Na prática, isso significa que os planos de saúde podem ser obrigados a custear procedimentos não previstos na lista oficial da agência, desde que cumpridos determinados requisitos, fixados pelo próprio Supremo neste julgamento.
Com esse entendimento, a Corte conferiu interpretação conforme à Constituição às alterações introduzidas pela lei 14.454/22, que ampliaram a possibilidade de cobertura de tratamentos e procedimentos médicos fora do rol da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar.
A maioria dos ministros acompanhou o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, que reconheceu a taxatividade mitigada e estabeleceu critérios objetivos para autorizar a cobertura de procedimentos excepcionais não listados pela ANS.
Três ministros, contudo, seguiram a divergência parcial aberta por Flávio Dino. Para S. Exa., a abertura prevista no §13 do art. 10 da lei 9.656/98 deveria ser interpretada em harmonia com o restante da norma, cabendo à própria ANS disciplinar as hipóteses excepcionais.
Dino destacou que não compete ao STF criar filtros adicionais, mas sim respeitar a escolha do legislador e a atuação técnica da agência reguladora.
Confira o placar:
Tese do STF pode estabelecer critérios para procedimentos fora do rol da ANS ou caberia à agência?
Veja a tese:
"1. É constitucional a imposição de cobertura de tratamentos ou procedimentos fora do rol da ANS, desde que preenchidos os parâmetros técnicos e jurídicos fixados nesta decisão.
2. Em caso de tratamento ou procedimentos não previstos no rol da ANS, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que preenchidos cumulativamente os seguintes requisitos.
(i) Prescrição por médico ou odontólogo assistente habilitado;
(ii) Inexistência de negativa expressa da ANS ou de pendência de análise em proposta de atualização do rol.
(iii) Ausência de alternativa terapêutica adequada para a condição do paciente no rol de procedimentos da ANS.
(iv) Comprovação de eficácia e segurança do tratamento à luz da medicina baseada em evidências de alto grau ou ATS, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível.
(v) Existência de registro na Anvisa.
3. A ausência de inclusão de procedimento ou tratamento no rol da ANS impede, como regra geral, a sua concessão judicial, salvo quando preenchidos os requisitos previstos no rol.
4. Sob pena de nulidade da decisão judicial, nos termos do art. 489, § 1º, 5 e 6 e art. 927, 3 e § 1º do CPC, o Poder Judiciário, ao apreciar o pedido de cobertura de procedimento ou tratamento não incluído no rol, deverá obrigatoriamente:
a. Verificar se há prova do prévio requerimento à operadora de saúde, com a negativa, mora irrazoável ou omissão da operadora na autorização do tratamento não incorporado ao rol da ANS.
b. Analisar o ato administrativo de não incorporação pela ANS à luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação de regência, sem incursão no mérito técnico-administrativo.
c. Aferir a presença dos requisitos previstos no item 2, a partir de consulta prévia ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível, ou a entes ou pessoas com expertise técnica, não podendo fundamentar a sua decisão apenas em prescrição, relatório ou laudo médico apresentado pela parte.
d. Em caso de deferimento judicial do pedido, oficiar a ANS para avaliar a possibilidade de inclusão do tratamento no rol de cobertura obrigatória."
Voto do relator
Na quarta-feira, 18, ministro Luís Roberto Barroso, ao votar, explicou que a definição do rol é fruto de juízo técnico-regulatório complexo, que considera fatores clínicos, assistenciais, operacionais e econômicos.
Assim, votou pela taxatividade mitigada, reconhecendo o rol como parâmetro técnico obrigatório, mas admitindo, em hipóteses excepcionais, a cobertura de tratamentos não listados, desde que observados critérios rigorosos.
O ministro destacou que decisões judiciais que determinam coberturas fora do rol, sem critérios técnicos, afetam a lógica atuarial dos contratos e comprometem a previsibilidade do setor. A saúde suplementar atende mais de 52 milhões de beneficiários no Brasil e responde por cerca de 27% dos gastos em saúde do país, lembrou.
Apresentando dados da ANS, Barroso mostrou a oscilação recente das operadoras: crescimento até 2020 (R$ 18,7 bilhões em resultados líquidos), forte retração em 2021-2022 (com prejuízo de R$ 1,7 bilhão) e recuperação a partir de 2023, atingindo superávit de R$ 18,4 bilhões no segundo semestre de 2025. Ressaltou ainda o aumento da judicialização (de R$ 1 bilhão em 2020 para R$ 4 bilhões em 2025) e fraudes estimadas em até R$ 34 bilhões anuais.
No exame da lei 9.656/98, Barroso julgou constitucional o §12 do art. 10, que delimita o rol como referência obrigatória para planos contratados após 1999. Quanto ao §13, entendeu ser necessário dar interpretação conforme à Constituição, fixando cinco requisitos cumulativos para a cobertura excepcional:
- prescrição por médico ou odontólogo assistente;
- inexistência de negativa expressa da ANS ou de pendência em processo de atualização do rol;
- ausência de alternativa terapêutica adequada já prevista;
- comprovação de eficácia e segurança com base em medicina baseada em evidências (ensaios clínicos randomizados, revisões sistemáticas ou meta-análises);
- registro do tratamento na Anvisa.
