O INSS pode mudar de ideia depois de conceder uma aposentadoria?

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Saiba qual o prazo decadencial para o INSS rever atos de concessão de benefícios e aprenda como fazer a contagem, de acordo com a lei e o STJ (Tema 214).

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1) Introdução

Prescrição e decadência sempre são temas polêmicos em todas as áreas do Direito.  

Especificamente com relação ao Direito Previdenciário (que é nosso principal foco aqui no blog), percebo que não só apenas os estudantes, como muitos colegas advogados, possuem várias dúvidas relacionadas à matéria! 🤔

Já publiquei um artigo sobre a prescrição previdenciária (que é o prazo para o beneficiário cobrar valores do INSS) e outros dois sobre a decadência previdenciária: um falando sobre  a decadência para pedir a revisão do ato de indeferimento do INSS (ato negativo) e um sobre o prazo decadencial para entrar com ação previdenciária (ato positivo).

🤓 Aliás, se você ainda tem dúvidas sobre o tema, saiba que esses três artigos são de leitura obrigatória!

Porém, eu ainda não tinha publicado nada sobre a decadência que corre contra o INSS (sim, não são só os segurados e beneficiários que sofrem os efeitos do transcurso do tempo). ⏱️

Por isso, decidi dedicar o artigo de hoje a falar exclusivamente sobre o prazo decadencial para o INSS rever seus atos de concessão de aposentadorias e benefícios!

Vamos lá?

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2) O INSS pode mudar de ideia depois de conceder uma aposentadoria?

Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que a concessão de uma aposentadoria ou benefício é um ato administrativo da autarquia previdenciária (INSS). 

Caso não se lembre, estudamos essa matéria lá no Direito Administrativo e aprendemos que a administração pública pode sim anular seus atos, desde que haja um motivo que justifique essa anulação e esteja dentro do prazo legal

Desse modo, como o INSS é um órgão da administração pública, ele pode rever seus atos administrativos e “mudar de ideia” depois de conceder uma aposentadoria ou qualquer outro tipo de benefício. 🤯

⚠️ Porém, isso deve ser feito necessariamente dentro de um prazo estabelecido em lei, salvo se comprovada a má-fé do segurado ou beneficiário (caso em que o ato pode ser revisto a qualquer tempo e o segurado terá que devolver de uma única vez as quantias recebidas). 

Essas disposições estão previstas nos art. 103-A e art. 115, parágrafo único, da Lei n. 8.213/1991, e no art. 154, §2º do Decreto n. 3.048/1999. 

“Nossa Alê, mas quais seriam esses motivos que justificam a revisão do ato pelo INSS?”

😖 Então, não existe uma lista com um rol taxativo contendo todas as hipóteses que justificam a revisão do ato (seja por erro do próprio INSS ou má-fé do segurado). Acredito que tudo dependerá de uma análise do caso concreto. 

Porém, apenas a título de exemplo, podemos citar aqueles casos de erro do INSS em que a autarquia não analisou bem um determinado documento e, posteriormente, em uma análise mais atenta, identificou que o segurado não tinha cumprido os requisitos para se aposentar. 

Ou então, como exemplo de má-fé, podemos pensar na situação em que, por um problema no sistema do INSS, um segurado sem filhos passa a receber auxílio-natalidade e se omite quanto a isso, usufruindo do dinheiro sabendo que não faria jus a tal benefício. 

No tópico 4, eu trago mais exemplos sobre isso. 

Agora, creio que mais importante do que conhecer os motivos que justificam a revisão, é você saber qual é o prazo para o INSS rever seus atos administrativos e como deve ser feita essa contagem! 😁

3) Prazo decadencial para o INSS rever seus atos: pau que bate em Chico, bate em Francisco

Explicando de uma forma simples, decadência é a extinção de um direito em razão de não ter sido exercido dentro do prazo estabelecido em lei (lapso temporal). ⏳

Com relação ao direito previdenciário, a decadência é tratada na Lei n. 8.213/1991, em seu art. 103, que fala da decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário, e no seu art. 103-A, que disciplina a decadência para o INSS anular seus próprios atos administrativos que foram favoráveis ao segurado (como a concessão de um benefício, por exemplo). 

