Diferenças entre crimes impossível e putativo

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bit.ly/3lkeSsj | Muito se confunde a respeito das diversas categorias doutrinariamente atribuídas a algumas espécies de crimes, como no caso dos crimes impossível e putativo. A classificação será útil para apontar a natureza jurídica do tipo penal, facilitando ao intérprete conhecer os vários aspectos que lhe são relevantes1.

Didaticamente, o estudo da classificação doutrinária dos crimes precede ao dos crimes em espécie, mais propriamente quando do estudo da teoria geral do delito.

Crimes impossível e putativo

Por haver algumas categorias muito próximas umas das outras, a confusão instala-se rapidamente. Por isso, nesse espaço, decidimos tratar de duas dessas categorias (crime impossível e crime putativo), abordando-se-lhes os aspectos distintivos.

Crime Impossível (quase-crime, tentativa inadequada, inidônea ou impossível)

O art. 17, do Código Penal (CP), prevê o crime impossível nos seguintes termos: “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”.

O crime impossível ocorre quando o meio de execução eleito pelo agente é absolutamente ineficaz para a causação do resultado, ou o objeto material sobre o qual recai a conduta do agente é absolutamente impróprio, inadequado, para o bem jurídico sofrer lesão ou perigo de lesão. Em um e outro caso, não há falar em crime, porque ele é infactível, seja de uma forma (ineficácia absoluta do meio), seja de outra (por absoluta impropriedade do objeto).

Trata-se de causa de exclusão da tipicidade, “eis que o fato praticado pelo agente não se enquadra em nenhum tipo penal”2. O crime impossível difere da tentativa, porque nesta o bem jurídico está efetivamente sob ataque ou ameaça, já que o meio empregado é eficaz para alcançar o resultado, bem como o objeto material é próprio para sofrer lesão ou perigo de lesão, não se consumando o delito por circunstâncias alheias à vontade do agente (CP, art. 14, II). Portanto, no crime impossível, a consumação é inviável por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, não estando o bem jurídico sob ataque ou sob perigo de lesão.

À vista do art. 17, do CP, extraem-se duas espécies de crime impossível:

a. Crime impossível por ineficácia absoluta do meio: nesse caso, para Masson, “dá-se a ineficácia absoluta quando o meio de execução utilizado pelo agente é, por sua natureza ou essência, incapaz de produzir o resultado”3.

b. Crime impossível por impropriedade absoluta do objeto: trata-se de objeto material (pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta do agente) que não tem qualquer aptidão inata para sofrer um ataque ou perigo de lesão.

Em outras palavras, na tentativa inidônea (crime impossível), há “uma completa falta de possibilidade de ocorrência do evento pretendido pelo agente”, não havendo potencial lesivo para o resultado4. A inidoneidade é aferida casuisticamente, após a prática da conduta do agente5. Se a tentativa for idônea a provocar lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora, não se consumando o crime por circunstâncias alheias à vontade do agente, este será punível, nos termos do art. 14, inciso II, do CP. No mesmo sentido lógico, quando o meio de execução é relativamente ineficaz ou quando o objeto material foi relativamente impróprio.

A Súmula 145, do Supremo Tribunal Federal (STF), aborda o crime impossível, nos seguintes termos, ao tratar sobre o flagrante preparado ou provocado: “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. O flagrante preparado (ou provocado) consiste naquele em que o agente provocador (autoridade policial, vítima ou terceiro) induz o sujeito a cometer o delito, porém cuida para que o resultado não ocorra. Trata-se de espécie um crime impossível, portanto, impunível a tentativa.

Já o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu na Súmula 567 que “Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior do estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto”. Trata-se de tentativa idônea, que põe em perigo de lesão o patrimônio do estabelecimento.

Crime Putativo

No delito putativo, o agente pratica a conduta pensando estar violando a lei penal, imaginando estar cometendo um delito, quando, na verdade, o fato não é formalmente típico (crime putativo por erro de proibição). Ou, imagina estar cometendo um delito, quando, na verdade, inocorrem os elementos da figura típica (crime putativo por erro de fato). Segundo Greco, “o agente almeja praticar uma infração que não encontra moldura em nossa legislação. O fato por ele praticado é atípico. É considerado, portanto, um indiferente penal”6.