Esses parâmetros, explicou, refletem precedentes do STF sobre fornecimento judicial de medicamentos pelo SUS.
Ao final, acompanhado integralmente pelo ministro Nunes Marques, Barroso propôs tese de constitucionalidade condicionada do §13, vinculando a cobertura a critérios técnicos e objetivos.
Nesta quinta-feira, 18, acompanharam o relator os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Luiz Fux, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Veja destaques dos votos de cada um:
- Cristiano Zanin: ressaltou que a saúde suplementar é complementar ao SUS e que não se pode impor às operadoras obrigações superiores às do poder público.
- André Mendonça: embora inicialmente tenha visto inconstitucionalidade no §13, aderiu à tese do relator, defendendo que a interpretação conforme garante segurança jurídica e protege consumidores sem inviabilizar o setor.
- Luiz Fux: acompanhou integralmente o relator, lembrando que a flexibilização do rol só é cabível em hipóteses excepcionais, com comprovação técnica e registro na Anvisa.
- Gilmar Mendes: o decano reforçou a magnitude social da decisão - que alcança cerca de um quarto da população brasileira - e criticou a redação ampla do §13 por permitir tratamentos de baixa evidência científica. No entanto, aderiu às teses fixadas por Barroso, com os ajustes propostos por Zanin, ressaltando a necessidade de interpretação conforme a Constituição para assegurar proporcionalidade, previsibilidade contratual e proteção efetiva à saúde.
Divergência parcial
Ainda na quarta-feira, 17, ministro Flávio Dino divergiu parcialmente do relator. Embora tenha reconhecido a taxatividade mitigada, sustentou que o Supremo não deve criar filtros adicionais além dos já previstos em lei.
Segundo Dino, a lei 14.454/22 já estabeleceu a abertura do §13 do art. 10 da lei 9.656/98 em harmonia com o caput e incisos do dispositivo, atribuindo à ANS a tarefa de disciplinar as exceções.
"Não vejo razão para que avancemos para elaborar uma norma detalhada, sendo que a ANS pode e deve, na dicção legal, assim o fazer", afirmou.
Para o ministro, o Congresso fez uma escolha legítima ao adotar modelo semelhante ao já reconhecido pelo STJ, e essa decisão deve ser respeitada. Assim, votou pela constitucionalidade integral dos §§12 e 13, sem novos filtros judiciais.
Nesta quinta-feira, a divergência foi acompanhada pela ministra Cármen Lúcia e pelos ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes.
Veja os destaques dos votos:
- Cármen Lúcia: frisou que cabe à ANS exercer plenamente sua função regulatória e que não há necessidade de o Supremo impor novos filtros além dos previstos em lei.
- Edson Fachin: votou pela improcedência da ação, reconhecendo a validade da lei 14.454/22. Destacou a incidência da CF também nas relações privadas e a ausência de violação constitucional suficiente para justificar intervenção do STF.
- Alexandre de Moraes: destacou que a lei já exclui expressamente hipóteses como procedimentos estéticos e medicamentos não nacionalizados. Para S. Exa., a flexibilização do rol só pode ocorrer dentro das balizas legais, em consonância com a medicina baseada em evidências.
Desde 2022...
A controvérsia sobre a natureza do rol da ANS se intensificou em 2022, quando o STJ, após divergência entre suas turmas, fixou entendimento pela taxatividade mitigada, admitindo exceções em hipóteses específicas.
Poucos meses depois, o Congresso reagiu com a lei 14.454/22, que passou a tratar o rol como exemplificativo, ampliando a cobertura para procedimentos não listados em determinadas condições e reforçando a aplicação do CDC aos contratos de saúde suplementar.
Então, a Unidas - União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde, levou o caso ao STF, questionando a validade da nova lei.
A entidade sustentou que a norma ampliaria de forma indevida as obrigações das operadoras, desconsiderando o caráter complementar da saúde suplementar previsto no art. 199, § 1º da CF, e imporia encargos superiores aos exigidos do próprio SUS. Segundo a autora, isso compromete a lógica contratual e atuarial que sustenta o setor.
O pedido principal foi pela declaração de inconstitucionalidade material de dois pontos específicos: a expressão "contratados a partir de 1º de janeiro de 1999" e a integralidade do § 13 do art. 10 da lei 9.656/98, que passou a tratar o rol de procedimentos da ANS como meramente exemplificativo.
Para a Unidas, essa interpretação impõe às operadoras a obrigação de cobrir tratamentos não previstos expressamente, gerando incertezas e aumentando a judicialização.
Subsidiariamente, requereu interpretação conforme à Constituição, condicionando a cobertura excepcional à existência de protocolo de pedido na ANS, mora irrazoável da agência e inexistência de alternativa terapêutica já incorporada.
- Processo: ADIn 7.265
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