Cabe prisão em flagrante por indícios de falso testemunho em CPI?

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A prisão em flagrante de Roberto Dias na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID, no dia 07 de julho de 2021, além de provocar um aparente início de crise institucional no Brasil, estimulou o debate sobre a possibilidade de prisão em flagrante por indícios de crime de falso testemunho em CPI.

Incialmente, necessário observar que o art. 1º da Lei 1.579/52 sofreu alteração dada pela Lei 13.367/16, a qual atribuiu “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” à CPI. Ademais, em seu art. 2ª, manteve-se o poder de “ouvir os indiciados” e “inquirir testemunhas sob compromisso”. Além disso, encontra-se no art. 4ª, II, da norma, a infração de “fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, tradutor ou intérprete, perante a Comissão Parlamentar de Inquérito”.

A Lei 1.579/52 ainda aduz que as penas do seu art. 4ª, II, são as mesmas do crime de falso testemunho, do art. 342, do Código Penal (CP), ou seja, a reclusão, de dois a quatro anos, e multa. A pena nos remete diretamente à necessidade e adequação das medidas do Título IX, do Código de Processo Penal (CPP), expostas nos arts. 282, I e II.

Avaliando tais requisitos, vê-se que o sentido da norma gira em torno da proteção das informações processuais e seu destino final de resolução (assegurar a “instrução criminal e “aplicação da lei penal”) e características que o autor oferece ao mundo externo (“gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado”).

Necessário ainda lembrar que a imprescindibilidade da medida extrema às investigações criminais em curso também é pressuposto da prisão temporária (art. 1º, I, da Lei 7.960/89), aliado a rol taxativo de crimes graves (onde não se encontra o falso testemunho).

Tais argumentos se repetem nos requisitos e pressupostos da prisão preventiva (art. 312, do CPP), a qual, no Brasil, é uma das opções do Magistrado diante do auto de prisão em flagrante (art. 310, II, do CPP) e que poderá ser escolhida em relação aos crimes dolosos com pena máxima superior a quatro anos (ressalvados os demais fundamentos do 313, do CPP).

Sendo assim, considerando a pena máxima do crime de falso testemunho e, além disso, a necessidade e adequação às medidas cautelares, a conversão em preventiva do flagrante em CPI dificilmente seria cabível em relação à infração. Mas a prisão em flagrante é medida cautelar no mesmo sentido da prisão preventiva e temporária?

Entendemos que não. Considerando o curso das conversões de medidas, a prisão em flagrante ocorre quando “qualquer do povo” (presidente da CPI ou não) encontra alguém “em flagrante delito” (arts. 301, 302 e 303, do CPP) e, como visto, após a avaliação da autoridade competente, a mesma entenderá pela permanência do encarceramento ou não.

Porém, a prisão em flagrante encontra-se incluída no Capítulo II, do Título IX, do CPP, podendo ser entendido que a avalição da necessidade e adequação da prisão também se aplicariam às situações de flagrância.

Obviamente, a presunção de inocência se faz presente, já que a comprovação dos fatos não se confunde com o flagrante ou com quaisquer das prisões cautelares, e sim será objeto de processo judicial iniciado com o recebimento da denúncia do Ministério Público pelo Juiz, quando não presentes as hipóteses do art. 395, do CPP.

Nesse contexto, seria adequada e necessária essa modalidade de prisão em relação a suspeita de falso testemunho em CPI? Como mencionado, a CPI tem finalidade de investigação, com poderes de apuração de fatos (inclusive “próprios de autoridades judiciais”) e, como em demais procedimentos investigatórios, a prisão pode apresentar-se como mecanismo de proteção do próprio instituto.

Em caso de afirmações falsas em CPI, principalmente quando reiteradas, a apuração em curso poderá ser seriamente prejudicada e, além disso, a credibilidade do funcionamento das Comissões Parlamentares de Inquérito pode ser afetada, atingindo as investigações futuras.

Porém, desconsiderando que se aplica ao flagrante o exposto no art. 282, I e II do CPP, ainda assim a medida seria cabível em seu entendimento puro de cárcere diante das situações dos arts. 302 e 303, do CPP. De qualquer modo, o relatório acerca das infrações analisadas será remetido ao Ministério Público ou à Advocacia Geral da União (art. 6º-A, da Lei 1.579/52).

Na prática, quando se analisa os vários caminhos do procedimento no cenário do falso testemunho, o auto de prisão deve ser levado à autoridade judiciária em vinte e quatro horas (art. 306, §1º, do CPP), quando o Juiz poderá converter o flagrante em preventiva, se o flagranteado já tiver sido condenado por crime doloso (art. 313, II, do CPP). Outras possibilidades improváveis são a dúvida sobre a identidade do investigado ou a existência de violência doméstica e familiar (art. 313, III e §único, do CPP).

Em todas essas hipóteses, ainda devem ser analisados todos os requisitos e pressupostos da prisão preventiva no art. 312, do CPP.

Pelo exposto, nos parece que a prisão em flagrante em CPI por indício de falso testemunho só poderia tornar-se instrumento inibidor de mentiras se houvesse alteração da pena máxima do crime no art. 4ª, II, da Lei 1.579/52 ou do art. 342, do CP, a aumentando em duração superior a quatro anos; ressalvada essa hipótese, os investigados dificilmente permanecerão presos.

Contudo, no caso específico da prisão em flagrante de Roberto Dias, o flagranteado se apresenta não só como testemunha, mas também como provável “implicado no suposto esquema de corrupção de vacinas”.

Dessa forma, afastada a imparcialidade testemunhal, aplica-se o princípio nemo tenetur se detegere (que alcança o art. 5º, LXIII, da Constituição Federal, o art. 186, do CPP, e art. 8º, 2, g, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, promulgada pelo Decreto 678/92), desobrigando Dias a produzir provas contra si.

Outrossim, o assunto nos leva ao questionamento sobre a necessidade da prisão em flagrante como instrumento de inibição do crime. Por qual razão desejamos o cárcere pré-julgamento, se a responsabilização penal decorrente de condenação posterior por falso testemunho ainda seria possível e, independente do flagrante, carregaria uma forte capacidade coercitiva, sobretudo em relação à aplicação da multa e penas alternativas (arts. 44 ao 48, do CP)?
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REFERÊNCIAS

MACHADO, Leandro; IDOETA, Paula Adamo; GRAGNANI, Juliana.“CPI da Covid: o que acontece com Roberto Dias, que pagou fiança após ter sido preso na CPI da Covid”. BBC BRASIL, 07 de julho de 2021. Disponível aqui. Acesso em: 09 de julho de 2021.
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Lucas Maia Carvalho Muniz
Especialista em Ciências Criminais pela Faculdade Baiana de Direito. Bacharel em Direito pela Faculdade Ruy Barbosa. Advogado.
Fonte: Canal Ciências Criminais

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