Entenda: STF não retirou poderes do Presidente para medidas de combate a pandemia do Covid-19

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bit.ly/39N4Ni8 | Bolsonaro tem afirmado que o STF retirou seus poderes para adotar medidas de combate ao Covid-19. Diversas mensagens, nesse sentido, têm sido veiculadas nas redes sociais. A afirmação, no entanto, é falsa, merecendo análise o julgado a que tais assertivas se referem.

Trata-se da ADI 6341, julgada pelo STF em 15/04/2020. Nesta ação direta de inconstitucionalidade, o PDT questionou a Medida Provisória n° 926 de 20/03/2020 que, editada pela Presidência da República, alterou a Lei federal 13.979 de 06/02/2020, para estabelecer que apenas ao Chefe do Executivo Federal cabe definir os serviços públicos e atividades essenciais para fins de excepcionar medidas de isolamento social e quarentena. 

Na exordial, o autor articula que o ato normativo em questão reserva uma competência exclusiva ao Governo Federal quando, em verdade, a Constituição da República dispõe, no art. 23, ser a saúde pública matéria de competência comum da união, estados e municípios. 

A Corte Constitucional deu razão ao requerente, conferindo ao dispositivo atacado interpretação conforme a Constituição. Destacou, para tanto, que o fundamento do art. 23 da Carta Magna é, indubitavelmente, o estabelecimento de esforços coordenados entre os entes federativos para o resguardo da saúde pública. Nessa esteira, a normativa atacada hierarquizava indevidamente estes atores e, o que é mais grave, seu viés era nitidamente conferir ao presidente a competência para livrar segmentos do comércio das medidas de isolamento social e quarentena decretadas por governadores e prefeitos. Dessa forma, fundamentou o relator que a disposição premiaria “a inação do governo federal, impedindo que Estados e Municípios, no âmbito de suas respectivas competências, implementem as políticas públicas essenciais”.

O que o Pretório Excelso fez, portanto, foi não retirar mas, ao contrário, reafirmar a responsabilidade da União neste momento, lembrando-a, sobretudo, da necessidade premente – e imposta pela Constituição Federal em seu art. 23, inciso II – de uma postura ativa de sua parte, unindo esforços, de forma harmônica, com estados e municípios, para combater a pandemia. Realizou, outrossim, a ressalva de que sua atuação jamais pode ser restritiva a estes, por se tratar de uma competência comum, devendo prevalecer as decisões que melhor realizem o direito à saúde, ou seja, aquelas que contribuam para a prevenção e tratamento da doença epidêmica.

Em outras palavras, o STF afirmou que interesses locais, como o de saber se um bar vai abrir ou não, devem restar com os municípios e estados, e se estes decretarem lockdown ou medidas de isolamento social, a União fica impedida de interferir. Mas ao Governo Federal cabe estabelecer uma estratégia nacional para questões macro, e inclusive decretar lockdown ou medidas de isolamento social em todo o território nacional, prevalecendo suas decisões nesse sentido sempre que mais protetivas à saúde pública que as dos estados e municípios. À União toca a parte mais importante, a exemplo do planejamento da vacinação e da projeção de políticas públicas globais a serem aplicadas pelos demais entes. O que o Governo Federal não pode fazer, no entanto, é boicotar a quarentena e medidas de isolamento social decretadas por estados e municípios, como vinha intentando por meio da normativa atacada, a ADI 6341. Competência comum, repita-se, significa que união, estados e municípios precisam atuar, e de forma coordenada, harmônica.

Os operadores do direito comprometidos com os valores constitucionais devem ter isso em mente e difundir a mensagem, para que a falsa assertiva não se torne justificativa para a inércia do governo federal no combate ao coronavírus.

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Por Marcos Bonfim. Pós-graduado em Direito das Famílias e Sucessões pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. 

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