Até onde ter iniciativa leva o profissional do direito ao sucesso

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Via @consultor_juridico | Os cursos de Direito multiplicam-se nas grandes e médias cidades brasileiras, algumas faculdades anunciam a dispensa de vestibular. Entrar e sair é uma questão de tempo (cinco anos) e o requisito essencial é o pagamento das mensalidades.

O mercado de trabalho, como consequência direta, torna-se a cada dia mais saturado e a luta pela sobrevivência, mais atroz. Isto fica mais evidente no exercício da advocacia, mas não é absolutamente privilégio desta profissão. Os concursos públicos, mesmo os que não exigem diploma de graduação em Direito e oferecem vencimentos menos significativos, tornaram-se disputas com milhares de candidatos.

Nesta arena onde poucos alcançam sucesso e muitos são levados a ter uma vida com muitas limitações, alguns têm dificuldades até para pagar as suas contas. Para que disto se tenha uma ideia, a OAB de SP criou um benefício mensal, atualmente no valor de R$ 650, para ajudar advogados e estagiários carentes. Até 28 de abril de 2021 já haviam sido beneficiadas 33.000 pessoas.[1]

Na situação atual retratada, em que medida o poder de iniciativa pode auxiliar o profissional do Direito a alcançar uma boa posição?

Desde logo registra-se que posicionar-se bem não significa ficar muito rico ou ter muito poder. Significa, isto sim, ter uma vida com acesso aos bens essenciais (moradia, boa alimentação, lazer, etc.), plena de realizações pessoais, reconhecer e ser reconhecido, viver bem com os seus semelhantes e integrado ao local onde vive. Evitar o que Eduardo Shinyashiki  considera "o maior estresse vivido pelo ser humano – a fonte de todos os demais — é querer ser o que não é, tentar entrar em esquemas preestabelecidos e deformantes, seguir condicionamentos e modelos humilhantes".[2]

Portanto, quando aqui se fala em ter iniciativa e, consequentemente, disto beneficiar-se, não se está pensando em usá-la para o mal em benefício próprio. Por exemplo, ser um advogado vencedor a troco de alcançar vitórias através da corrupção ou produção de provas falsas, não significa real sucesso. Pode significar muito dinheiro, mas nunca a paz de espírito e a felicidade que o procedimento correto atrai naturalmente.

Regra geral, as pessoas se dividem em dois grupos: a) os que aguardam orientações ou ordens; b) os que tomam as iniciativas, identificando um problema ou uma simples omissão e apresentam uma proposta aos que possam vir a ser atingidos.

Evidentemente, o primeiro grupo é muito maior e nada impede que uma pessoa sem poder de iniciativa seja de grande importância para o sucesso de um escritório de advocacia ou na magistratura. Mas, evidentemente, os do segundo grupo são os que transformam a realidade.

Mas o que leva uma pessoa a ter ou não ter iniciativa? Tal característica é como o talento, faz parte da natureza do ser humano. Todavia, ainda que a pessoa não tenha tal vocação e prefira aguardar as iniciativas alheias, este traço de sua personalidade não deve ser aceito passivamente. Muito ao contrário, desde pequena ela deverá ser orientada a buscar o novo, a sugerir e a propor. Seu poder de tomar iniciativas assim se desenvolverá, ainda que não tenha talento.

Neste particular, é muito importante a educação em casa. Pais permissivos, que permitem o uso de celulares por tempo indeterminado ou que optam por deixar seus filhos com monitores, que os distraiam nos hotéis ou condomínios de luxo, estão tirando deles o poder de imaginar, criar, experimentar. Em outras palavras, levando-os a serem passivos, conduzidos em tempo integral. E isto vai prejudicá-los no futuro.

Do que foi dito se conclui que o poder de iniciativa, seja nato ou fruto de educação, pode, sim, ser decisivo no alcance do sucesso. Exemplos.

