Pensão por Morte e Irretroatividade dos Critérios da Lei 13.135/15

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Via @lztadv | Uma das maiores dificuldades no Direito Previdenciário é conciliar prazos e requisitos no seu aspecto temporal diante de alterações legislativas e reformas previdenciárias que acontecem de forma bem mais frequente do que as pessoas, não habituadas com o tema, imaginam.

Uma dessas reformas ou mini-reformas, como alguns dizem, ocorreu em 2015, quando o benefício de Pensão Por Morte foi completamente alterado.

A mudança mais significativa foi com relação ao prazo de recebimento do benefício que deixou de ser vitalício, como era historicamente, para passar a ser um benefício provisório, a depender da idade do beneficiário.

Entretanto, uma mudança que passou praticamente despercebida foram as novas regras que previam a carência mínima de 18 contribuições para a concessão ao cônjuge e a necessidade de um lapso temporal de união estável ou casamento de 2 anos.

Carência de 18 meses

Na realidade, a regra de carência de 18 meses não veio expressa como uma regra de carência, mas transvertida em um prazo extremamente exíguo de 4 meses de benefício de pensão por morte, confira a redação:

• O direito à percepção de cada cota individual cessará em 4 (quatro) meses, se o óbito ocorrer sem que o segurado tenha vertido 18 (dezoito) contribuições mensais ou se o casamento ou a união estável tiverem sido iniciados em menos de 2 (dois) anos antes do óbito do segurado; 

Para um benefício que antes era vitalício, o pagamento de 4 meses não significa absolutamente nada.

Um benefício previdenciário chamado de Pensão Por Morte, que prevê uma proteção social a um ato de extrema necessidade, o falecimento de um cônjuge, não pode ter essa denominação quando concedido por um período tão curto.

Assim, no meu entender, o termo correto é que seja considerado como uma carência e não como um requisito vinculado ao tempo.

Prazo da União Estável ou do Casamento

Outra questão importante, é que também se exige o prazo de 2 anos do casamento ou da união estável. 

Não existe previsão legal na Lei para a combinação entre períodos de união estável e casamento, entretanto, sistematicamente é possível, uma vez que não há contradição ao requisito temporal.

Por exemplo, um casal que esteja em união estável há 3 anos e tenha casado recentemente, pode utilizar este período para comprovar o requisito para o direito.

Direito Intertemporal

Feitas essas considerações iniciais, vamos ao que realmente interessa, o direito intertemporal neste caso.

O primeiro ponto que precisamos observar, é que a lei não estabeleceu nenhum critério de transição para a referida norma aplicável.

Ao que tudo indica, o legislador não tem a devida consciência de que os atos emanados por essa esfera do Poder, tem a capacidade de influenciar uma multidão de pessoas e afetam as suas vidas diretamente. Isso se demonstra muito com as Medidas Provisórias, mas isso é tema para um outro assunto.

Essa ausência de regras de transição e irresponsabilidade legislativa, nos cabe entender o direito e chegar ao escopo da situação vivenciada pelos nossos clientes.

Na situação da Pensão Por Morte, entendo que a situação é ainda mais grave, já que envolve tanto o direito do segurado quanto da sua família e de uma situação de extrema imprevisibilidade.

Tradicionalmente, a regra da Pensão Por Morte se materializa com o óbito do segurado, valendo-se o direito de uma regra geral, chamada tempus regit actum

• Tempus regit actum é uma expressão jurídica latina que significa literalmente o tempo rege o ato, no sentido de que os atos jurídicos se regem pela lei da época em que ocorreram. Porém, existem duas exceções possíveis que consistem na validade da lei a algo ocorrido anteriormente ao início de sua vigência (retroatividade) e futuramente à revogação da referida (ultratividade).

Assim, a título de exemplo, uma pensão por morte cujo fato gerador (óbito) ocorreu em 1980, continua sendo regida pela regra antiga, assumindo aquela lei a chamada ultratividade.

