Desafios da justiça gratuita face ao ônus dos honorários sucumbenciais

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Via @consultor_juridico | A Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.766 proposta pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em 2017, discutia, dentre outros assuntos, aspectos da reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017), sobretudo quanto às regras da gratuidade da justiça em face do ônus de pagamento de honorários advocatícios de sucumbência.

Em sua decisão, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da expressão "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa", contida no § 4º, do artigo 791-A da CLT [1].

Seguindo esse entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, no Acórdão publicado em 31/3/2023 [2], em sede de recurso de revista, afastou a possibilidade da utilização dos créditos obtidos pela obreira, na qualidade beneficiária da justiça gratuita, na reclamação trabalhista ou em processos diversos, para o pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência, a que havia sido condenada pelo TRT de origem.

O caso acima pode ser considerado um leading case desta justiça especializada quanto à aplicação do entendimento do STF referente à inconstitucionalidade da parte do dispositivo legal celetista, que permite o

"desconto" dos honorários de sucumbência do valor recebido pelo empregado, beneficiário da justiça gratuita, na reclamação trabalhista por ele proposta.

Destaca o relator, ministro Maurício Godinho Delgado, com fulcro em dados coletados pelo IBGE, que expressiva parcela dos autores de ações trabalhistas em território brasileiro são trabalhadores desempregados ou cidadãos com salário e renda consideravelmente humildes. E, em ambos os casos, constituem verdadeiros e incontestáveis destinatários do benefício da justiça gratuita.

É imperioso salientar que a decisão da 3ª Turma do TST, seguindo as diretrizes do Supremo Tribunal Federal, tão somente suspendeu a exigibilidade do pagamento dos honorários sucumbenciais, enquanto perdurar a condição de hipossuficiência.

Assim, a execução só será possível, se nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que atestou as obrigações advindas da sucumbência, o credor demonstrar que cessaram as condições de insuficiência de recursos que deu causa à concessão do benefício da justiça gratuita. Após o prazo de dois anos, extingue-se, por fim, a obrigação da parte sucumbente.

A possibilidade do custeio dos honorários advocatícios de sucumbência com créditos obtidos em ações judiciais, pelo hipossuficiente beneficiário da justiça gratuita, é atentatória à assistência jurídica plena e gratuita, garantida pelo Estado, nos termos do inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição de 1988.

Essa possibilidade vai também de encontro ao direito fundamental de acesso à justiça em caso de lesão ou ameaça a direito, igualmente prevista na Constituição brasileira (artigo 5º, inciso XXXV).

Nesse sentido, Maurício Godinho Delgado, em seu voto, explica que:

"[...] a compatibilização da previsão contida no caput do art. 791-A da CLT, inserido pela Lei da Reforma Trabalhista, com a concessão da justiça gratuita ao litigante declarado hipossuficiente econômico, como realização do amplo acesso à Justiça, não pode ser alcançada mediante a utilização de artifício que se mostra incompatível, em si, com a ordem constitucional. Isso porque, quando a atuação dos segmentos sociais vulneráveis e hipossuficientes é restringida pela imposição de estratégias legislativas que criam embaraços à realização do conteúdo das garantias constitucionais previstas no art. 5º, XXXV, LXXIV, da CF, as desigualdades sociais ficam ainda mais aparentes e severas".

Ao contrário do que os mais pragmáticos poderiam supor, não se trata de um "salvo-conduto" para o inadimplemento de obrigações. Afinal, não ocorre a imediata exclusão da responsabilidade, mas sim, a possibilidade de postergar seu pagamento, para o caso de o hipossuficiente, no futuro, vir a adquirir as condições necessárias e suficientes para arcar com os valores devidos, sem prejuízo de sua subsistência e de seus dependentes.

Sobre o tema, são prudentes os apontamentos do ministro do STF, Alexandre de Moraes:

"Não se trata, portanto, de isenção absoluta ou definitiva dos encargos do processo, mas mera dispensa da antecipação do pagamento, nos casos em que a antecipação de pagamento possa acabar frustrando a possibilidade do hipossuficiente de recorrer à Justiça" [3].

Outrossim, é preciso lançar luzes para o principal aspecto da decisão que surtiu reflexos positivos na seara trabalhista: a orientação substancial trazida pelo STF aqui reside, sobretudo, no entendimento de que a superação da condição de hipossuficiência econômica pelo beneficiário da justiça gratuita não deve ser reconsiderada, nem reavaliada pela simples obtenção de valores devidos em processos judiciais.

Quer dizer, a cessação da condição de vulnerabilidade não poderá ser aferida mediante a percepção de créditos advindos de eventuais vitórias em processos judiciais de qualquer natureza. Presumir que a percepção de valores em ações judiciais afastaria a condição de hipossuficiência de um cidadão é conclusão totalmente desprovida de razoabilidade.

Em outras palavras, é preciso compreender que inexistem razões mínimas ou tampouco suficientes para determinar que uma vitória em ambiente processual que traga proveitos econômicos para o autor possa ser capaz de reverter plenamente a condição econômica do jurisdicionado. Existem incontáveis situações que podem interferir negativamente nesse contexto e devem ser consideradas pelos tribunais.
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[1] https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15350971179&ext=.pdf

[2] RR-10005-65.2019.5.03.0080.

[3] https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15350971179&ext=.pdf
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Fabíola Marques é advogada, professora da PUC na graduação e pós-graduação e sócia do escritório Abud e Marques Sociedade de Advogadas.
Fonte: Conjur

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