Incialmente, necessário observar que o art. 1º da Lei 1.579/52 sofreu alteração dada pela Lei 13.367/16, a qual atribuiu “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” à CPI. Ademais, em seu art. 2ª, manteve-se o poder de “ouvir os indiciados” e “inquirir testemunhas sob compromisso”. Além disso, encontra-se no art. 4ª, II, da norma, a infração de “fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, tradutor ou intérprete, perante a Comissão Parlamentar de Inquérito”.
A Lei 1.579/52 ainda aduz que as penas do seu art. 4ª, II, são as mesmas do crime de falso testemunho, do art. 342, do Código Penal (CP), ou seja, a reclusão, de dois a quatro anos, e multa. A pena nos remete diretamente à necessidade e adequação das medidas do Título IX, do Código de Processo Penal (CPP), expostas nos arts. 282, I e II.
Avaliando tais requisitos, vê-se que o sentido da norma gira em torno da proteção das informações processuais e seu destino final de resolução (assegurar a “instrução criminal e “aplicação da lei penal”) e características que o autor oferece ao mundo externo (“gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado”).
Necessário ainda lembrar que a imprescindibilidade da medida extrema às investigações criminais em curso também é pressuposto da prisão temporária (art. 1º, I, da Lei 7.960/89), aliado a rol taxativo de crimes graves (onde não se encontra o falso testemunho).
Tais argumentos se repetem nos requisitos e pressupostos da prisão preventiva (art. 312, do CPP), a qual, no Brasil, é uma das opções do Magistrado diante do auto de prisão em flagrante (art. 310, II, do CPP) e que poderá ser escolhida em relação aos crimes dolosos com pena máxima superior a quatro anos (ressalvados os demais fundamentos do 313, do CPP).
Sendo assim, considerando a pena máxima do crime de falso testemunho e, além disso, a necessidade e adequação às medidas cautelares, a conversão em preventiva do flagrante em CPI dificilmente seria cabível em relação à infração. Mas a prisão em flagrante é medida cautelar no mesmo sentido da prisão preventiva e temporária?
Entendemos que não. Considerando o curso das conversões de medidas, a prisão em flagrante ocorre quando “qualquer do povo” (presidente da CPI ou não) encontra alguém “em flagrante delito” (arts. 301, 302 e 303, do CPP) e, como visto, após a avaliação da autoridade competente, a mesma entenderá pela permanência do encarceramento ou não.
Porém, a prisão em flagrante encontra-se incluída no Capítulo II, do Título IX, do CPP, podendo ser entendido que a avalição da necessidade e adequação da prisão também se aplicariam às situações de flagrância.
Obviamente, a presunção de inocência se faz presente, já que a comprovação dos fatos não se confunde com o flagrante ou com quaisquer das prisões cautelares, e sim será objeto de processo judicial iniciado com o recebimento da denúncia do Ministério Público pelo Juiz, quando não presentes as hipóteses do art. 395, do CPP.
Nesse contexto, seria adequada e necessária essa modalidade de prisão em relação a suspeita de falso testemunho em CPI? Como mencionado, a CPI tem finalidade de investigação, com poderes de apuração de fatos (inclusive “próprios de autoridades judiciais”) e, como em demais procedimentos investigatórios, a prisão pode apresentar-se como mecanismo de proteção do próprio instituto.
Em caso de afirmações falsas em CPI, principalmente quando reiteradas, a apuração em curso poderá ser seriamente prejudicada e, além disso, a credibilidade do funcionamento das Comissões Parlamentares de Inquérito pode ser afetada, atingindo as investigações futuras.
Porém, desconsiderando que se aplica ao flagrante o exposto no art. 282, I e II do CPP, ainda assim a medida seria cabível em seu entendimento puro de cárcere diante das situações dos arts. 302 e 303, do CPP. De qualquer modo, o relatório acerca das infrações analisadas será remetido ao Ministério Público ou à Advocacia Geral da União (art. 6º-A, da Lei 1.579/52).
Na prática, quando se analisa os vários caminhos do procedimento no cenário do falso testemunho, o auto de prisão deve ser levado à autoridade judiciária em vinte e quatro horas (art. 306, §1º, do CPP), quando o Juiz poderá converter o flagrante em preventiva, se o flagranteado já tiver sido condenado por crime doloso (art. 313, II, do CPP). Outras possibilidades improváveis são a dúvida sobre a identidade do investigado ou a existência de violência doméstica e familiar (art. 313, III e §único, do CPP).
Em todas essas hipóteses, ainda devem ser analisados todos os requisitos e pressupostos da prisão preventiva no art. 312, do CPP.
Pelo exposto, nos parece que a prisão em flagrante em CPI por indício de falso testemunho só poderia tornar-se instrumento inibidor de mentiras se houvesse alteração da pena máxima do crime no art. 4ª, II, da Lei 1.579/52 ou do art. 342, do CP, a aumentando em duração superior a quatro anos; ressalvada essa hipótese, os investigados dificilmente permanecerão presos.
Contudo, no caso específico da prisão em flagrante de Roberto Dias, o flagranteado se apresenta não só como testemunha, mas também como provável “implicado no suposto esquema de corrupção de vacinas”.
Dessa forma, afastada a imparcialidade testemunhal, aplica-se o princípio nemo tenetur se detegere (que alcança o art. 5º, LXIII, da Constituição Federal, o art. 186, do CPP, e art. 8º, 2, g, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, promulgada pelo Decreto 678/92), desobrigando Dias a produzir provas contra si.
Outrossim, o assunto nos leva ao questionamento sobre a necessidade da prisão em flagrante como instrumento de inibição do crime. Por qual razão desejamos o cárcere pré-julgamento, se a responsabilização penal decorrente de condenação posterior por falso testemunho ainda seria possível e, independente do flagrante, carregaria uma forte capacidade coercitiva, sobretudo em relação à aplicação da multa e penas alternativas (arts. 44 ao 48, do CP)?
_________________________________________
REFERÊNCIAS
MACHADO, Leandro; IDOETA, Paula Adamo; GRAGNANI, Juliana.“CPI da Covid: o que acontece com Roberto Dias, que pagou fiança após ter sido preso na CPI da Covid”. BBC BRASIL, 07 de julho de 2021. Disponível aqui. Acesso em: 09 de julho de 2021.
_________________________________________
Lucas Maia Carvalho Muniz
Especialista em Ciências Criminais pela Faculdade Baiana de Direito. Bacharel em Direito pela Faculdade Ruy Barbosa. Advogado.
Fonte: Canal Ciências Criminais
Postar um comentário
Agradecemos pelo seu comentário!