Recentemente, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho editou a Nota Técnica SEI nº 56376/2020/ME, esclarecendo que, para fins previdenciários, a Covid-19 constituirá doença ocupacional após a realização de perícia médica delineando o nexo causal entre o trabalho e a contaminação do empregado, já que a Covid-19 não está elencada no Decreto nº 3.048/99 como doença profissional.
Todo o contexto nos leva a concluir que, a depender do nexo de causalidade, a Covid-19 pode, sim, ser considerada uma doença ocupacional. Essa conclusão impõe aos empregadores a efetiva adoção de medidas de contenção da propagação do coronavírus no ambiente de trabalho, com o intuito de evitar a contaminação dos empregados nas dependências físicas da empresa.
Tal obrigatoriedade decorre do dever, por parte do empregador, de fornecer aos seus empregados um ambiente sadio de trabalho, conforme disposto no artigo 7º, XXII, da Constituição Federal. A Constituição Federal também elegeu a teoria subjetiva para apuração da responsabilidade do empregador decorrente da doença ocupacional (acidente típico de trabalho por equiparação), nos termos do artigo 7º, XXVIII.
Vale dizer, portanto, que somente quando o empregador concorrer para a contaminação do empregado pela Covid-19 é que ela poderá ser considerada como doença ocupacional. E para que inexista nexo de causalidade entre a contaminação do empregado e o seu trabalho cabe ao empregador demonstrar fiel obediência às regras sanitárias e adotar medidas eficazes ao contingenciamento da Covid-19 no ambiente laboral, já que o Ministério da Saúde declarou o estado de transmissão comunitária da Covid-19 no país.
Ainda que a vacinação contra o coronavírus ainda não esteja disponível no Brasil, é inegável que ela é uma das principais medidas de contenção da propagação do coronavírus. Ocorre que, conforme pesquisa do Datafolha datada de 14/12/2020 [1], 22% da população brasileira não pretende tomar a vacina contra a Covid-19 e 5% da população declarou que ainda não sabe se pretende se imunizar.
E dessa resistência acerca da imunização contra o coronavírus por parte da população brasileira surge a seguinte pergunta: o empregador pode exigir, como medida de contenção da contaminação do coronavírus em suas dependências físicas, que seus empregados tomem a vacina?
Antes de mais nada, quanto à obrigatoriedade de vacinação no território nacional, no dia 17/12/2020 o STF decidiu que a União, os Estados, o DF e os municípios não poderão forçar os cidadãos a tomarem a vacina contra o coronavírus, entretanto, poderão dispor regras restritivas de direitos àqueles que não comprovem a imunização.
No que se refere às consequências da vacinação contra a Covid-19 nas relações de trabalho, o empregador deve zelar pela saúde e segurança de seus empregados e, sem dúvidas, exigir a vacina contra o coronavírus é uma medida de saúde e segurança do trabalhador. Somado a isso, é dever do empregado obedecer às normas de saúde e segurança do trabalho, conforme disposto no artigo 158 da CLT, e a recusa no cumprimento dessas regras caracteriza ato faltoso de sua parte passível de punição.
E, muito embora o STF já tenha se manifestado quanto à "vacinação forçada" no ambiente de trabalho, entendemos que o empregador pode, sim, exigir que seus empregados tomem a vacina contra o coronavírus quando disponibilizada à população, como medida de saúde e segurança do trabalhador e como medida de contenção da propagação da Covid-19 no ambiente laboral, até mesmo porque os empregadores são constantemente fiscalizados quanto ao cumprimento das regras sanitárias.
Como grande parte das regras do nosso ordenamento jurídico celetista, por óbvio essa exigência admite exceções, e poderá ser flexibilizada em determinadas situações como, por exemplo, quanto aos empregados que se ativem exclusivamente em regime de teletrabalho ou quanto àqueles que, por algum motivo justo, até mesmo de ordem médica, por exemplo, sejam incompatíveis com a vacina contra o coronavírus.
Ao que tudo indica, a vacinação contra a Covid-19 é iminente e, indubitavelmente, uma grande aliada dos empregadores na preservação da saúde e segurança dos seus empregados. Na verdade, não apenas aliada dos empregadores, mas de todos os brasileiros, pois pensamos que graças as campanhas de vacinação já realizadas em nosso país é que se tornou possível a erradicação, ou o controle de males que já nos assolaram e ainda nos assolam. A questão vai muito além da lamentável briga política que temos assistido, fruto do despreparo e da incapacidade de nossos governantes.
Nesse sentido, sinalizamos que pode, sim, o empregador exigir que seus empregados se imunizem contra o coronavírus, salvo justas exceções que tornem a exigência ineficaz ou impossível de se cumprir. Isso porque o direito à liberdade individual não pode se sobrepor ao direito coletivo. Vale dizer, a liberdade individual se estende, pensamos, até o momento em que esbarra na coletividade, estando o princípio da dignidade da pessoa humana inserido nesse contexto. Ou seja, uma vida digna depende, fundamentalmente, da observância de regras de proteção à saúde do empregado por parte do empregador.
Ainda sobre o viés do direito potestativo do empregador, que sempre deve ser exercido em função de preceitos legais, bem como sob o ponto de vista da segurança jurídica, e tendo em vista o disposto no inciso VI do artigo 611 da CLT, entendemos possível a inserção, no regulamento empresarial, de regras atinentes à adesão dos colaboradores às campanhas de vacinação.
Ratificamos que, além dos motivos já delineados — dever de zelar pela saúde e segurança do trabalhador, adotar medidas eficazes ao contingenciamento da Covid-19 no ambiente laboral e possibilidade de a Covid-19 ser conhecida como doença ocupacional —, a vacinação é hoje uma questão de saúde mundial e a recusa imotivada por vontade própria de um empregado em tomar a vacina não pode se sobrepor à coletividade dos que estão à sua volta e colocar em prova a saúde dos que se ativam ao seu lado.
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[1] https://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2020/12/1989184-disposicao-para-se-vacinar-contra-covid-19-cai-de-89-para-73-entre-brasileiros.shtml
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*Daniel De Lucca e Castro é advogado trabalhista, sócio do Escritório Brasil Salomão e Matthes e coordenador trabalhista.
*Láiza Ribeiro Gonçalves é advogada Trabalhista, sócia do Escritório Brasil Salomão e Matthes e coordenadora Trabalhista da Unidade Goiânia/GO.
Fonte: Conjur
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