O juiz pode produzir provas ou deve ser mero espectador no processo? Por Thiago Cabral

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bit.ly/2K43vTc | Inicialmente, imperiosa se faz transcrição do art. 156 do Código de Processo Penal, já que o mesmo dispõe sobre a produção probatória ex officio por parte do magistrado:

[…] Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante […]

Note-se, portanto, que a segunda parte do dispositivo confere ao magistrado a faculdade de determinar diligências de ofício que, dentro de seu poder discricionário, entenda necessárias para dirimir eventual ponto controverso que porventura influencie no desfecho da lide penal.

Ocorre que, após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o Poder Judiciário brasileiro passou a adotar o sistema acusatório. Neste mesmo pensamento e diapasão, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 5104 MC/DF, em 21/05/14, sendo o relator o Min. Roberto Barroso, também entendeu que o sistema processual penal brasileiro é o acusatório:

[…] A Constituição de 1988 fez uma opção inequívoca pelo sistema penal acusatório. Disso decorre uma separação rígida entre, de um lado, as tarefas de investigar e acusar e, de outro, a função propriamente jurisdicional. Além de preservar a imparcialidade do Judiciário, essa separação promove a paridade de armas entre acusação e defesa, em harmonia com os princípios da isonomia e do devido processo legal. […] 

Ainda sobre o referido tema, Nucci define o sistema acusatório falando que:

[…] Possui nítida separação entre o órgão acusador e o julgador; há liberdade de acusação, reconhecido o direito ao ofendido e a qualquer cidadão; predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo; vigora a publicidade do procedimento; o contraditório está presente; existe a possibilidade de recusa do julgador; há livre sistema de produção de provas; predomina maior participação popular na justiça penal e a liberdade do réu é a regra. […]

O juiz pode produzir provas?

Dessa forma, no sistema acusatório, o juiz fica vedado de buscar a prova, seja para beneficiar a defesa ou a acusação, não podendo interferir na luta das partes na procura da verdade conveniente ao seu interesse jurídico. Aury Lopes explicita que o fundamento do sistema acusatório é de que a gestão das provas está nas mãos das partes e que o juiz é mero espectador.

Podemos dizer, assim, que o juiz deve ficar inerte e omisso só esperando e analisando o que é demonstrado pelas partes durante a instrução criminal. Nas palavras de Geraldo Prado, o sistema acusatório caracteriza-se pela presença de partes distintas, contrapondo-se acusação e defesa em igualdade de posições, e a ambas se sobrepondo um juiz, de maneira equidistante e imparcial. Há uma separação das funções de acusar, defender e julgar.

Dessa feita, o sistema acusatório procura distanciar o juiz das partes, objetivando dar-lhe mais imparcialidade no momento do julgamento, já que a imparcialidade verdadeira inexiste, pois os juízes também são homens e estão à mercê de suas vivencias e experiências mundanas. Como afirma Tourinho:

[…] não se pode admitir um juiz parcial. Se o Estado chamou a si a tarefa de promover justiça, essa missão não seria cumprida se, no processo, não houvesse imparcialidade do julgador. […] 

Ademais, voltando à discussão referente ao art. 156 do CPP, segundo entendimento do Mestre Oliveira o referido artigo é um retrocesso inaceitável, sendo sua inconstitucionalidade patente.

O juiz pode produzir provas ou deve ser mero espectador no processo?

O juiz não tutela e nem deve tutelar a investigação, porquanto a jurisdição criminal somente se inicia com a apreciação da peça acusatória. No curso do inquérito policial ou de qualquer outra investigação a atuação da jurisdição não se justifica enquanto tutela dos respectivos procedimentos.

Partindo destas premissas, ao se permitir que o juiz possa determinar a produção de provas de ofício, ou seja, por impulso oficial e sem o requerimento de qualquer das partes, estaremos permitindo a existência de um juiz investigador.

Quando o código permitiu esse atuar positivo do juiz, permitiu, a nosso ver de maneira expressa e inconstitucional, a existência de um juiz inquisidor, figura jurídica há tempos extinta e não condizente com as garantias constitucionais.

Portanto, o juiz não poderá desigualar as energias produtoras da prova no processo, sob pena de violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, reunidos ambos na exigência de igualdade e isonomia de oportunidades e faculdades processuais, comprometendo a sua imparcialidade.

Destarte, se a acusação ou a defesa não estão cumprindo o seu papel de forma competente e compromissada, ou seja, são omissos na produção de provas necessárias para o convencimento do magistrado, não compete a este descer do seu lugar de julgador e equidistante das partes para determinar a produção da prova não requerida.
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Por Thiago Cabral
Pós-Graduando em Direito Penal e Processual Penal. Pós-Graduando em Ciências Penais. Advogado criminalista.
Fonte: Canal Ciências Criminais

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