Falhas de transparência do sistema de Justiça deixam população às cegas

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Via @consultor_juridico | Mais de 60 mil contracheques de juízes e desembargadores estão ausentes do painel do Conselho Nacional de Justiça sobre remuneração de magistrados. Os dados incompletos se referem a 15 tribunais em um período de três anos.

O problema foi revelado em um relatório divulgado pela ONG Transparência Brasil na última terça-feira (15/3).

A situação não é incomum no Poder Judiciário, que apresenta um "apagão" de diversos dados. De acordo com o advogado Bruno Morassutti, pesquisador e ativista na área de transparência pública, o Judiciário ainda é um poder "muito fechado", que "não reflete muito sobre transparência pública" e "toma decisões de organização administrativa de forma unilateral".

As mesmas dificuldades para obtenção de dados também são enfrentadas pelo Ministério Público. Segundo Morassutti, no sistema de Justiça em geral, "é bem frequente que os problemas de transparência ou institucionais sejam muito semelhantes".

Para o jurista Lenio Streck, colunista da ConJur, é necessária a atuação do CNJ e do Conselho Nacional do Ministério Público para a solução de tais problemas: "Esse episódio demanda uma resposta dos órgãos. Dirão ao que vieram e ao que vêm". Afinal, o controle faz parte dos propósitos desses conselhos, estabelecidos pela Emenda Constitucional 45/2004 — que, segundo Streck, "não pode ser letra morta".

Falta de transparência

Para além dos holerites de magistrados, Morassutti lista outros tipos de problemas no acesso a dados e informações. Há, por exemplo, uma relutância das varas e cartórios com relação à divulgação das listas de ordem de julgamentos.

Outra complexidade recorrente diz respeito ao orçamento do Judiciário. O CNJ possui uma metodologia para questões orçamentárias, mas, segundo Bruno, os tribunais têm uma certa resistência em aplicá-la de maneira uniforme. Assim, é difícil analisar, por exemplo, se determinado tribunal gasta proporcionalmente mais ou menos do que outro.

Os processos administrativos disciplinares (PADs) são mais um ponto de atenção. É difícil para um cidadão obter acesso aos autos de PADs contra magistrados e servidores concluídos pelo CNJ. "O Judiciário hoje não tem, por exemplo, um cadastro nacional de penalidades expulsivas ou uma lista organizada", aponta Morassutti.

Há pouca transparência também quanto aos fundos decorrentes de multas ou penas pecuniárias aplicadas nos processos. Muitas entidades utilizam parte desses recursos para se manter, mas não é possível acompanhar a situação dos repasses para cada uma delas, as quantias ou mesmo a fiscalização dessas operações.

Ainda, os sites do Judiciário não são padronizados. Cada tribunal organiza as informações à sua forma, muitas vezes de maneira complexa. As cortes atualizam seus sistemas e alteram recursos, até mesmo melhoram a funcionalidade para os magistrados, mas Morassutti diz que ainda é um grande desafio para os próprios advogados entender as plataformas.

Caminhos para a melhoria

A comunidade acadêmica tenta e até consegue diminuir em parte os problemas de transparência por meio da pesquisa. Mas muitas questões demandam um acesso aos dados primários, mantidos pelos órgãos de Justiça.

Ao contrário do Executivo, que utiliza o Sistema Eletrônico de Informação ao Cidadão (e-SIC), atualmente cada tribunal tem seu próprio sistema de acesso à informação. Além disso, caso as cortes neguem pedidos de dados, é mais difícil recorrer ao CNJ. Assim, não há muita agilidade na revisão de decisões e no controle de transparência. "Se houvesse no Judiciário um sistema como o e-SIC, seria muito mais fácil", ressalta Morassutti.

De acordo com o advogado, o sistema de Justiça brasileiro não tem uma preocupação em prestar contas. Para ele, uma maior participação dos cidadãos permitiria o avanço da transparência: "Os tribunais têm de se dar conta de que, para mudar regras de funcionamento, é preciso consultar a população".

Por outro lado, o CNJ esclarece que vem buscando aprimorar a transparência do Judiciário. O próprio relatório da Transparência Brasil faz parte de um acordo de cooperação técnica firmado com o órgão. A partir da identificação dos problemas, o CNJ vem intimando os tribunais para regularizar falhas e cumprir seu dever de acesso à informação.

No caso das falhas sobre a remuneração dos magistrados, a ONG sugeriu elevar o potencial de análise dos dados, por meio de downloads facilitados que permitam compilar informações automaticamente e fazer projeções.

A entidade ainda recomendou que o CNJ exija dos tribunais mais informações sobre a magistratura, como cargo, lotação e número de matrícula funcional. Outras propostas são o estabelecimento de uma rotina de verificação do fluxo de dados enviados pelas cortes e a previsão de sanções para a demora na prestação de contas ou a falta de dados.

Por José Higídio
Fonte: Conjur

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