados no despacho inicial da execução possuem caráter provisório. Contudo, percebe-se que a legislação de regência prevê apenas a majoração desses honorários, não havendo previsão legal para que a aludida verba seja reduzida, salvo no caso de pagamento do débito no prazo de 3 (três) dias, o que não se verifica na espécie.
.
Por conseguinte, ao fixá-los no mínimo de 10% sobre a dívida, o Magistrado de primeiro grau garantiu o recebimento desse valor, no mínimo, exceto se o próprio escritório de advogados tivesse transacionado sobre seu direito, o que não ocorreu, de modo que a referida decisão deve ser considerada um título executivo.
.
Ademais, a transação extrajudicial ocorrida na hipótese se deu para reconhecimento do débito e parcelamento do débito, de maneira que houve sucumbência por parte da devedora, que reconheceu sua dívida e se comprometeu a adimpli-la nos termos do acordo firmado.
.
O pedido de homologação da transação extrajudicial foi protocolado exatamente no dia posterior à revogação do mandato outorgado ao escritório recorrente, e não existiu nenhuma disposição acerca dos honorários no acordo entabulado.
.
Portanto, a decisão inicial que arbitrou os honorários advocatícios pode ser considerada como um título executivo, até mesmo em homenagem ao princípio da instrumentalidade das formas, pois as partes não seriam prejudicadas e o processo atingiria sua finalidade sem o indesejável e excessivo apego ao formalismo”.

Esse significativo precedente, afinado com os ditames da moderna ciência processual, reconheceu, ainda, que: “o negócio jurídico firmado pelos litigantes não pode ser oponível ao patrono que não participou da transação e foi diretamente afetado pelos seus efeitos, a ponto de ter excluído um direito que lhe era próprio”.

Conclui-se, pois, que, diante do caso concreto, acima retratado, a transação celebrada entre as partes, quando já fixados os honorários de sucumbência, é absolutamente ineficaz em relação ao direito subjetivo do advogado, que é considerado terceiro. Assim, nessa condição, não pode sofrer, como é cediço, qualquer prejuízo decorrente de negócio jurídico formalizado inter alios.

José Rogério Cruz e Tucci é sócio do Tucci Advogados Associados; ex-Presidente da AASP; professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP; e membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.
Fonte: Conjur

0/Comentários

Agradecemos pelo seu comentário!

Anterior Próxima