Esse julgamento marcou a história da previdência social brasileira como um dos episódios mais lamentáveis de sua existência e manchou a história da Corte Constitucional, que tem, cada vez mais, se curvado aos interesses difusos que rodeiam temas relevantes eventualmente julgados em seu Plenário.
As ADI’s 2110/2111 eram, até então, defuntos jurídicos esquecidos pelo STF e que, desde 2001, não tinham qualquer tipo de movimentação processual. Vale explicitar, de forma resumida, que as ADI’s não traziam em seu pedido original qualquer tipo de conexão com o tema 1102 STF (Revisão da Vida Toda), a conexão foi criada pelo próprio STF, em sede de controle difuso de constitucionalidade, e se quer foi dada a oportunidade para as partes afetadas pela decisão se manifestarem durante o julgamento. Não é de hoje que a corte constitucional tem suprimido advogados a exercerem o contraditório e cerceando a ampla defesa, principalmente nas ações que podem causar a exigência de algum tipo de reparação da união.
É evidente que tudo isso foi cuidadosamente arquitetado pela AGU, que utilizou a grande mídia como uma metralhadora de fake news e, assim, ganhou o apadrinhamento de alguns ministros que defendem incansavelmente a imputabilidade do INSS.
As táticas de guerra do INSS
Essa estratégia processual tem nome: Lawfare, que surge da mistura da palavra Law (lei) e Warfare (guerra), e se resume no uso ou manipulação da lei como instrumento de combate a um oponente, desrespeitando os procedimentos legais e os direitos individuais de quem se pretende eliminar. Inclusive, essa estratégia foi muito utilizada na Segunda Guerra Mundial, durante o regime nazista, para legitimar a repugnante pulverização dos direitos de toda uma população.
Ou seja, a Lawfare é uma arma de guerra, que emprega manobras jurídico-legais de maneira desleal e configura uma guerra jurídica que tem por finalidade causar dano irreversível a um adversário político.
Na guerra, se escolhe, cuidadosamente, o local onde o combate acontecerá, o armamento mais adequado para aniquilar o inimigo e o controle eficiente das externalidades. Trazendo isso para o contexto jurídico, temos a escolha cuidadosa da AGU em trazer essa guerra para a arena do plenário no STF, que nem sequer deveria ter afetado o tema, tendo em vista que se trata de matéria infraconstitucional. Além disso, se escolheu cuidadosamente a arma que poderia aniquilar o direito dos aposentados, as ADIS 2110/2111, que tinham por objetivo julgar novamente o tema 1102 e se aproveitar da nova composição do plenário. Por último, as externalidades foram controladas com o auxílio irresponsável da grande mídia, que trouxe na primeira página de seus jornais, em diversas oportunidades, o mirabolante impacto econômico da revisão da vida toda - números que nunca foram nem juntados nos autos do tema 1102.
O embate jurídico cedeu lugar ao embate político
Fato é que a revisão da vida toda deixou de ser um embate jurídico em 2022, quando o mérito foi decidido no plenário e o direito dos aposentados foi reconhecido pelo STF. Desde então, o embate jurídico cedeu seu lugar ao embate político e, evidentemente, o aposentado foi eleito o adversário político a ser derrotado, ora responsabilizado por todo o descontrole das contas públicas e pelas desigualdades que assolam o país. Afinal, como sugeriu o Ministro Barroso durante a sessão que julgou as ADI’s, o aposentado vive demais e, por isso, causa desequilíbrio nas contas da previdência social.
O silêncio da OAB
Diante de toda a estratégia desleal do INSS e a pulverização de direitos sociais pelo STF, o conveniente silêncio do Conselho Federal da OAB tem chamado a atenção.
Não podemos esquecer que o enfrentamento da insegurança jurídica e das injustiças institucionais cometidas a torto e a direito por tribunais superiores é uma das obrigações do CFOAB, que por sua vez se mantém inerte diante de tamanha insegurança jurídica. Hoje, quem sangra na arena do plenário no STF são os aposentados, mas a violação de normas processuais e de julgados pacificados cria precedentes malignos que podem prejudicar a advocacia como um todo, seja ela previdenciária, trabalhista, tributária, cível, criminal ou qualquer outra.
Infelizmente, são poucos os advogados que de fato compraram essa luta e que continuam defendendo ferrenhamente os aposentados. Esse fato é reflexo de uma classe desunida, que prefere, em sua maioria, abaixar a cabeça e reconhecer a afrontosa derrota sofrida. Talvez, tenham se esquecido que o advogado é indispensável na administração da justiça, que é um peça fundamental na luta pelo cumprimento da lei e que a verdadeira advocacia é exercida nas trincheiras do judiciário.
Conclusão
Por fim, resta inequívoco que episódios semelhantes ao do dia 23 de março continuarão a acontecer. Temos uma Corte Constitucional que aceita o jogo manipulador e desonesto dentro do Processo Civil e que decide politicamente e sem qualquer tipo de limitação em seus poderes. Também temos uma classe de advogados que, em sua grande parte, prefere o conveniente silêncio ao exercício combativo da advocacia. Contudo, por vezes na história, foi necessário que alguns estivessem dispostos a lutar, para que os direitos sociais de todos fossem respeitados.
Portanto, mais uma vez, seguiremos lutando e sem arredar os pés!
Gabriel Oliveira (@gabriel.oa) é advogado Previdenciarista, focado na área de INSS, adora viagens e ama esportes. Atua no escritório Marcos André Advocacia (@maadv.prev).
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