O caso teria ocorrido em abril, mas só teve apuração policial a partir de julho, quando o próprio investigado fez um registro alegando que, por ser homossexual, estaria sendo alvo de homofobia. A investigação é da Delegacia de Combate à Intolerância.
Nem o hospital nem a universidade fizeram ocorrência policial sobre o fato, que teria ocorrido durante um procedimento no bloco cirúrgico de ortopedia e traumatologia do Independência.
— Houve manipulação no órgão genital do paciente sem que obviamente houvesse anuência, caracterizando, sem dúvida, o crime de estupro de vulnerável, pois houve prática do ato com pessoa que não podia oferecer resistência. Chama a atenção é que o ato tenha ocorrido dentro de uma sala cirúrgica, num ambiente e situação que se deve ter segurança total e irrestrita — diz a delegada Andrea de Melo da Rocha Mattos, que conduziu a apuração.
Conforme relatos de testemunhas à polícia, o estudante Guilherme Fernandes Gonçalves, 25 anos, que à época estava no sexto semestre do curso de Medicina, teria colocado as mãos sob o lençol e acariciado o pênis do paciente que estava anestesiado. Quando foi retirado da sala e confrontado por uma enfermeira e uma psicóloga do hospital, teria afirmado que estava gripado e com frio e que colocara as mãos sob o lençol para se aquecer.
O suposto fato foi percebido por um técnico de enfermagem enquanto o paciente era anestesiado. O profissional relatou ter visto que Guilherme "estava com as mãos por baixo do lençol que cobria o paciente, colocando sua mão na região dos genitais do paciente, sendo que Guilherme realizava movimentos por baixo do lençol".
O técnico de enfermagem chamou uma enfermeira para verificar a suposta conduta do estagiário. Ela confirmou à polícia ter flagrado a cena. Além disso, a médica anestesista também disse em depoimento que estranhou a atitude de Guilherme, uma vez que a cirurgia em questão era em membro superior e não havia motivo para que o estagiário ficasse posicionado na altura do quadril do homem.
No mesmo dia, o estudante foi desligado do estágio que era intermediado pelo CIEE junto ao Hospital Independência, sob alegação de conduta inapropriada. O hospital diz ter feito apuração interna e explicou não ter registrado ocorrência na polícia por "falta de provas". A casa de saúde informou que comunicou o CIEE sobre o motivo do desligamento do aluno, que seria "atitude inadequada com paciente", mas sem entrar em detalhes sobre o que teria ocorrido.
A direção da Faculdade de Medicina disse a GZH que buscou informações junto ao hospital, mas não obteve. Uma colega de Guilherme procurou a direção da faculdade e relatou o caso. Ela não estava presente no dia do suposto fato, mas ficou sabendo por outras pessoas e levou ao conhecimento da faculdade.
A direção da escola informou à reportagem ter entendido que apenas um relato verbal não era suficiente para abertura de apuração. A faculdade também deliberou, à época, que não mais autorizaria estágios no Hospital Independência pelo fato de não ter sido oportunizada ao estudante a chance de defesa.
O caso acabou tendo andamento junto a autoridades porque o próprio estudante de Medicina fez registro na polícia. Em 19 de maio, ele fez ocorrência na Delegacia Online em que contava o rompimento do estágio e descrevia estar sendo acusado de "contato inapropriado com paciente". Além disso, referiu boatos de que teria masturbado o paciente enquanto ele era anestesiado. A ocorrência foi direcionada para a 15ª Delegacia da Polícia Civil, mas não teve nenhum andamento ou apuração.
Em 20 de julho, Guilherme fez novo registro, desta vez, alegando homofobia por parte da colega que fez o relato do caso na universidade. Ele se declara homossexual, o que seria motivo para estar sendo discriminado e acusado. A investigação policial começou a partir deste registro e logo verificou a suspeita de crime sexual.
Em agosto, o estudante de Medicina foi à polícia novamente para declarar que renunciava ao direito de representar criminalmente contra a colega que teria praticado homofobia contra ele. Mas a investigação prosseguiu, justamente pela suspeita de possível crime contra o paciente.
Ouvido pela polícia, o paciente com o qual teria ocorrido o fato contou que "sentiu uma mão na sua barriga e momentos depois sentiu que a mão desceu para seus testículos e tocou o seu pênis". Ele afirmou que mesmo sentindo que estava sendo tocado não teve condições de reagir por causa da sedação. Questionado se foi masturbado, ele afirmou que sim. O paciente declarou só ter sido informado do fato pelo hospital em 23 de agosto — quatro meses depois do suposto fato.
O estudante investigado negou os fatos em depoimento à polícia. Inclusive, negou que tenha admitido a funcionários do hospital que colocara as mãos por baixo do lençol por estar com frio. A partir do acesso ao inquérito policial, a direção da Faculdade de Medicina da UFRGS informou a GZH que abrirá processo disciplinar para apurar o caso.
— O fato de o estudante ter feito o registro por homofobia mostra que talvez ele tenha tentado se antecipar e se "defender" de uma possível apuração pelo hospital, universidade ou polícia em referência a sua conduta. É uma pena que o hospital não disponha de imagens, no entanto os depoimentos do corpo clínico, bem como da própria vítima, são contundentes com relação à materialidade do fato — avaliou a delegada.
Contraponto
O que diz Diego Machado Candido, advogado especialista em Direito LGBT que acompanha o caso de Guilherme Fernandes Gonçalves:
"Meu cliente prefere não se manifestar neste momento. O inquérito está em curso e ele nega as acusações. Já prestou depoimento à polícia. O que sustentamos é que ele foi vítima de homofobia possivelmente no hospital e entre colegas da UFRGS."
Adriana Irion
Fonte: gauchazh.clicrbs.com.br
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