O ministro também defendeu a coisa julgada como instrumento de segurança jurídica e afirmou que a modulação de efeitos não pode servir para que o poder público edite leis “utilmente inconstitucionais”.
Fux fez as afirmações durante a abertura do VII Congresso Internacional de Direito Tributário do Rio de Janeiro, com o tema “Segurança Jurídica, Litigiosidade e Competitividade”, promovido pela Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF). Fux é o homenageado deste ano pelo evento e recebeu uma placa das mãos dos tributaristas Heleno Taveira Torres e Gustavo Brigagão – diretor-presidente e presidente honorário da ABDF, respectivamente – e de seu filho, o advogado Rodrigo Fux.
O ministro afirmou ter uma preocupação com o direito tributário desde o dia em que entrou em uma feira de direito e viu um empresário que espetava um palito nos produtos indicando o percentual de tributos incidente sobre eles. Em um caso específico, disse, a tributação era de 91%, e o empresário ainda precisava remunerar os empregados. “Quer dizer, em um país em que há assim essa sanha tributária, fica muito difícil promover o desenvolvimento econômico”, afirmou o ministro.
Citando James Buchanan, que ganhou o prêmio Nobel da economia de 1986, Fux defendeu uma ponderação entre o pacto constitucional, para a satisfação do mínimo existencial, e uma “atividade estatal de intervenção econômica que não poderia ser uma atividade expropriatória”.
“Por falar em atividade expropriatória, eu sempre me manifesto no sentido de que o Poder Judiciário tem de ter muito cuidado porque há uma tendência de se transformar o Poder Judiciário uma fonte arrecadatória de tributos”, disse Fux, que afirmou haver um volume grande de ações, incluindo as rescisórias, com a desconstituição de julgados por meio da qual as partes obtêm um direito “depois de lutas e barricadas”.
Especialmente em 2023, a Fazenda Nacional tem colhido frutos de uma relação próxima aos tribunais superiores. O JOTA mostrou que a União ganhou este ano casos bilionários relacionados a temas como os limites da coisa julgada em matéria tributária, a cobrança de PIS e Cofins sobre receitas financeiras de bancos e de IRPJ e CSLL sobre incentivos fiscais de ICMS.
Coisa julgada
Fux também defendeu a coisa julgada como instrumento de segurança jurídica. O magistrado afirmou que “não há efetivamente mercado de negócios que conviva com uma falta de previsibilidade, que conviva com uma tributação expropriatória”. No que diz respeito às relações tributárias, o ministro observou que, quando há uma relação continuada (aquela em que um tributo é pago periodicamente), “é possível que em um ano não se cobre um tributo e no outro se cobre”.
Com relação a essa possibilidade, o STF decidiu em fevereiro, no julgamento dos Temas 881 e 885, que um contribuinte que obteve uma decisão judicial favorável com trânsito em julgado permitindo o não pagamento de um tributo perde automaticamente o seu direito diante de um novo entendimento do STF que considere a cobrança constitucional. O caso concreto envolveu a CSLL, mas o julgamento tem impacto sobre outros tributos pagos de modo continuado.
No julgamento, os ministros foram unânimes ao entender pela cessação de efeitos da coisa julgada diante de um novo entendimento do STF. Mas, por 6X5 votos, negaram o pedido de modulação de efeitos – agora reformulado pelos contribuintes por meio de embargos de declaração. Na ocasião, Fux figurou entre os magistrados que votaram pela modulação, ou seja, para que a decisão produzisse efeitos a partir da ata de julgamento do presente julgamento. Questionado pelo JOTA, o magistrado afirmou que tratou o tema da coisa julgada no congresso da ABDF “em abstrato” e que não comenta as controvérsias ainda em julgamento no Supremo.
A procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize Ruas de Almeida, afirmou que a tese fixada no julgamento dos Temas 881 e 885 foi, sem dúvidas, “perfeita”, ao entender que uma nova decisão do STF em controle concentrado (em ADI, por exemplo) ou em sede de repercussão geral “muda o sistema jurídico” e representa um “novo marco normativo nas relações jurídicas de trato continuado”. Almeida discordou, porém, da alegação dos contribuintes de que a decisão do STF trouxe surpresa ou desnaturou a coisa julgada. A seu ver, o entendimento pela cessação dos efeitos da coisa julgada consolidou uma jurisprudência que vinha sendo discutida há anos no STF.
“Vivemos para ver o STF consolidar a sua posição de que, sim, a jurisprudência da corte constitucional cria uma nova normatividade e, a partir daí, todas as novas relações, sejam pró-contribuinte, sejam pró-Fazenda, se impõem”, disse a procuradora-geral.
