'Não existe justiça', diz pai após júri ser cancelado e acusado de homicídio ser solto porque promotor não quis usar máscara

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bit.ly/3iaNpWS | 'Não existe justiça". A frase foi dita pelo pai de uma vítima que viu um acusado de homicídio ser solto após o julgamento ser cancelado. Isso porque o promotor se recusou a usar máscara de proteção durante a audiência . Por medo, ele não quis se identificar.

Senti que o nosso Brasil tá fracassado pela lei e a justiça. A lei, cadê? não tem!, disse o pai revoltado

Outros quatro julgamentos foram cancelados pelo mesmo motivo, em Araguaína. Um deles era de Alessandro Soares Ribeiro. Ele é acusado de matar Valter Alves Muniz, de 28 anos, na porta de uma loja de conveniência após uma discussão em maio de 2019 e iria a Júri Popular.

Francimar Queirós de Oliveira, que foi detido acusado de matar a ex-companheira no banheiro de um bar, em Santa Fé do Araguaia, também foi liberado.

Os dois acusados estavam presos há cerca de um ano e tiveram o julgamento marcado para o início deste mês junto com outros três casos. Quando as sessões presenciais, que estavam suspensas desde o início da pandemia da Covid-19, foram retomadas a audiência foi cancelada e os dois homens foram colocados em liberdade.

A decisão de cancelar a audiência foi do juiz Francisco Vieira Filho, da 1ª Vara Criminal de Araguaína. Isso porque a o promotor de Justiça Pedro Jainer Passos Clarindo da Silva afirmou que não usaria máscara de proteção.

Questionado, o promotor disse que o item prejudicaria a fala. "Há um prejuízo da comunicação visual e isso é importante porque o uso da oralidade, da comunicação visual como um todo ela é necessária no júri. Eu me propus a retirar a máscara de pano e colocar uma máscara de acrílico, a conhecida face-shield, né?", disse.

Sede do Tribunal de Justiça do Tocantins — Foto: Divulgação

A opção foi recusada pelo juiz Francisco Vieira Filho. Ele alegou que o escudo facial não impede a propagação do coronavírus e citou normas e leis que obrigam o uso da máscara dentro do tribunal.

Depois disso, Alessandro e Francimar foram colocados em liberdade. O magistrado considerou que eles tinham ficado em prisão preventiva por período maior que o razoável. Outros três réus continuaram presos porque já cumpriam pena por outros crimes.

O juiz Francisco Vieira não quis dar entrevista. Procurado, o juiz auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça do Tocantins, Océlio Nobre da Silva, disse que o colega não tinha outra escolha e que "seguiu rigorosamente as normas sanitárias que estão vigentes para esse momento de pandemia".

No dia do julgamento estavam na sala do tribunal o júri do juiz, promotor e advogado de defesa à direita e escrivão à esquerda. Entre cada um deles havia uma cadeira vazia para manter o distanciamento. Seis jurados se dividiram em três fileiras de duas cadeiras e o sétimo sentou numa cadeira à frente. Além do réu, na sala também tinham dois policiais em pé.

A infectologista Rosana Richimann explica que num júri popular com este, o ideal é usar a máscara, que funciona como uma barreira de proteção.

"Durante o júri, você acaba falando num tom mais alto, mais empolgado. Então, a quantidade de partículas que você acaba eliminando durante uma arguição é sem dúvida maior do que quando eu tô numa sala que tão falando mais baixo."

O escudo facial, sugerido pelo promotor, não impede a dispersão de gotículas. "A principal função do face-shield é a proteção dos olhos. Ele tem vantagens, mas nunca usado sozinho", explicou Rosana Richimann.

O promotor Pedro Jainer disse que a decisão tomada por ele antes do julgamento foi debatida. "Muito foi dito de ser uma decisão pessoal do promotor de justiça, né? O que não condiz com a verdade, porque foi uma postura assumida em conversa com o Núcleo Estadual dos Promotores do Júri, Corregedoria Geral e a própria Procuradoria Geral de Justiça", disse.

Suspeito de matar homem durante confusão em festa foi colocado em liberdade — Foto: Reprodução

Ele falou ainda que discorda da soltura dos acusados. "Essa soltura,e não só essa, nós já recorremos. O Ministério Público não concorda com esse tipo de posição do magistrado", afirmou.

Benedicto Guedes, da Corregedoria MP, disse que não concorda com a decisão do juiz em cancelar o julgamento.

"A única arma que o Ministério Público tem nos julgamentos para obter a condenação de réus é a voz do promotor de justiça, que representa a família enlutada. E essa voz ela não pode ser mitigada por qualquer obstáculo, nem mesmo o uso da máscara. Agora, no momento em que o juiz decide por vontade dele, unilateral, soltar o réu, o Ministério Público não pode ser responsabilizado por isso".

O caso foi parar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que na última sexta-feira (25) intimou o juiz Francisco Vieira Filho a prestar informações em 15 dias. No mesmo dia ele remarcou para outubro novos julgamentos dos réus que foram soltos.

O professor de Direito Constitucional, Erival Oliveira acredita que houve falha tanto do promotor, que não quis usar o item necessário para evitar a disseminação da Covid-19, quanto do juiz, que liberou os acusados de homicídio.

"O uso de máscara é imposição legal. Recomendações de órgãos ou portarias não estão acima da lei. O juiz deve ter fundamentado caso a caso a ausência de requisitos da prisão preventiva para liberar o réus, sob a pena de ser investigado na corregedoria e no CNJ. Faltou parcimônia, bom senso. Se todos pudessem ceder um pouquinho, não haveria prejuízo para sociedade".

Os júris no estado estão suspensos até que o protocolo de segurança criado pelo Tribunal de Justiça após a polêmica seja colocado em prática. Os julgamentos devem voltar a acontecer após 15 de outubro.

Por G1 Tocantins
Fonte: g1.globo.com

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