Tese defensiva: desclassificação do art. 217-A para o art. 215-A do Código Penal

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bit.ly/3c69G5C | O crime de estupro de vulnerável é configurado quando o agente pratica ato sexual ou ato libidinoso com menores de catorze anos ou pessoas sem discernimento. A jurisprudência fixou o entendimento que não importa se há o consentimento da vítima, pois a vulnerabilidade é absoluta.

Ocorre que, no judiciário brasileiro, muitas pessoas eram condenadas – e ainda são – ao tipo penal do art. 217-A do CP, quando se ‘esfregam’, ‘passam a mão’ ou ‘acariciam’ partes íntimas das vítimas vulneráveis. A pena do tipo penal mencionado é altíssima e muitas vezes, desproporcional aos fatos.

Em 2018 o legislador criou o art. 215-A do Código Penal, intitulado crime de Importunação Sexual. Dessa forma, o referido artigo passou a ter a seguinte redação:

Importunação sexual

Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.

Enquanto o estupro exige a ciência e discordância da vítima, coagida pela efetiva violência ou grave ameaça, bem como a prática de ato libidinoso quando o caso com aquela, a importunação sexual deve ser observada em casos em que o ofendido é mero instrumento do ato do infrator, que pratica o ato contra aquele.

A sexta turma do E. STJ, nos autos do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.730.341, decidiu unanimemente, em acórdão relatado pela Ministra Laurita Vaz, pela possibilidade de aplicação retroativa do crime de importunação sexual – em vez de estupro de vulnerável – por ser mais benéfico ao réu. Vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. ART. 213 DO CÓDIGO PENAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O TIPO PREVISTO NO ART. 65 DO DECRETO-LEI N.º 3.688/1941. ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL. CARACTERIZAÇÃO DO DELITO DE ESTUPRO. FATOS INCONTROVERSOS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ENUNCIADO N.º 7 DA SÚMULA DESTA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. SUPERVENIÊNCIA DE LEI PENAL MAIS BENÉFICA: LEI N.º 13.718, DE 24 DE SETEMBRO DE 2018. PENA MAIS BRANDA. RETROATIVIDADE. READEQUAÇÃO DO TIPO: CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO (AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.730.341 – PR  – 2018/0059192-1)

Para ocorrer a aplicação do art. 215-A do CP, não pode haver qualquer ato de  violência ou grave ameaça. E ainda, outro elemento essencial é a ausência de concordância com o ato criminoso, ou seja, sem anuência.

De fato, as vítimas do crime de importunação sexual não são forçadas a nada, são meras expectadoras com nenhuma conduta positiva. O exemplo clássico do crime de importunação sexual: o assédio sofrido por mulheres em meios de transporte coletivo e também, passar a mão’ ou ‘acariciar’ as partes íntimas das vítimas, sem violência ou grave ameaça. Vale lembrar que trata-se de um crime comum.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, no processo nº 0005731-38.2017.8.26.0565 desclassificou o crime de estupro de vulnerál para importunação sexual:

ESTUPRO DE VULNERÁVEL – Quadro probatório que se mostra seguro e coeso para evidenciar autoria e materialidade do delito. Palavra das vítimas corroborada pelos demais elementos de prova. Manutenção da condenação. Possibilidade de alteração da capitulação delitiva para o art. 215-A, CP, mais adequado à realidade dos fatos. Reconhecimento da continuidade delitiva – Adequação da pena. Pena integralmente cumprida. Análise quanto ao regime e possibilidade de substituição prejudicada. Recurso parcialmente provido, com extinção da punibilidade, de ofício, e expedição de alvará de soltura (voto n. 39437)

Trecho da decisão:

[…] Assim, mostrando-se mais consentânea à realidade fática e também mais proporcional a apenação em relação aos atos praticados, desclassifica-se a conduta de para a prevista no artigo 215-A, do Código Penal. (Relator Newton Neves)

Portanto, ao analisar o caso concreto, o defensor deve analisar as condutas tidas como criminosas e – tentar – adequar ao novo tipo penal do art. 215-A do CP, pois a norma é mais benéfica ao réu e deve retroagir, conforme mandamento constitucional esculpido no inciso XL do art. 5º da Constituição Federal.
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Rodrigo Urbanski
Professor. Advogado Criminalista. Especialista em Ciências Penais e Direito Constitucional.
Fonte: Canal Ciências Criminais

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