O caso das casinhas de cães em Porto Alegre (RS) – Por Gisele Kronhardt Scheffer

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bit.ly/2kiw4DG | Nesta segunda-feira, 02/9/2019, o Juiz da 10ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, Eugênio Couto Terra, determinou que o Município de Porto Alegre não pode remover ou transferir de local as casinhas de cachorro comunitárias localizadas no Bairro Jardim do Salso. Se a determinação for desobedecida, haverá multa no valor de 20 mil reais por remoção, sem prejuízo do restabelecimento da situação anterior.

Uma ação civil pública foi movida pelo Movimento Gaúcho de Defesa Animal (MGDA) contra a Prefeitura de Porto Alegre, que determinava a remoção das casinhas.

O juiz Eugênio Couto Terra, ao analisar o pedido, teceu algumas considerações, salientando que os animais

são seres sencientes e possuidores de uma dignidade que precisa ser protegida.

Afirmou, ainda, que em Porto Alegre há mais de 30 mil animais em situação de abandono e que a política pública em relação aos animais na capital

é materialmente insuficiente para promover o acolhimento de todos os cães em situação de vulnerabilidade (FERNANDES, 2019, não paginado).

O magistrado ainda afirmou que os argumentos de que as casinhas atrapalhariam a mobilidade urbana não se sustentam, e que os cães a que se refere esse processo são cuidados pela população e estão abrigados das intempéries. E concluiu que remover as casinhas, sem uma justa causa, ultrapassa a crueldade:

Ficariam os cães sem abrigo e cuidados mínimos de humanos, sofrendo frio no inverno e calor escaldante no verão, pois a política pública para atendimento de animais que se encontram nas ruas é insuficiente para assegurar um acolhimento digno para os cães (FERNANDES, 2019, não paginado).

Eis a última Nota de Expediente deste processo, que se encontra no site do TJRS:

9047407-20.2019.8.21.0001(CNJ) – Movimento Gaúcho de Defesa Animal (Cauê Vieira da Silva 77391/RS, Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros 45848/RS, Paloma Rolhano Cabral 83093/RS, Renata de Mattos Fortes 46468/RS, Renato Silvano Pulz 94230/RS, Rogerio Santos Ramme 44980/RS, Terla Bica Rodrigues 79630/RS) X Município de Porto Alegre (Anelise Pires Andrade 51051/RS, Simone Somensi 46444/RS). “…Diante do exposto, DEFIRO, EM PARTE,O PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA formulado, para determinar ao Município de Porto Alegre que se abstenha de remover e/ou transferir de local as “casinhas de cachorro comunitárias” localizadas em frente ao Condomínio Edifício Tulipa, situado na rua Ângelo Crivelaro, bairro Jardim do Salso, sob pena de multa no valor de R$ 20.000,00, por cada remoção que for feita, sem prejuízo da obrigação de restabelecimento da situação anterior. Intimem-se; o MPOA, inclusive para ciência do início do transcurso do prazo de contestação… (RIO GRANDE DO SUL, 2019). 

Vale observar que, desde 2009, é incentivada no Rio Grande do Sul a campanha do cão comunitário, pela Lei 13.193 (RIO GRANDE DO SUL, 2009). Seu art. 4º, § 2º assim determina:

Para efeitos desta Lei, considera-se animal comunitário aquele que estabelece com a comunidade em que vive laços de dependência e de manutenção, ainda que não possua responsável único e definido.

Para finalizar, ressalta-se a sensibilidade do magistrado frente à situação, além de uma pequena – porém perceptível – modificação do Poder Judiciário em relação à tutela jurisdicional dos animais não-humanos. O magistrado brilhantemente referiu-se à senciência (fato improvável de ocorrer há algum tempo) e ao direito dos cães cuidados pela comunidade do Jardim do Salso a uma existência digna.

Vicente de Paula Ataide Junior compartilha do mesmo pensamento. Para ele,

a dignidade animal é derivada do fato biológico da senciência, ou seja, da capacidade de sentir dor e experimentar sofrimentos, físicos e/ou psíquicos. […] Todo animal é sujeito do direito fundamental à existência digna, positivado constitucionalmente (ATAIDE JUNIOR, 2018, p. 50-51).

O PL 27/2018 já representou um grande passo na luta pela defesa jurídica dos animais não-humanos, ao determinar que estes passem a ter natureza jurídica “sui generis”, como sujeitos de direitos de despersonificados – o que inclui o seu reconhecimento como seres sencientes, passíveis de sofrimento e dotados de natureza biológica e emocional.

Infelizmente, foram excluídos os animais de produção e os utilizados para entretenimento humano, como a vaquejada. Entretanto, como todas as grandes lutas históricas são construídas passo a passo, espera-se que em breve não somente animais domésticos sejam considerados sujeitos de direitos, e todos recebam defesa jurídica em casos de maus-tratos.
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REFERÊNCIAS

ATAIDE JUNIOR. Introdução ao Direito Animal brasileiro. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador, v. 13, n. 3, p. 48-76, set./dez. 2018.

FERNANDES, Fabiana. Casinhas de cachorro: proibida retirada no bairro Jardim do Salso. 2 set. 2019. Disponível aqui. Acesso em: 3 set. 2019.
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Gisele Kronhardt Scheffer
Mestre em Direito Animal. Especialista em Farmacologia. Médica Veterinária.
Fonte: Canal Ciências Criminais

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