Ou seja: conforme expliquei lá no início, não é apenas o segurado que tem prazo para pedir a revisão, como também o INSS tem um prazo para rever.

Por isso citei a frase “pau que bate em Chico, bate em Francisco”, justamente para dizer que não é apenas o segurado e o beneficiário que sofrem os efeitos da decadência, mas também o próprio INSS.

Porém, existem alguns detalhes referentes ao prazo decadencial do INSS e sua forma de contagem que gostaria de tratar separadamente com vocês! 😉

3.1) Lei n. 9.784/1999

Não é desde sempre que existe um prazo para o INSS rever seus atos administrativos. Foi apenas em fevereiro de 1999, com a vigência da Lei n. 9.784/1999, que foi definido um limite temporal para a revisão. 🙏🏻

Essa lei regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e, em razão do INSS ser um órgão federal, o prazo decadencial de 5 anos previsto no art. 54 do diploma passou a ser também aplicado à autarquia previdenciária (já que até então não existia uma norma específica do INSS).  

Olha só o que diz o artigo:

“Lei n. 9.784/1999, art. 54: O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

§ 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.” (g.n.)

Portanto, antes da Lei n. 9.784/1999, o INSS podia rever seus atos a qualquer tempo. Com a vigência da lei, em fevereiro de 1999, passaria a ser aplicado o prazo decadencial genérico de 5 anos (porém, isso não durou muito tempo, conforme explicarei nos tópicos seguintes). 

3.2) Art. 103-A da Lei 8.213/1991

Em novembro de 2003, foi publicada a MP n. 138/2003, que acrescentou novos artigos à Lei de Benefícios (Lei n. 8.213/1991). Dentre esses dispositivos, estava o art. 103-A, que trata justamente sobre o prazo decadencial para o INSS rever seus próprios atos. 

👉🏻 Essa MP foi convertida na Lei n. 10.839/2004 em fevereiro de 2004, que incluiu definitivamente os artigos na Lei n. 8.213/1991.

Desse modo, como foi publicada uma norma previdenciária específica, o prazo decadencial genérico de 5 anos previsto no art. 54 da Lei n. 9.784/1999 deixou de ser aplicado, passando a incidir o prazo decadencial de 10 anos previsto no art. 103-A da Lei n. 8.213/1991.  

Vejamos o artigo:

“Lei n. 8.213/1991, Art. 103-A.  O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.              (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004)

§ 1º  No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.             (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004)

§ 2º  Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.               (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004)” (g.n.)

Esse prazo de 10 anos continua sendo aplicado até os dias atuais, sendo contado da data em que o ato administrativo foi praticado (salvo comprovada a má-fé do beneficiário) ou da percepção do primeiro pagamento, em se tratando de efeitos patrimoniais contínuos (assim como ocorre na decadência para os segurados).  🗓️

Porém, existe um precedente do STJ de 2010 que trata da decadência previdenciária para o INSS e é muito importante que você saiba! 

3.3) Tema n. 214 do STJ (REsp 1.114.938/AL)

Em Direito Previdenciário, como a lei muda muito ao longo dos anos, é comum que cheguem aos Tribunais Superiores várias questões sobre o período de aplicação de cada lei.

E, no caso do prazo decadencial para o INSS rever seus atos, não foi diferente.

Em setembro de 2010, o Superior Tribunal de Justiça julgou o Tema Repetitivo n. 214 (REsp n. 1.114.938/AL) que discutia sobre a incidência ou não do prazo decadencial instituído pelo art. 103 da Lei n. 8.213/1991 (com redação dada pela Lei n. 9.528/1997) aos benefícios concedidos em data anterior à sua vigência.

