Reconhecimento parcial não é reconhecimento, diz juiz ao absolver réus

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bit.ly/2PkFytO | Não é possível proferir decisão condenatória quando as vítimas de um crime não têm certeza sobre a autoria delitiva. O entendimento é do juiz Anderson José Borges da Mota, da 1ª Vara de Peruibe (SP), ao absolver dois acusados de roubo a residência. A decisão é de 10 de julho.

O crime ocorreu em outubro de 2017, durante uma festa no Jardim Santa Gabriela. Na ocasião, homens armados entraram na casa e roubaram uma série de pertences. Na fuga, eles também levaram um carro.

Quatro vítimas participaram do reconhecimento, que foi feito por foto. Três delas disseram ter reconhecido os supostos criminoso com uma margem de certeza que vai de 50% a 75%. Apenas uma disse ter certeza absoluta sobre os autores.

A decisão não deixa claro, mas no caso da última testemunha o processo para reconhecer os homens se deu primeiro por foto e, posteriormente, de forma presencial, em juízo. Mesmo com o "reconhecimento parcial", o Ministério Público levou em frente a denúncia.

"Para que se sustente o édito condenatório mostra se necessária a existência de certeza probatória quanto à materialidade e autoria delitivas, o que especialmente neste último quesito (autoria), não se mostra ser o caso dos autos", afirma a decisão de julho.

"Algumas das vítimas", prossegue o magistrado, "chegaram, inclusive, a apontar percentuais de certeza no reconhecimento fotográfico realizado, fato que, no sentir deste juízo, corrobora a falta de certeza da autoria delitiva e também coloca em xeque o reconhecimento de uma das vítimas que mencionou ‘ter certeza’ de que os réus tivessem cometido o crime, já que a única prova produzida nos autos foi o reconhecimento fotográfico realizado dias após o evento criminoso".

O juiz ressaltou, por fim, que em casos como esse, deve ser aplicado o princípio in dubio pro reo, em que, na dúvida, o réu deve ser inocentado das acusações.

"Ora, se três vítimas apontaram em seus depoimentos que havia chance de os réus não terem cometido o crime, motivo não há para se dar maior peso ao depoimento daquela que diz ter se recordado dos acusados. Tal entendimento iria em sentido contrário a diretriz principiológica que determina que o Direito Penal deve ser interpretado de modo restritivo por envolver sérias imposições ao direito de liberdade, assegurando-se a presunção de inocência de todo cidadão, conforme previsão constitucional."

Após a decisão, os suspeitos que estavam presos preventivamente foram soltos.

Reconhecimento fotográfico e falsa memória

Andréa Cristina D’Angelo, advogada criminalista e diretora do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), afirma que infelizmente muitas decisões são tomadas apenas com base em reconhecimentos feitos pelas vítimas.

Ela diz, no entanto, que nunca ouviu falar em denúncias baseadas em certeza percentual. A culpa, afirma, obviamente não é da vítima, mas de quem conduz o processo de forma a privilegiar elementos tão fracos.

"Em mais de 20 anos de carreira eu nunca vi alguém reconhecer uma pessoa com 50%, 70% de certeza. Isso é um verdadeiro absurdo, não tem o menor cabimento. Até porque, ou você tem certeza ou não tem de que aquela pessoa cometeu o crime. Embora seja comum haver reconhecimento viciado, não faz sentido conduzir o procedimento com base em dados estatísticos. Esse não é um critério adequado e fere todas as normas constitucionais e de tratados internacionais. Viola os primados da ampla defesa, do contraditório, dignidade da pessoa humana e o devido processo penal", diz.

Ela também explica que o reconhecimento como forma de comprovação é frágil, uma vez que estudos mostram que vítimas de crimes violentos tendem a focar mais na arma do que nas características do autor.

Quando há o reconhecimento fotográfico prévio é pior ainda, pois estimula falsas memórias e aumenta a probabilidade de que a pessoa mantenha a posição de que reconhece o suspeito.

"Há inúmeras decisões do STJ e do STF no sentido de que o reconhecimento fotográfico não é válido, porque fere os princípios da ampla defesa e do contraditório, podendo levar a um grande erro. Com relação ao reconhecimento fotográfico e depois físico, isso não deveria sequer ser aceito, pois pode levar a um reconhecimento totalmente equivocado", afirma.

Ela ressalta, por fim, ser um engano acreditar que a memória humana funciona como uma espécie de máquina fotográfica, registrando lembranças que podem ser acionadas a qualquer momento, sem interferência de ordem externa ou interna. Isso, afirma, não acontece.

Processo 0000070-28.2018.8.26.0441

Por Tiago Angelo
Fonte: Conjur

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