"Mas tem que não saber ler e não saber escrever uma frase inteligível, para a Justiça te reputar inelegível. O País precisa seguir na luta, pois há mais de 9 milhões de analfabetos fora da disputa. Pro TSE, prova-se a escolaridade do cidadão com Carteira Nacional de Habilitação. O certificado escolar acostado afasta o analfabetismo falado contra o réu impugnado".
O que poderia ser só mais uma sentença comum, virou uma decisão rimada e baseada na expressão cultural que é típica do nordeste do país: o cordel. No processo, os partidos da coligação "Juntos Somos Mais Fortes" (PSD, PL, Republicanos e Avante) alegaram que não havia provas de que Zé de Migué seja alfabetizado e pediam, ainda, que o candidato realizasse uma prova de alfabetização: “A documentação juntada sobre a escolaridade do recorrido não faz prova de alfabetização, sendo claro que este não sabe ler ou escrever”, argumentou a coligação.
Inovando o formato, o magistrado José de Souza Brandão Netto manteve o candidato na disputa, deixando claro que o candidato provou sua escolaridade quando apresentou a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) que, segundo o TSE, é um documento que assegura o direito do candidato, desde que ele não seja considerado analfabeto. A Constituição Federal prevê que os candidatos a cargos eletivos devem ser alfabetizados. Zé de Migué, de 54 anos, declarou no registro de candidatura do TSE que é agricultor e tem o ensino fundamental incompleto.
"Assim, há de ser prestigiado o exercício da cidadania, evitando que redutos, pouco letrados, sejam dominados por elites da Bahia. Por isso, em Comarca do nosso Nordeste, em que brilhou o Rei do Baião, Acolho o parecer do Promotor da região", concluiu Netto, na decisão do processo.
Decisão em cordel
Decisão em cordel do juiz José de Souza Brandão Netto, sobre o pedido de impugnação de candidatura de cidadão com baixa escolaridade — Foto: TSE - BA
Segundo o TSE, 26 candidatos nas eleições municipais deste ano se declararam analfabetos. Deles, apenas um concorre a prefeito, em Wenceslau Braz (PR). Segundo dados do Censo de 2022, em relação ao de 2010, a parcela de analfabetos na população com mais de 15 anos caiu 2,6 pontos percentuais, de 9,6% para 7%. No entanto, em números absolutos, ainda há 11,4 milhões de brasileiros que não sabem ler nem escrever.
Em entrevista ao GLOBO, o magistrado contou que a ideia de proferir decisões em versos não é de agora, mas explicou que o formato pode desmistificar o judiciário que, segundo ele, passa a impressão de que só serve para punir.
— Na época das eleições, também, a gente não pode excluir pessoas. O Poder Judiciário tem que aumentar a possibilidade de mais pessoas poderem participar dos destinos do país, não limitando a sua capacidade eleitoral ativa — argumentou o magistrado.
Apreciador da música nordestina, Netto contou que a inspiração também veio da região do "Rei do Baião".
— O que me inspirou também foi que eu tinha visto uma decisão do TSE, que falava que a cidadania, a dignidade da pessoa humana, constitui princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. Então, por isso que eu vi nessa situação uma forma mais didática de chamar atenção para essa questão do Brasil, foi assim que eu decidir fazer na forma de cordel. Eu sou um admirador do Luiz Gonzaga — concluiu.
Por Anna Bustamante*
Fonte: @jornaloglobo
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