Mãe de Miguel Otávio Santana da Silva, menino de 5 anos que morreu em 2020 ao cair do nono andar de um prédio no centro do Recife/PE, Mirtes transformou sua dor em ferramenta de luta por Justiça e transformação social.
O TCC, intitulado "Trabalho Escravo Contemporâneo e Direitos Fundamentais: uma análise da proteção constitucional com foco nas trabalhadoras domésticas", foi elaborado entre lembranças e cicatrizes.
"Finalizei esse trabalho às vésperas de completar cinco anos sem meu filho, com as emoções à flor da pele, cada linha escrita carregava uma lágrima de dor, de raiva, de revolta e do cansaço de tantas noites mal dormidas."
Veja o vídeo sobre o TCC:
A produção acadêmica foi construída com base em histórias reais de escravidão contemporânea, como as de Madalena Gordiano e Sônia Maria, além da própria vivência de Mirtes.
"Trago nesse trabalho casos reais, dolorosos e revoltantes, como o de Madalena Gordiano, de Sônia Maria, o meu próprio caso, diante de tantos outros exemplos de mulheres pretas, trabalhadoras domésticas, submetidas ao trabalho análogo à escravidão, mulheres que tem seus direitos violados."
Segundo a nova bacharel em Direito, o texto foi mais do que um dever de graduação.
"Não escrevi esse TCC apenas como um requisito acadêmico. Escrevi como um ato de denúncia, de resistência e de memória."
Ela contou que ingressou no curso de Direito movida pela necessidade de enfrentar juridicamente as injustiças sofridas após a morte do filho. "Cursar Direito nunca foi um sonho, foi uma necessidade", afirmou.
"Uma forma de buscar o conhecimento jurídico para me fortalecer e enfrentar de frente os inúmeros absurdos contra meu filho, contra mim, contra outras pessoas que, como nós, foram silenciadas ou ignoradas por esse sistema racista."
A conquista teve um significado especial e foi direcionada a Miguel. "Foi por você, meu filho. Tudo sempre será por você." Ela acrescentou que dedicou "cada palavra escrita, cada aula assistida, cada momento em que quis desistir, mas segui" à memória de Miguel.
"Cinco anos depois da dor que mudou minha vida, subi mais um degrau da luta", escreveu.
A luta segue
Hoje, Mirtes atua como assessora parlamentar na Assembleia Legislativa de Pernambuco e se prepara para prestar o exame da OAB/PE. Ela também aguarda julgamento das ações movidas contra a ex-patroa, Sari Corte Real, que segue em liberdade.
Em 2020, Sari, então primeira-dama de Tamandaré/PE, colocou Miguel, de apenas cinco anos, sozinho no elevador de um prédio de luxo no Recife/PE. Enquanto sua mãe, empregada doméstica da casa, passeava com o cachorro da família a pedido da patroa, o menino subiu até o nono andar e caiu ao tentar encontrá-la.
Na esfera criminal, Sari foi condenada pelo TJ/PE a sete anos de detenção por abandono de incapaz com resultado morte, mas o processo ainda tramita com recursos pendentes. Na Justiça do Trabalho, a ação movida por Mirtes e sua mãe resultou em condenação de R$ 1 milhão, valor que ainda pode ser revisto pelo TRT da 6ª região.
Na ação civil pública, o TST manteve a condenação de R$ 386 mil por danos morais coletivos, mas a defesa recorreu. Já a ação cível por danos morais segue sem sentença na 1ª instância do TJ/PE desde a audiência de setembro de 2022.
Ao encerrar esse ciclo acadêmico, Mirtes afirmou que a conquista não foi individual. "Essa nota 10 não é só minha, é de todos e todas que de forma direta e indireta vêm me fortalecendo nessa jornada". E concluiu. "Seguimos. Por ele. Por nós".
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