É o que alertam os advogados tributaristas Breno Vasconcelos e Maria Raphaela Matthiesen, do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados. Para eles, ampliar o alcance do parágrafo 8º do artigo 85 do Código de Processo Civil favorecerá um modelo de cobrança dos créditos de baixa racionalidade no ajuizamento e condução das execuções fiscais.
A norma diz que, nos processos em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório, ou ainda quando o valor da causa foi muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa. A discussão é se a regra pode ser aplicada quando esses valores forem exageradamente altos.
O Superior Tribunal de Justiça tem dois repetitivos sobre o tema em tramitação e um leading case em julgamento na Corte Especial. Interrompido por pedido de vista, já tem dois votos a favor da tese fazendária. Também tramita no Supremo Tribunal Federal uma ação em que a OAB pede que o Judiciário seja proibido de aplicar o artigo 85 fora das hipóteses literalmente estabelecidas.
“Todo processo deveria implicar em risco. Se você não tem risco para litigar, então qual vai ser a escolha, do ponto de vista racional? É litigar. Por que não tentar? Já que a responsabilização é baixa, isso acaba sendo um incentivo ao litígio”, afirma Breno Vasconcelos.
O maior gargalo
Esse cenário vai contra as expectativas criadas a partir do novo CPC, editado em 2015, mas em vigor desde março de 2016. Em 2017, Breno Vasconcellos e Maria Raphaela Matthiesen publicaram estudo defendendo que a nova disciplina dos honorários envolvendo a Fazenda impulsionaria a redução do contencioso judicial.Em Honorários de Sucumbência no novo CPC: Risco, escolha e aposta no contencioso tributário, eles citam dados de outro estudo, Novo Modelo de Cobrança da Dívida Ativa da União, do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV, que indicam que a taxa de recuperabilidade dos débitos inscritos em dívida ativa era de apenas 2,1% do crédito tributário em cobrança.
Segundo Maria Raphaela, é um indício de que o ajuizamento sem avaliação da potencial recuperabilidade e controle de legalidade das dívidas ativas não era eficiente. Não à toa, as execuções fiscais são o maior gargalo do Judiciário brasileiro e o principal fator de morosidade.
Pouca coisa mudou. Segundo o relatório Justiça em Números, do CNJ, em 2015 elas correspondiam a 39% do total de casos pendentes, com alta taxa de congestionamento. À época, a cada 100 execuções que tramitavam, apenas oito eram baixadas. Os dados mais recentes são de 2019 e mostram, ainda, 39% do acervo pendente no Judiciário, com congestionamento de 87% — de cada 100 em tramitação, 13 foram baixadas.
Em 2015, eram 28,9 milhões de execuções fiscais pendentes no Judiciário. Quatro anos depois, esse número aumentou para 30,2 milhões. O tempo médio de tramitação é de oito anos até a baixa. Não há dados sobre a evolução da taxa de recuperabilidade.
O que mudou, segundo os tributaristas, foi a postura da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. A partir de 2016, nota-se uma tomada de iniciativas para redução do contencioso. Elas mostram que a PGFN assumiu postura preocupada com o risco do litígio e que agora é colocada a perigo nos julgamentos sobre a fixação de honorários.
Precedentes e cobrança eficiente
Segundo Maria Raphaela Matthiesen, a PGFN adotou medidas voltadas à cobrança da dívida ativa vinculadas à qualidade do crédito, não à quantidade de processos. “Passou a fazer avaliação da legalidade dessas dívidas, se de fato não há créditos indevidamente inscritos, medidas de controle de qualidade que caminham para uma cobrança eficiente. Medidas que, até 2016, ao que tudo indica, não eram tomadas. Era um ajuizamento quase que automático”, explicou.O Fisco adotou postura de maior observância aos precedentes de tribunais superiores, através de pareceres e também porque o Ministério da Economia concedeu efeito vinculante a súmulas do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf). Pela Portaria PGFN 396/2016, admitiu o arquivamento de execuções fiscais cujo valor consolidado não supere R$ 1 milhão — e que poderão ser cobradas extrajudicialmente, portanto.
Também instituiu o Regime Diferenciado de Cobrança de Créditos, com uso de ferramentas extrajudiciais para a cobrança e maior acompanhamento de parcelamento da dívida e de discussões judiciais. O contribuinte tem novos caminhos administrativos para, antes de ocorrer a execução fiscal, contestar e revisar a dívida.
Mesmo em eventos acadêmicos sobre o tema, segundo Breno Vasconcelos, observou-se preocupação constante de reduzir o contencioso judicial. “Antes de 2015 não existia nada disso. A PGFN pegava tudo que chegava e ajuizava. É depois dessa regra do artigo 85 que a história começa a mudar”, destaca.
O que é excepcionalíssimo?
Para ambos os tributaristas, as decisões devem sopesar qual é a capacidade do Judiciário de ignorar uma decisão eloquente do legislador do CPC. Ainda que se admita que, em casos excepcionalíssimos, é possível fixar honorários de sucumbência por equidade, o precedente teria o efeito de, segundo Breno Vasconcelos, abrir a porteira para passar a boiada.“Existe risco até de um novo contencioso para entender o que é excepcionalíssimo”, afirma Maria Raphaela Matthiesen. Ela toma como exemplo o caso em julgamento na Corte Especial: uma petição de três páginas de uma exceção de pré-executividade para pedir reconhecimento da ilegitimidade de seu cliente figurar em execução fiscal de R$ 1,6 milhão ajuizada em 1997 contra os sócios de uma empresa.
“É uma petição de três páginas que precisou ser apresentada para demonstrar que a inclusão de uma sócia de polo passivo era indevida. Na prática, esse tipo de inclusão de responsabilização não é um caso excepcionalíssimo”, destacou. Pela regra do CPC de 2015, com o valor atualizado da causa, o advogado deverá receber algo em torno de R$ 300 mil.
Para ressaltar o efeito sistêmico do precedente a ser formado pelo STJ, Breno Vasconcelos cita os efeitos da reforma trabalhista de 2017, que impôs honorários de sucumbência aos reclamantes. Em um ano, segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho, o número de processos novos caiu mais de 30%.
Se os honorários por equidade forem admitidos em causas de valor muito elevado, o Judiciário estará criando um problema para si próprio. “Está sempre reclamando que é muito demandado, mas com base nesse julgamento estarão criando mais um incentivo para o litígio. É contraditório”, afirmou Breno Vasconcelos.
Por Danilo Vital
Fonte: Conjur
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