Que fique claro, somos cientes do inaceitável fenômeno da sobrevitimação. No entanto, também somos cientes de que o regulamento processual penal é escudo do réu ante o Estado acusador. A pretexto de tutelar os interesses das vítimas, essa lei acaba por dificultar a defesa plena a que tem direito o réu no júri e inverte a base principiológica do processo penal.
Vamos a um simples exemplo: você está à frente da defesa de um acusado de homicídio qualificado, crime hediondo com todos os seus consectários. A vítima do seu caso ostenta varias passagens pela polícia. Já o seu cliente possui uma única passagem.
Pois bem. Conforme vier a ser interpretada essa lei, notadamente face à abertura conceitual desta, a defesa não poderá fazer menção às passagens policiais da vítima e, pior, ainda verá a acusação brandir o único antecedente de seu cliente.
Vão-se embora do plenário, envergonhadas pelo "pito" do juiz-presidente, a defesa plena e a paridade de armas. De um lado, a acusação plena. Do outro, a defesa manietada. Sem falar que, assim, se subtrai dos jurados, verdadeiros juízes do caso, prova importante, pois, de sabença geral, o Tribunal do Júri não julga tão somente os fatos, mas o binômio réu/vítima também.
Malgrado as boas intenções que deram motivo à criação da Lei n° 14.245/21, temos que a mesma, diante de suas vedações genéricas, acabará por gerar profundos destemperos no trato dos acusados pelo Tribunal do Júri, em especial frente ao artigo 5°, inciso XXXVIII, da Constituição Federal.
A reconsideração da vítima, movida no sentido de resgatar sua dignidade, é válida desde que, para isso, não se atropelem os direitos constitucionais do acusado. Como o dito popular, "não se cobre um santo descobrindo o outro".
P.S.: O meu receio é a casuística. O que cada métrica moral dos juízes-presidentes fará do Oiapoque ao Chuí...
Renato de Oliveira Furtado é advogado criminalista.
Fonte: Conjur
Concordo em gênero, número e cor. Para mim, a lei a flagrantemente inconstitucional, pois, afronta a ampla defesa inerente aos acusados. Em que pese que essa disparidade será ainda mais elevada no Tribunal do Júri, não há como se negar que todo o processo penal fica comprometido com essas questões que não poderão mais ser objeto de alegação. Cito mais um caso hipotético: o cidadão é denunciado por determinado fato criminoso e a vítima já possui condenação por falso testemunho, ou mesmo a suposta testemunha já foi enquadrada com condenação no referido crime. Não se poderá mais suscitar a credibilidade das partes? Ou seja, essa questão, que soa primordial, ficará sem a apreciação do Juízo? E se o crime o qual o cidadão estiver sendo acusado for da mesma espécie que as vítimas já acabaram por ser condenadas em outro processo por falso testemunho, como fica. Essa lei é um abismo entre as partes, um perigo para a liberdade da defesa, mesmo comungando da posição do colega de que a intenção tenha sido muito boa, fato é que a OAB deve apresentar o quanto antes um pedido de declaração de inconstitucionalidade para impedir que abusos pela acusação sejam cometidos e seja necessário outra lei, tão inconstitucional quanto esta, ser editada para reequilibrar as forças do processo.
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