Na ocasião, foi fixada a seguinte tese:

“Os atos administrativos praticados antes da Lei 9.784/99 podem ser revistos pela Administração a qualquer tempo, por inexistir norma legal expressa prevendo prazo para tal iniciativa. Somente após a Lei 9.784/99 incide o prazo decadencial de 5 anos nela previsto, tendo como termo inicial a data de sua vigência (01.02.99). (...) Antes de decorridos 5 anos da Lei 9.784/99, a matéria passou a ser tratada no âmbito previdenciário pela MP 138, de 19.11.2003, convertida na Lei 10.839/2004, que acrescentou o art. 103-A à Lei 8.213/91 (LBPS) e fixou em 10 anos o prazo decadencial para o INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus beneficiários.” (g.n.)

🤯 Calma, sei que pode parecer confuso, por isso vou explicar! 

Com a publicação da Lei n. 9.784/1999, começaria a incidir o prazo de decadencial de 5 anos também nesses casos de concessão de benefício anterior à Lei n. 9.784/1999.

Mas, como a MP n. 138/2003 (convertida na Lei n. 10.839/04) foi publicada antes de serem decorridos os 5 anos estabelecidos como prazo decadencial pela Lei n. 9.784/1999, não houve tempo de transcorrer esse prazo decadencial para nenhum benefício. 

Então, o STJ definiu que benefícios concedidos antes da Lei n. 9.784/1999 também seriam alvo do prazo decadencial de 10 anos trazido pela MP n. 138/2003 (convertida na Lei n. 10.839/04), mas tendo como termo inicial de sua contagem a data de início da vigência da Lei n. 9.784/1999 (01.02.1999).

🧐 É como se o STJ tivesse feito um “mix”, aplicando um pouco de cada norma: o prazo decadencial de 10 anos criado pela MP n. 138/2003 e o termo inicial da contagem da decadência tendo como referência a Lei n. 9.784/1999 (01.02.1999).

Já para os benefícios concedidos depois da Lei n. 9.784/1999, apesar de também ser aplicado o prazo decadencial de 10 anos (art. 103-A da Lei 8.213/1991), o STJ definiu que o termo inicial de sua contagem seria a data do primeiro pagamento de cada benefício.

3.4) Resumo: Decadência para o INSS

Sei que mesmo depois de ter explicado tudo isso, pode ser que algumas pessoas ainda estejam confusas.

😉 Então decidi resumir todas as informações para vocês, dividindo a decadência do INSS de acordo com duas situações: benefícios concedidos antes da Lei n. 9.784/1999 e benefícios concedidos depois da Lei n. 9.784/1999.

3.4.1) Benefícios concedidos antes da Lei 9.784/1999

O INSS tinha o prazo decadencial de 10 anos (trazido pela MP n. 138/2003, convertida na Lei n. 10.839/04) para rever o ato de concessão do benefício, sendo que o termo inicial desse prazo teve início em 01.02.1999 (data da vigência da Lei n. 9.784/1999).

Desse modo, o prazo decadencial para o INSS rever os atos de concessão desses benefícios se encerrou em 01.02.2009. 

3.4.2) Benefícios concedidos após a Lei 9.784/1999

Para os benefícios concedidos depois da entrada em vigor da Lei n. 9.784/1999, o INSS também tem o prazo decadencial de 10 anos (art. 103-A da Lei n. 8.213/1991)  para rever os atos de concessão. 

Porém, o termo inicial de sua contagem será a data da percepção do primeiro pagamento do benefício, conforme determina o art. 103-A, §1º da Lei n. 8.213/1991.

4) Exemplos da Decadência para o INSS

Agora que você já entendeu como funciona toda a questão da contagem da decadência, vou trazer alguns exemplos práticos para facilitar a compreensão! 😉

4.1) Exemplo 1 - Pensão por morte de boa-fé

Dona Lúcia teve uma pensão por morte concedida em 2005, em razão da morte de seu marido. 

