MP-RJ denuncia delegado por prisões em flagrante ilegais de advogadas e cliente

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Via @consultor_juridico | O Ministério Público do Rio de Janeiro denunciou na última sexta-feira (8/4) o delegado da Polícia Civil Maurício Demétrio Afonso Alves por abuso de autoridade, denunciação caluniosa e fraude processual.

Alves é acusado de, em 2019, com o auxílio do policial civil Celso de Freitas Guimarães Junior, também denunciado por abuso de autoridade, ter efetuado três prisões em flagrante ilegais, além de ter ingressado na casa de uma das pessoas presas sem um mandado de busca e apreensão.

A denúncia relata que em 28 de agosto de 2018 Izaura Garcia, por meio das advogadas Mariana Farias Sauwen de Almeida e Carolina Araújo Braga Miraglia de Andrade, protocolou na Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM), cujo titular à época era Maurício Alves, uma petição de notícia de prática de infração penal, alegando que estava sendo vítima de violação de direito autoral. De acordo com ela, o livro "Ágape", do padre Marcelo Rossi, continha um texto atribuído à Madre Tereza de Calcutá que, na verdade, é de sua autoria, texto devidamente registrado por ela na Biblioteca Nacional.

Após a instauração de um inquérito policial, o Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional informou que a obra citada por Izaura não estava registrada na instituição e que o número de registro fornecido se referia a uma outra obra literária. Como a Biblioteca Nacional se negou a encaminhar cópia do documento, Alves representou à 27ª Vara Criminal pela sua busca e apreensão, requisitando ao Instituto de Criminalística Carlos Éboli uma análise comparativa entre os dois registros.

Em dezembro de 2018, após perícia técnica, foram encontradas discrepâncias entre os documentos, ambos ostentando o mesmo registro, o que confirmou a falsidade do documento apresentado por Izaura.

Em maio de 2019, Maurício Alves solicitou que Izaura e as advogadas comparecessem à DRCPIM para um novo depoimento, levando toda a documentação assinada. Logo após a oitiva, mesmo sabendo de antemão que o documento apresentado na petição era falso, deu voz de prisão em flagrante às três, o que configura flagrante preparado, segundo o MP-RJ.

Após a prisão, também de maneira ilegal, o delegado manteve as advogadas incomunicáveis, tendo retido seus telefones celulares, que posteriormente foram destruídos, impedindo-as de ligar para familiares e para a Ordem dos Advogados do Brasil, segundo a promotoria.

Já Izaura foi mantida isolada de suas advogadas porque, momentos depois, Maurício Alves e Celso Guimarães Junior, sem mandado de busca e apreensão, ingressaram em sua residência e apreenderam diversos documentos que constam do processo. O policial civil teria declarado, falsamente, que Izaura os teria convidado a ir até a sua residência para buscar a documentação original.

Inquérito trancado

A 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade, trancou, em setembro de 2019, inquérito policial contra as advogadas por estelionato, associação criminosa, falsidade ideológica, uso de documento falso e denunciação caluniosa.

Ao julgar o pedido de Habeas Corpus das duas advogadas, o desembargador Cairo Ítalo França David, relator do caso, afirmou que, no curso das investigações, o delegado já tinha constatado que era falso o registro da obra de Izaura Garcia na Biblioteca Nacional após entrar em contato com essa entidade.

Ainda assim, o delegado, "de forma sub-reptícia", solicitou que as advogadas e a cliente fossem à delegacia, levando uma petição com cópia de toda a documentação do caso. Na ocasião, Maurício Alves ressaltou que seria de "suma importância a apresentação de tudo naquela data".

"Verifica-se, dessa forma, que a atitude dissimulada e premeditada da autoridade policial configuraria um verdadeiro flagrante preparado, uma vez que levou as impetrantes a realizarem uma conduta que poderia não ter sido realizada em situação normal", avaliou o desembargador, lembrando que a Súmula 145 do STF determina que não há crime em caso de flagrante preparado.

O magistrado destacou que o fato de as advogadas e a cliente terem comparecido à delegacia com a documentação solicitada demonstra a boa-fé delas. As mulheres, "achando que estavam auxiliando a investigação, foram surpreendidas com uma medida arbitrária e ilegal do delegado de polícia, que as prendeu em flagrante, sob a alegação de que o documento apresentado como sendo original da Biblioteca Nacional seria, em verdade, falso", declarou o relator.

Assim, as advogadas não agiram com dolo, disse Cairo David. Pelo contrário: estavam "em pleno exercício do cumprimento de seus deveres legais", amparadas pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994).

O desembargador também afirmou que os crimes imputados às advogadas não comportam prisão em flagrante. Isso porque o Estatuto da Advocacia determina que o advogado só pode ser preso no exercício da profissão em caso de crime inafiançável (artigo 7º, parágrafo 3º).

"Não obstante, as advogadas, doutora Mariana e doutora Carolina, ficaram incomunicáveis dentro de uma delegacia de polícia por mais de três horas e depois foram transferidas para cela comum, incompatível com sala de Estado Maior", criticou o magistrado.

Ofensas à OAB

A seccional do Rio de Janeiro da OAB afirmou que a decretação de prisão das advogadas no exercício da atividade foi ilegal e apresentou representação contra o delegado por abuso de autoridade no Ministério Público.

A pedido de Maurício Alves, o delegado Pablo Dacosta Sartori, da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática do Rio, abriu inquérito contra os dirigentes da OAB-RJ para investigar a prática de uso de documento falso, denunciação caluniosa e associação criminosa e os convocou para prestar esclarecimentos.

Em seu relato, Alves afirmou que representantes da Ordem estariam protocolando uma petição relatando supostos crimes e transgressões disciplinares cometidos por ele. No entanto, o delegado disse que os advogados praticaram "omissões criminosas" na acusação de abuso de autoridade e alega inocência. No inquérito, por duas vezes, os dirigentes foram chamados de "os criminosos da OAB".

O Conselho Federal impetrou Habeas Corpus para trancar a investigação. De acordo com a OAB, advogado não pode ser investigado por sua atuação profissional ou na Ordem. A petição foi assinada pelos procuradores nacionais de Defesa das Prerrogativas Fernando Augusto Fernandes, Ana Karolina Sousa de Carvalho Nunes, Adriane Cristine Cabral Magalhães e Bruno Dias Cândido.

O juiz Paulo Roberto Sampaio Jangutta, da 41ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, concedeu HC para trancar inquérito contra o presidente da OAB-RJ, Luciano Bandeira, e os advogados Marcelo Augusto Lima de Oliveira, Victor Almeida Martins, e Raphael Capelleti Vitagliano, respectivamente, presidente, tesoureiro e subprocurador-geral de Prerrogativas da seccional.

Para o juiz, a criminalização de condutas que visam ao exercício da advocacia pode gerar forte ofensa ao Estado democrático de Direito, pois o advogado é um "soldado" do acesso à Justiça. Com informações da assessoria de imprensa do MP-RJ.

Fonte: Conjur

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