"Como sou negra, tenho que provar que sou advogada sempre"

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Via @acidadeonararaquara | A advogada Sandra Mara de Oliveira, 36 anos, foi uma das homenageadas na entrega dos prêmios Zumbi dos Palmares e Laphayette Alves, na quarta-feira (17), na Câmara Municipal de Araraquara.

"Na entrada do fórum, advogados brancos nem tão bem vestidos nunca precisam se identificar e eu, sempre muito bem vestida, tenho que provar que sou advogada sempre. O racismo está muito presente no judiciário", contou Sandra Mara.

Na semana da Consciência Negra, ela relatou situações de preconceito vividas em sua rotina de trabalho e o significado de receber a homenagem do Legislativo Municipal.

"Receber esse prêmio tem um significado especial, pela minha trajetória difícil. Fiz duas faculdades praticamente sozinha, com bolsas de estudos e filhas pra criar", avaliou.

Ela disse que já foi confundida com parente de preso em delegacia. Em outra oportunidade, em uma sala de audiência, a juíza não sabia quem era a advogada, quando chegou com uma cliente branca e bem vestida.

"Sempre vai existir o racismo, eu não vou viver para mudar. No trabalho e nas relações pessoais, é um trabalho de formiguinha junto às novas gerações, pra não ter medo de ocupar os lugares, não ter medo de reivindicar o que é nosso e não ter sentimento de desmerecimento", acrescentou.

A maneira como Sandra Mara aprendeu a lidar com o racismo é identificar as situações e encarar os desafios, para seguir fazendo sua parte em busca de uma mudança possível.

"Devemos identificar e saber lidar com essas questões que o racismo estrutural traz no dia a dia. É um desafio, mas é não se curvar, não ter medo e enfrentar todos os dias", concluiu a advogada.

Ela também é formada em Letras, curso no qual ingressou em 2005, aos 20 anos, através do Programa Escola da Família. Em 2007, ela se formou em Direito pela Uniesp Araraquara, por meio de uma bolsa de estudos integral.

EDUCAÇÃO

Filho de família humilde, nascido na Vila Xavier, desde cedo o empresário Cláudio Claudino, 63 anos, descobriu o valor do trabalho para fugir do caminho das drogas. Aprendeu a ler em jornais acompanhando a mãe no ofício de doméstica na casa do historiador Rodolpho Telarolli. Mais tarde, ela se tornaria referência para a comunidade fazendo soro caseiro no Serviço Especial de Saúde de Araraquara (SESA).

"Minha mãe foi a primeira mulher negra a emprestar o nome a um espaço público, o posto de saúde Nair Damasio Claudino", acrescentou, orgulhoso.

Claudino cresceu com o exemplo de trabalho dos pais. E mais tarde, na década de 70, seguiu vencendo barreiras ao participar de movimentos como o Grupo de Arte e Cultura Negra de Araraquara (GANA) e o Festival Comunitário Negro Zumbi (Feconezu).

Formado em Direito pela Universidade de Araraquara (Uniara), hoje é empresário bem-sucedido, proprietário de uma loja de estofados e eletrodomésticos, que está há mais de 20 anos no mercado.

Para ele, Araraquara pode se tornar referência nacional ao colocar em prática a Lei 10.639/1996, que prevê a inclusão no currículo oficial da rede de ensino o tema História e Cultura Afro-Brasileira.

"Nós somos mais de 50% da população, mas não se existem muitos juízes ou médicos negros. Isso só vai mudar com educação e nossa cidade pode começar dando o exemplo. Essa lei deve ser cumprida", avaliou Claudino, que receberá nesta quarta o Prêmio Zumbi dos Palmares.

RECONHECIMENTO

A professora Valquiria Tenório, 45 anos, que também receberá o prêmio Zumbi dos Palmares nesta quarta, é doutora em sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e professora no Instituto Federal de São Paulo (IFSP), campus de Matão.

"Fiquei muito impactada por ter sido indicada, pois tem sido um ano difícil, com a perda recente do meu pai. Sei das pessoas com atuação e reconhecimento na cidade e ainda estou aprendendo muito. Então, fiquei extremamente lisonjeada", disse Valquiria.

Ela destacou ainda a importância da premiação no momento de retrocessos pelo qual atravessa o país. "Trabalho com essas questões sempre difíceis, por isso, a premiação é um reconhecimento pelo que tenho feito, pelas redes que venho conseguindo construir", acrescentou.

A socióloga também é pesquisadora do Centro de Estudos das Culturas e Línguas Africanas e da Diáspora Negra (CLADIN), do Laboratório de Estudos Africanos, Afro-Brasileiros e da Diversidade (LEAD) e do Núcleo Negro da Unesp para Pesquisa e Extensão (NUPE), Grupo de Trabalho FCL-Araraquara. Ela publicou ainda o livro "Baile do Carmo: memória, sociabilidade e identidade étnico-racial em Araraquara", em 2014.

Além disso, Valquiria é coordenadora do Clube de Leitura Ubuntu, da Semana da Diversidade e Mês da Consciência Negra no IFSP, onde realiza projetos de ensino e pesquisa na perspectiva de uma educação antirracista.

Roberto Schiavon | ACidadeON/Araraquara
Fonte: www.acidadeon.com

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