Por muitos anos, ela recebeu o benefício de boa-fé, acreditando que realmente fazia jus aos valores, pois seu marido havia falecido e ela era sua dependente

Porém, em 2021 (16 anos depois), o INSS passa por um processo de reanálise dos atos de concessão e identifica que, na data do óbito, o marido de Dona Lúcia não mais possuía qualidade de segurado (o que impediria a concessão do benefício). 📃

Ou seja, o INSS constata que houve um erro por parte da autarquia

Ocorre que, em razão dos efeitos da decadência para o INSS, a autarquia não pode mais rever o ato administrativo que concedeu a pensão por morte da Dona Lúcia, pois já se passaram mais de 10 anos e ela agiu de boa-fé, desconhecendo a questão da falta de qualidade de segurado.

Mas se, por exemplo, o INSS identificasse que Dona Lúcia tinha apresentado algum documento falso para ter o benefício concedido, a autarquia poderia rever o ato de concessão mesmo havendo transcorrido o prazo decadencial, pois nesse caso a beneficiária estaria de má-fé. 

⚠️ Atenção: Saiba que, mesmo nos casos de boa-fé do segurado e transcurso do prazo decadencial, é comum o INSS cancelar esses benefícios e ainda enviar cartinhas cobrando os valores "irregularmente recebidos” (o que é um completo absurdo). Então fique de olho e informe seus clientes!

4.2) Exemplo 2 - Aposentadoria por idade de má-fé

Sr. João teve sua aposentadoria por idade (atualmente conhecida como aposentadoria programada) concedida pelo INSS em 2001, mas apenas conseguiu isso porque apresentou uma Carteira de Trabalho (CTPS) falsificada (ou seja, agindo de má-fé). 😨

Ocorre que, em 2021, um vizinho denuncia essa conduta de João e o INSS é obrigado a analisar novamente o processo de aposentadoria, identificando e obtendo provas de que a CTPS realmente era falsa

Desse modo, como o Sr. João agiu de má-fé, o prazo decadencial não se aplica, podendo o INSS rever o ato de concessão da aposentadoria e exigir que o beneficiário devolva de uma única vez todos os valores recebidos. 💸

[Obs.: Para entender melhor sobre em quais hipóteses é obrigatória a devolução de valores ao INSS, recomendo a leitura do artigo: Temas 979 e 692 do STJ: devolução de valores ao INSS].

5) Conclusão

Espero que, com o artigo de hoje, você tenha conseguido finalmente entender como funciona o prazo decadencial para o INSS rever seus atos de concessão de aposentadorias e benefícios.

Teoricamente, não era para ser um assunto tão complicado. Porém, em razão das leis que foram publicadas ao longo do tempo, é importante se atentar à qual prazo será aplicado e qual deve ser o termo inicial da contagem (levando em consideração a tese fixada no Tema 214 do STJ). ⏱️ 🗓️

Caso tenha ficado alguma dúvida ou haja algo que queira acrescentar, é só me dizer nos comentários. Também aceito sugestões de temas para os próximos artigos! 😉

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6) Fontes

ALENCAR, Hermes Arrais. Cálculo de benefícios previdenciários. 11. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

Aposentadoria Programada: a Nova Aposentadoria do INSS

Decadência para revisão do ato de indeferimento do benefício do INSS: entendimento do STF

Dependentes Previdenciários: Guia Completo dos Dependentes do INSS

LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991

LEI Nº 9.784 , DE 29 DE JANEIRO DE 1999

LEI Nº 10.839, DE 5 DE FEVEREIRO DE 2004

MEDIDA PROVISÓRIA Nº 138, DE 19 DE NOVEMBRO 2003

O INSS pode rever os seus atos administrativos a qualquer tempo?

Pensão Por Morte: O que é, quem tem direito, valor e prazo [INSS]

Prazo para entrar com ação previdenciária e a Decadência no INSS

Prescrição Previdenciária: qual o prazo para cobrar o INSS?

Qualidade de Segurado: Tutorial Desmistificado! [com calculadora]

Quais os tipos de segurado do INSS?

STJ - INSS tem até 10 anos para rever benefício previdenciário

Tema n. 214 do STJ (REsp 1114938/AL)

Temas 979 e 692 do STJ: devolução de valores ao INSS
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Por Alessandra Strazzi
Fonte: www.desmistificando.com.br

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