Modulação de efeitos
Durante o Congresso da ABDF, Fux comentou ainda a modulação de efeitos. Por meio deste instituto, geralmente, o STF projeta para frente os efeitos de decisões que declaram tributos inconstitucionais. O magistrado afirmou que, como o Brasil não é um museu de princípios, a jurisprudência pode ser alterada de acordo diante de um novo ambiente objetivo jurídico, mas que isso não pode acontecer toda hora. E, justamente diante dessa mudança de jurisprudência, há julgamentos que devem ter efeito “ex nunc”, ou seja, para frente, para que não haja uma violação ao princípio da não surpresa. Fux disse, porém, que a modulação de efeitos “não pode servir para que o poder público emita leis que são utilmente inconstitucionais”.
“O que é a inconstitucionalidade útil? As leis gozam de presunção de constitucionalidade. [O ente institui o tributo e] vai cobrando que, depois, o tribunal modula ex nunc [a decisão que declarou o tributo inconstitucional] e o dinheiro fica para ‘ex nunca’, não recebe nunca, essa é que é a grande realidade”, criticou o ministro.
Em matéria publicada em 11 de agosto, o JOTA mostrou que o STF modulou pelo menos 66 processos tributários desde 2021. Desse total, 60 – ou 90,9% — foram favoráveis ao fisco, ao impedir que os contribuintes tenham direito à devolução de tributos pagos indevidamente no passado. Esses 66 processos correspondem a 19 teses tributárias. Das 19 teses, 14 – ou 73,7% – foram favoráveis ao fisco, impedindo a devolução retroativa de tributos às pessoas físicas e jurídicas.
Reforma tributária
Por sua vez, o ministro Dias Toffoli, do STF destacou a importância de se discutir segurança jurídica, litigiosidade e competitividade em um momento em que o Pode Legislativo vota temas relevantes como o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária.
Toffoli afirmou que o atual sistema tributário brasileiro se tornou obsoleto, o que prejudica a competitividade e se reflete no elevado nível de litigiosidade no país. O ministro afirmou que, para além das divergências entre os atores envolvidos na discussão sobre a reforma tributária, “não há como negar que uma reforma estruturante requer uma discussão que vai além de receitas e gastos” e que é preciso tratar também de uma “nova agenda federativa mais solidária e mais justa”.
O ministro não fez uma crítica específica à PEC 45, aprovada na Câmara em julho e agora em tramitação no Senado Federal. No entanto, o magistrado ressaltou que alterações fiscais federativas são trabalhosas e lentas e, muitas vezes, levam a remendos e alterações pontuais e acabam constitucionalizando “cada vez mais temas que não precisariam estar previstos na Constituição”. Para o magistrado, quanto mais texto na Constituição e quanto mais emendas constitucionais, mais judicialização haverá.
“Enquanto a agenda tributária não avança na esfera política adequada, temos visto um certo protagonismo, não só na área tributária, mas em todas as áreas, do próprio Poder Judiciário, em especial do STF, na resolução dos conflitos no que diz respeito à questão tributária, aos temas tributários e federativos”, disse Toffoli, que observou que o STF não tem a prerrogativa de escolher as causas que vai julgar.
Segundo o ministro, em 2022, o STF proferiu quase 13 mil decisões colegiadas, enquanto em países como Estados Unidos e Alemanha a Suprema Corte julga entre 90 e 120 casos por ano. No total, contando monocráticas, o STF proferiu cerca de 90 mil decisões em 2022.
No que diz respeito à reforma tributária, o tributarista Gustavo Brigagão, presidente honorário da ABDF e presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), criticou o que ele chamou de açodamento na aprovação da proposta na Câmara dos Deputados, em 7 de julho. O advogado disse que os deputados aprovaram um relatório divulgado 24 antes da votação e que transformaram dois turnos em apenas um só, uma vez que as votações foram realizadas na sequência uma da outra.
“A Câmara dos Deputados conseguiu piorar o projeto de uma forma assustadora, que causa perplexidade. [Os deputados] transformaram dois turnos em um só. Dois turnos que, numa alteração da Constituição, têm o objetivo de fazer o parlamentar voltar para casa e pensar nos equívocos”, criticou Brigagão.
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* A reportagem viajou a convite da ABDF
Cristiane Bonfanti – Repórter do JOTA em Brasília. Cobre a área de tributos. É jornalista e bacharel em Direito formada pelo UniCeub, com especialização em Ciência Política pela UnB e MBA em Planejamento, Orçamento e Gestão Pública pela FGV. Antes, passou pelas redações do Correio Braziliense, de O Globo e do Valor Econômico
Fonte: @jotaflash
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