Em Curitiba, no ano de 1979, foi instalada a primeira Delegacia de Proteção do Meio Ambiente do Brasil. Por ela passaram dezenas de Delegados de Polícia. Todavia, o atual titular é o Delegado Matheus Laiola, que "marca presença diariamente nas redes sociais dando voz de prisão a pessoas que maltratam animais, especialmente cachorros. Seu perfil no Instagram tem mais de 450 mil seguidores". "Seus vídeos saltando muros ou arrebentando cadeados e correntes para salvar os bichos viralizam imediatamente.[3]" O número de Termos Circunstanciados ou prisões surpreendem pela quantidade.

Alcançaria o Delegado Laiola resultados tão expressivos se não tivesse iniciativa? Claro que não. O seu sucesso é fruto da reação ao comodismo de exercer as funções de forma burocrática. E assim ele presta um excelente serviço na proteção dos animais, além de promover a Polícia Civil.

Na advocacia será suficiente abrir um escritório de advocacia nos moldes tradicionais? Com certeza, não. É necessário inovar, seja na escolha de uma área de especialização, seja na forma de vender seu produto. Um exemplo, Maria Berenice Dias fez carreira na magistratura gaúcha e, como desembargadora do TJ-RS, tornou-se conhecida por escrever e dar palestras na defesa das mulheres e dos homoafetivos. Aposentou-se e abriu escritório em Porto Alegre, com foco nestes temas e direito das famílias. Toda sua experiência e conhecimento, aliados ao fato de ter sido o primeiro escritório no Rio Grande do Sul, quiçá no Brasil, a explicitamente dedicar-se a questões de homoafetividade, resultaram em reconhecido sucesso.[4]

Na magistratura inúmeras iniciativas resultaram em expressivos resultados, sendo muitas delas objeto de premiação pelo Instituto Innovare, desde 2004. Em sua primeira edição, um dos premiados foi o Juizado Volante Ambiental (Juvam), do estado de Mato Grosso, criado em 1996, apresentado pelo desembargador Licínio Caripinelli Stefani.[5] Esta inovadora experiência de especialização foi seguida por vários estados, através da criação de juizados e varas ambientais, inclusive pela Justiça Federal que, em 2004, implantou a primeira Vara Federal Ambiental, Agrária e Residual, em Curitiba.

Acordos para pagamentos de dívidas objeto de precatórios tornaram-se comuns nos tribunais. Por exemplo, em 14 de outubro de 2021, a Procuradoria-Geral do Estado de MS disponibilizou R$ 60 mil para negociações de acordos, dando "oportunidade para que todos os titulares de precatórios de responsabilidade de pagamento pelo estado de Mato Grosso do Sul, de natureza alimentar e comum, possam receber com mais celeridade os valores a que tem direito".[6] Mas isto só foi possível porque, por volta de 2000, o TRT a 3ª. Região (MG) inovou, criando um sistema de acordos para pagamentos de precatórios por débitos trabalhistas.

Mas, ao contrário do que se pensa, iniciativas não precisam ser fantásticas inovações. Muitas vezes pequenos atos podem auxiliar enormemente na solução de problemas. Um juiz que, na sua Vara, implemente a prática de publicar decisões imediatamente após serem proferidas, estará fazendo um discreto e incalculável bem a muitos.

Por vezes, uma inovação nada mais é do que uma repetição mascarada por falsa ideia de mudança. Por exemplo, uma gestão nova apodera-se de uma iniciativa exitosa, muda seu nome, altera-a em alguns detalhes e cria uma pomposa sigla, sugerindo tratar-se de algo novo. É a "iniciativa fake". Trata-se de grave infração ética e alguém com coragem deve apontar o fato, a fim de desestimular ações de tal tipo.

Outro aspecto de interesse é o autor de iniciativas estar preparado para reações contrárias. Só um ingênuo poderá supor que sendo boa a sua proposta, será por todos aplaudido. Esta não é a realidade, pois não somos perfeitos, temos ciúmes, inveja e outras defeitos.