Pois bem, meu questionamento é justamente esse. Se a regra da pensão por morte se vale das regras ocorridas no momento do óbito, então como conciliar a aplicação dos requisitos temporais neste benefício?

Ou seja, é justo que uma situação de tamanha imprevisão seja regulada com base em regras temporais, que afetam os beneficiários deste direito temporal, especialmente diante de regras que antes não existiam e de segurados que já teriam direito em caso de um imprevisto?

Pensando nestes aspectos, passei a abordar a temática sob a perspectiva de um segurado que já tenha cumprido os requisitos antes da Lei e venha a ser prejudicado pela legislação nova, que impôs uma nova sistemática de regramento temporal. 

Neste sentido, o requisito anterior, era apenas uma única contribuição e a existência de união estável ou casamento. 

Diante desta situação, imagine que o segurado tenha cumprido tais requisitos, tenha casado e tenha contribuído para o INSS, neste aspecto naquele momento ele está amparado socialmente, ou seja, faz jus a proteção social, ou melhor, sua esposa está amparada, visto que ela será a beneficiária no caso de algum imprevisto. Vislumbrando este contexto, é nítido a proteção social a que esta família tem direito. 

Agora, diante de uma nova lei, que estabelece o requisito de 2 anos de casamento ou união estável, qual é a perspectiva deste casal, no momento seguinte ao da promulgação da lei: um vácuo, absolutamente proteção social alguma.

Considerando os princípios constitucionais e previdenciários, especialmente o Princípio da vedação do retrocesso social, não tenho que a norma posterior possa ingressar no patrimônio social do segurado e retirar-lhe o direito à proteção social. 

Bom, obviamente alguns estudiosos irão me dizer: - Mas ele ainda não havia conquistado o direito, não existe direito adquirido neste caso, pois não implementou todos os requisitos, a pensão por morte era apenas uma expectativa de direitos, que só se consolidaria com a morte!

Para esses casos eu volto a frisar, a proteção social e os princípios do Direito Previdenciário não podem ingressar no patrimônio retirando a proteção social que já estava vigente, diante de proteção previdenciária não programável.

Isso significa que não existe direito adquirido ao benefício, porém, existe direito adquirido à proteção social, que supera as imposições de regras previdenciárias temporais, que impõe prazos e requisitos que se alongam no tempo.

Esta é uma forma de proteger o segurado contra desmandos legislativos, garantindo-lhe a proteção mesmo que não cumpra todos os requisitos da nova lei, entretanto, desde que tenha os requisitos cumpridos na legislação anterior.

Com base neste entendimento, aquele que havia cumprido os requisitos de carência e tempo de união estável ou casamento, não poderá ser afetado pela nova legislação, mantendo o direito em casa da ocorrência do óbito e inclusive beneficiário do período de graça.

A legislação poderá ser aplicada a todos os demais casos, como por exemplo aquele que iniciou os pagamentos previdenciários após a publicação da nova lei e veio a se casar, ou também aquele que só cumpriu parcialmente um dos dois requisitos, como ter algumas contribuições e vir a se casar depois ou vice-versa.

Importância deste estudo depois de tantos anos de promulgada a Lei

A Lei é de 17/06/2015. Acredito que ainda existam muitos casos não discutidos sobre isso e ainda não vi um posicionamento jurisprudencial favorável sobre este tema, muitas vezes o direito é trabalhado apenas superficialmente com base em regras tradicionais, sem que se discuta amplamente os efeitos legislativos e os princípios sociais como abordei neste artigo. 

Apesar de ter demorado alguns anos para elaborar este conteúdo, este sempre foi um tema incômodo para mim, mas ainda acredito na relevância do assunto e nesta possibilidade de se proteger o direito adquirido à proteção social, ao menos que de forma parcial, para os casos que eu mencionei. 

De uma forma ou de outra, o Brasil está longe de ser um país livre desses disparates legislativos e em um momento ou outro, teremos que enfrentar novamente essa discussão.

Por Bruno Pellizzetti
Fonte: pellizzetti.adv.br/blog

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