Há três espécies de crime putativo (também chamado de imaginário ou erroneamente suposto):

a. Crime putativo por erro de tipo: o equívoco recai sobre os elementos constitutivos do tipo penal, tornando o crime atípico.

b. Crime putativo por erro de proibição: o equívoco recai sobre a ilicitude do fato, ou seja, o agente imagina estar praticando um delito quando, na verdade, o fato é atípico.

c. Crime putativo por obra do agente provocador (também chamado de crime de ensaio ou de experiência: acima explanado, ao se comentar sobre a Súmula nº 145, do STF.

Vamos aos exemplos e contraexemplos, para melhor fixação das lições:

a. Crime impossível por ineficácia absoluta do meio: O STJ apreciou caso7 em que o tribunal de origem afastou a tese de crime impossível pela ineficácia absoluta do meio ante o fato de o veículo estar com a bateria descarregada e sem combustível e os recorrentes foram localizados empurrando a res a três quadras da casa da vítima.

b. Crime impossível por absoluta impropriedade do objeto: Noutro feito, o tribunal da cidadania entendeu que “somente haverá crime impossível no crime de falso, por absoluta impropriedade do objeto material, quando a contrafação for a tal ponto grosseira que não seja apta a ludibriar a atenção de terceiros”8.

c. Crime putativo por erro de tipo: O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a absolvição9 em caso em que o agente ofereceu vantagem para que policiais militares não o prendessem em flagrante delito, não estando este em situação flagrancial, por entender que se o funcionário público não tem atribuição para a prática do ato, não há como corrompê-lo para não praticá-lo.

d. Crime putativo por erro de proibição (exemplo apresentado por Luiz Flávio Gomes)10: o sujeito pensa que no Brasil pune-se o incesto e pratica atos sexuais com a filha de vinte e cinco anos, sem constrangimento ou violência. Como incesto é fato atípico no país, trata-se de delito putativo por erro de proibição.

e. Crime putativo por obra do agente provocador: O STJ, em outro julgado11, considerou putativo o crime em que a intervenção do agente provocador, após ser instruído por outros agentes de polícia, sendo inclusive munido de gravador sob suas vestes, denotou patente ato de indução, hábil a configurar a hipótese como sendo de flagrante provocado.

1 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 18 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2016, p. 305.

2 MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado – Parte geral. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011, p. 354.

3 Idem, p. 356.

4 MARTINELLI, João Paulo Orsini; BEM, Leonardo Schmitt de. Lições fundamentais de direito penal: parte geral. 4 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 599.

5 MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado – Parte geral. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011, p. 357.

6 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 18 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2016, p. 398.

7 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no HC nº 586198, Sexta Turma. Relator: Rel. Ministro Nefi Cordeiro. Brasília, DF, 08 de setembro de 2020. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 14 set. 2020. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp. Acesso em: 15 fev. 2021.

8 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 417.383/SP. Relator: Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. Brasília, DF, 12 de dezembro de 2017. Diário de Justiça Eletrônico. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp. Acesso em: 15 fev. 2021.

9 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Criminal nº 0062313-51.2017.8.26.0050, 7ª Câmara de Direito Criminal; Foro Central Criminal Barra Funda – 29ª Vara Criminal. Relator: Rel. Des. Alberto Anderson Filho. São Paulo, SP, 18 de julho de 2018. São Paulo, 27 jul. 2018. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do;jsessionid=D220771664432A5C99F6BAB559EE2C8C.cjsg2. Acesso em: 15 fev. 2021.

10 GOMES, Luiz Flávio. O que é delito putativo? 2015. Jus Brasil. Disponível em: https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/315461805/o-que-e-delito-putativo#:~:text=(b)%20por%20erro%20de%20proibi%C3%A7%C3%A3o%3A%20tamb%C3%A9m%20existe%20crime%20putativo,Esse%20fato%20%C3%A9%20at%C3%ADpico.. Acesso em: 15 fev. 2021.

11 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 369.178. Relator: Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Rel. p/ Acórdão Ministro Antonio Saldanha Palheiro. Brasília, DF, 13 de dezembro de 2016. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 16 fev. 2017. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp. Acesso em: 15 fev. 2021.
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Por Camila Maués dos Santos Flausino
Pedro Ganem

Redator do Canal Ciências Criminais
Fonte: Canal Ciências Criminais

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