Imagine-se que uma jovem e vocacionada defensora pública, preocupada com os idosos ou os carentes que precisam acionar os Juizados Especiais mas tenham dificuldade de acesso às audiências online, reivindique o direito de eles optarem pela realização presencial do ato. A louvável iniciativa poderá gerar reações negativas de diversas origens. Por exemplo, ciúmes de colegas, se for aceita, ou reação dos partícipes que tiverem que sair do comodismo de suas casas para participar do ato.

Por vezes, é preciso ir além da iniciativa. Explico. Um jovem advogado júnior de um grande escritório, poderá vislumbrar algo na área eletrônica que facilite a execução das sentenças. A única coisa a fazer é encaminhar sua proposta através das vias protocolares, respeitada a hierarquia, e aguardar a decisão.Nada mais. Em outras situações, o autor da iniciativa tem o poder de decisão. Imagine-se um Procurador Geral da Justiça que idealiza a criação de um grupo de combate aos crimes de estelionato, através de fraudes em contas de telefones celulares. Uma vez aprovada a ideia por seus pares, cabe-lhe dedicar-se com todas as forças à efetividade. Afinal, tem ele o poder de propor e de executar. Não dar certo é algo fora de cogitação.

Finalmente um registro. O desembargador José Laurindo de Souza Netto, presidente do TJ do Paraná, é a encarnação da iniciativa. Em uma gestão extremamente ativa, enfrenta por vias diversas a busca de efetividade (p.ex., a capacitação de gestores e provimento de cargos de servidores na primeira instância), atenção aos menores desabrigados (p.ex., possibilitando visita ao Museu Oscar Niemayer), medidas de sustentabilidade (p.ex., parceria para reciclagem de materiais), integração com o Executivo (p.ex., criação de feira livre no Centro Cívico) e outras tantas iniciativas. Aí está, sem prejuízo de outros grandes presidentes do órgão, um exemplo de poder romper com a rotina e propor o novo.

Como se vê, o mundo do Direito necessita de mudanças permanentemente e os profissionais que procuram aperfeiçoar o sistema ou o local onde exercem as suas funções devem ser estimulados e reconhecidos. Se a iniciativa não for boa, uma explicação respeitosa deve ser dada ao autor. Jamais desestimulá-lo através de críticas ou comentários irônicos. O Brasil precisa dos inquietos, ousados, idealistas e inconformados para que possa avançar.

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[1] Dias, Juliana. Caasp e OAB-SP aumentam e estendem benefício alimentar temporário. Revista eletrônica Consultor Jurídico, 28.04.2021. Disponível aqui.

[2] SHINYASHIKI, Eduardo. O poder do carisma. 3ª. edição. São Paulo: Ed. Gente, 2018,  p. 27

[3] BESSA, Reinaldo. Perfil: Matheus Laiola, o delegado que não dá trégua a quem maltrata animais. Disponível em: https://reinaldobessa.com.br/perfil-matheus-laiola-o-delegado-que-nao-da-tregua-aos-donos-de-animais-vitimas-de-maus-tratos/. Acesso em 29 jul. 2022.

[4] Maria Berenice Dias, Advogados. Disponível em: http://www.mbdias.com.br/. Acesso em 29 jul. 2022.

[5] Instituto Innovare, 1ª. edição, 2004. Disponível em: https://www.premioinnovare.com.br/edicoes/1a-edicao/18. Acesso em 29 jul. 2022.

[6] PGE – Mato Grosso do Sul. Acordos diretos em precatórios são oportunidades de recebimento célere de crédito. Disponível em: https://www.pge.ms.gov.br/acordos-diretos-em-precatorios-sao-oportunidades-de-recebimento-celere-de-credito/. Acesso em 29 jul. 2022.
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Vladimir Passos de Freitas 
Fonte: Conjur

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