Comigo não foi diferente!
No início em que comecei a atuar como criminalista, ao ser chamada na delegacia para acompanhar um flagrante, me deparei com uma situação muito inusitada.
Ao atender meu telefone, perguntaram-me se havia possibilidade de comparecer na delegacia naquele momento, eis que uma pessoa havia sido presa por ter agredido a esposa e a enteada.
Extremamente tímida e sem saber ao certo o que fazer, perguntei a um policial pela pessoa presa, que logo me mostrou quem era.
Após me apresentar ao detido, prontamente disse que iria acompanhá-lo e que estava ali para resolver a sua situação. Questionei-o, em seguida, qual foi ação que procedeu a sua prisão.
O detido, com a voz trêmula, disse que, após chegar em casa, iniciou uma discussão com a esposa. Não se recordava qual era o motivo. Sabia apenas que eles estavam com os ânimos muito exaltados, e lembrava somente do momento em que viu o dedo da esposa entre o grampeador e, sem hesitar, prendeu o polegar da companheira. Ela por sua vez, avançou nele e “crack”: mordeu seus testículos.
Naquele momento, meus olhos, imediatamente, direcionaram-se para as partes íntimas do Acusado, que estava com uma bermuda floral toda ensanguentada. Como se não bastasse, ele incansavelmente insistia para que eu visse a lesão.
Atemorizada por nunca ter acompanhado um flagrante antes, e extremamente constrangida pelo fato de o detido insistentemente querer me mostrar a lesão em seus testículos, logo fiz o inesperado: tomei a mais louca atitude que um criminalista poderia fazer.
Imagino que vocês devem estar pensando que eu tenha pedido ao cliente para ver a lesão ou que tenha saído correndo da delegacia.
Não! Não foi nenhuma dessas atitudes! Pior!
Olhei bem em seus olhos e disse:
Fique calmo, vou liberar você! Não ficará preso.
Em conversa com o escrivão, esse me informou que a delegada havia ido na residência do detido, em busca da real dinâmica dos fatos, eis que a companheira não quis representar.
Eu, tentando a todo tempo demonstrar experiência e segurança, sempre que tinha a oportunidade, me aproximava dele e dizia:
Confia em mim, hoje ainda você retornará para sua casa.
Quando a delegada chegou, disse que o detido seria autuado em flagrante delito e que estaria arbitrando a fiança de cinco salários mínimos.
Naquele momento, logo me lembrei dos artigos jurídicos, e, arrogantemente, disse à delegada que tal atitude seria ilegal, visto que a lesão praticada pelo acusado foi apenas vias de fato, quem deveria representar seria ele, e além do mais, se a vítima não quis representar, certamente, não havia flagrante.
A delegada, que possivelmente, percebeu minha inexperiência, educadamente me disse:
Doutora, estive na residência do seu cliente, vi as inúmeras lesões que ele fez na esposa e na enteada, além de ter quebrado a casa inteira. Estou percebendo que a senhora não leu o boletim de ocorrência, tampouco ele lhe contou tudo que aconteceu. Assim, irei autuá-lo e a fiança está arbitrada. Se ele pagar, será solto, caso contrário, permanecerá preso à disposição da Justiça.
Naquele instante, foi que eu me lembrei que havia um boletim de ocorrência. E agora, o que fazer? Essa pergunta não parava de martelar na minha cabeça, eis que havia prometido ao cliente que ele seria solto e que eu resolveria aquela situação.
Então, me direcionei até o escrivão para pedir uma cópia do boletim de ocorrência. Ao tomar conhecimento, percebi que meu cliente apenas me relatou a parte que lhe interessava. Na minha inexperiência, prometi o que estava fora do meu alcance.
Dirigi-me até ele e calmamente disse que as coisas não aconteceram como ele havia relatado e que a Autoridade Policial era uma delegada, ou seja, mulher e estava muito brava com ele pelo que fez com a esposa e a enteada, por isso arbitrou uma fiança de cinco salários.
Para minha surpresa novamente, ele me disse que eu teria que ligar para a esposa e pedir para que ela pagasse a fiança, eis que ele não tinha mais ninguém que poderia fazer tal coisa.
Naquele momento, novamente fiquei atônita, mas sem opção: disquei para a esposa do detido, que foi extremamente grosseira, dizendo que não pagaria nada, nem fiança, tampouco meus honorários, desligando o telefone.
Respirei fundo, e sem saber o que fazer, me sentei em uma das cadeiras daquela delegacia, tentando encontrar no Google o que poderia ser debatido para a delegada de polícia.
Não me restando alternativa outra senão abaixar minha cabeça. Mentalmente pedi ajuda espiritual para resolver toda aquela situação.
Passado alguns minutos, meu telefone tocou, era a esposa, dizendo que um amigo estaria indo levar o dinheiro para pagar a fiança, mas que meus honorários ela não pagaria. Fiquei tão aliviada, por conseguir sair daquela situação, que os honorários eram a última coisa que estava me preocupando.
Para minha última surpresa, foi enviado o valor da fiança e os meus honorários. No entanto, mal sabia ela que o meu maior ganho naquele dia, foi a experiência vivenciada em jamais prometer ao cliente um resultado que estava fora do meu alcance.
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Por Ana Paula Rocha De Jesus
Fonte: Canal Ciências Criminais
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