A alegação é de que o cachorro, que aparece na inicial da ação como "autor não-humano", teria sofrido prejuízos físicos e psicológicos decorrentes de mau atendimento em uma sessão de banho. Enquanto estava sob os cuidados da pet, teria tido uma fratura no maxilar, que o fez precisar de duas cirurgias e da colocação de uma placa metálica com parafusos. Ainda assim, o cão ficou com sequelas.
A possibilidade de Boss ser autor do processo foi negada em 1º grau. Rogério Santos Rammê, advogado que representa Boss e o casal tutor do animal, recorreu ao TJ, pedindo também assistência judiciária gratuita para os autores. O julgamento foi encerrado essa semana pela 9ª Câmara Cível do TJ, que negou que o cachorro tenha capacidade processual. O advogado, que pediu que as pessoas envolvidas na causa não fossem identificadas, estuda possíveis recursos. A assistência judiciária gratuita foi deferida.
O pedido de Boss teve como base lei estadual que define animais como sujeitos de direitos. Ao negar que o animal figure como autor da ação, o desembargador Carlos Eduardo Richinitti, relator do processo no TJ, explicou: "Embora a legislação brasileira reconheça os animais como sujeitos de direitos, na medida em que lhes garante uma vida digna e sem maus tratos, e a legislação estadual acima citada ainda expressamente conceba os animais de estimação como seres sencientes, de natureza jurídica sui generis, vedando o seu tratamento como coisa e garantindo-lhes a tutela jurisdicional, também elucidou que eles são sujeitos de direitos despersonificados. E a ausência de personalidade impede, ao menos no âmbito do direito processual civil, que esses sujeitos de direito figurem como parte em ações judiciais".
O magistrado também destacou que o Código de Processo Civil "é bem claro ao estabelecer quem pode ser parte nas ações civis: toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo. Ora, os animais não são pessoas, nem naturais nem jurídicas, na atual concepção legislativa vigente no país". Por fim, o relator registrou a importância de que mecanismos de proteção aos animais sejam fortalecidos:
— Entendo que devemos caminhar para algo mais avançado e que efetivamente alcance aos animais uma maior proteção, inclusive no âmbito da capacidade postulatória judicial por representação. Animais com sentimentos, em especial de dor, não podem continuar a serem tratados como coisas, servindo apenas aos interesses humanos, na maioria das vezes sem sequer considerar o sofrimento do animal. Tal situação, contudo, na medida em que envolve matéria processual, deve ser objeto de deliberação legislativa federal, acompanhada da necessária evolução do ser humano, que desde sempre tratou como coisa servil, seres vivos que sentem pelo descaso, pela desumanidade, pela exploração econômica, pela insensibilidade da raça - dita racional - dos humanos.
Para o advogado que representa Boss e seus tutores, a decisão é histórica:
— Inegavelmente, é um julgado histórico. Particularmente, discordo da decisão por entender que, quando o ordenamento jurídico reconhece a quem quer que seja a condição de sujeito de direitos, não se pode negar a esse sujeito, seja humano, seja não-humano, o acesso à jurisdição e a capacidade de ser parte. O processo não pode ser uma barreira para a tutela de direitos. Contudo, mesmo com a exclusão do Boss como parte do processo, existem efeitos bastante positivos desse julgado para o Direito Animal. Em especial, o reconhecimento expresso dos julgadores da condição dos animais como sujeitos de direitos. Trata-se de um julgado que, certamente, pela sua fundamentação, contribui para a elevação do estatuto jurídico dos animais em nosso ordenamento. Agora pode-se afirmar que o TJRS reconhece que os animais são sujeitos de direitos.
Se não houver modificação da decisão do TJ, depois de eventuais recursos, a ação contra a pet shop será julgada no 1º grau tendo os tutores de Boss como autores do processo. Conforme o advogado, o que mudaria no caso do cachorro ser aceito com um dos autores é que a indenização, se o animal ganhar a causa, não vai para o tutor, para uma ONG ou para um fundo qualquer.
Ainda que administrado pelo tutor do animal, o dinheiro tem que ser usado para custear seu tratamento, sua subsistência e a reparação de seus direitos fundamentais violados. Neste caso, o administrador terá que prestar contas à Justiça da utilização da renda em prol exclusivamente da vítima não-humana.
Adriana Irion
Fonte: gauchazh.clicrbs.com.br
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